O mestre Gilberto Freyre, que se debruçou sobre muitos assuntos, em alguns dos quais tornando-se pioneiro, como no caso dos guias de viagem, que ele introduziu no Brasil, a partir de uma experiência no exterior, também escreveu sobre as assombrações do Recife antigo, um texto até hoje muito pesquisado e mencionado em pesquisas do gênero e até mesmo, inclusive, em trabalhos acadêmicos. Num dos nossos romances, Chaminés Dormentes, ao fazermos referência à lenda do Papa-Figo, pois o texto, num dos capítulos, trata do preconceito existente à época sobre os portadores de hanseníase, que residiam no Hospital Colônia da Mirueira, uma verdadeira cidade, nos subsidiamos no livro de Gilberto para definir a narrativa sobre a lenda desse personagem.
Na vila operária de Paulista circulava um sujeito esquisito, maltrapilho, acompanhado de uma matilha de cachorros vira-lata, com um porrete na mão e um bisaco nas costas. Dizem que comia de tudo, tudo que encontrasse pela frente, como calangos, gatos, cachorros e coisas assim. Totonho Papa-figo morava sozinho, numa tapera dos arrabaldes. Metia medo nas crianças locais, que fugiam dele como o diabo foge da cruz. Totonho encarnava o verdadeiro Papa-Figo no imaginário dos habitantes locais. À época corria a lenda de um velhinho que andava sequestrando crianças com o propósito de extrair seu fígado puro, o que se constitua num tratamento para os portadores de hanseníase.
Um pouco depois da chácara de Gilberto Freyre, o Solar de Apipucos, existe o parque de Dois Irmãos, durante anos um dos parques mais festejados pelas crianças do Recife e adjacências. Á época era um dos poucos. Hoje, o Recife está repleto deles. Um em cada esquina. Saindo do bairro de Dois Irmãos, onde reside o prefeito, até o centro da cidade, passa-se, pelo menos, por uma dezena deles. O parque sempre passou por altos e baixos. Às vezes está muito bem, com tudo funcionando direitinho, outras vezes nem tanto. Há até um museu de ciências naturais, que deixou este editor intrigado. Lá existe uma moeda semidigerida por um avestruz. Haja estômago!
Nas imediações de Dois Irmãos, que no passado era um engenho de açúcar, existe o Açude do Prata onde residiu no passado uma senhora de engenho cristã-nova conhecida como Branca Dias, uma judia humilhada, maltratada e morta pela inquisição. Conta a lenda que, nas noite de lula cheia, ela costuma aparecer no local. Sabe-se lá para quem, uma vez que o espaço pantanoso, pouco visitado, embora guarde belezas estonteantes e águas cristalinas, as mais cristalinas do mundo, segundo dizem posto que intocada pela mão do homem. A senhora, antes de morrer, jogou toda a sua fortuna em pratas no açude, que nunca foi encontrada, a despeito da transparência da água. Tornou-se um local muito perigoso, reduto de marginais que se escondem das autoridades. Recentemente, dois jovens que tomavam banho local foram abordados e se jogaram na água, desaparecendo logo em seguida. Os bombeiros fizeram várias buscas sem sucesso no local, alimentando a lenda de Branca Dias.
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