pub-5238575981085443 CONTEXTO POLÍTICO. : Portal Tribuna do Norte: A Ordem tecnodemocrática, artigo do cientista político Gâudêncio Torquato.
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domingo, 27 de novembro de 2011

Portal Tribuna do Norte: A Ordem tecnodemocrática, artigo do cientista político Gâudêncio Torquato.



Gaudêncio Torquato,

As quedas sucessivas de governos europeus - Islândia, Dinamarca, Grã-Bretanha, Grécia, Holanda, Irlanda, Eslovaquia, Portugal, Itália e Espanha - abrem intensa polêmica sobre o fenômeno da globalização, sinalizam a ascensão da tecnocracia ao centro do poder político e contribuem para mobilizar massas até então amorfas, em países credores e em devedores. Abrigados nas margens do espectro ideológico, grupos de todos os espectros passam a agir como exércitos destemidos, tomando as ruas, exigindo a saída de governantes açoitados pela crise financeira e a entrada na cena politica de figurantes e de propostas inovadoras. O status quo é jogado no colo de "elites" identificadas com mandatários responsáveis pela adoção de modelos ultrapassados. Espraia-se na Europa uma agitação que clama por mudanças drásticas, tendência que se enxerga na ação de partidos de extrema direita na Itália, França, Holanda, Áustria, Finlândia e de setores populistas que pretendem sacudir o continente e inserir na agenda amplo debate sobre os parâmetros que regulam a União Européia. A par de explícitos interesses de grupos radicais, que esquentam a polêmica e partem para o embate, o que está em jogo nesse momento, também nos Estados Unidos e em outras praças, é o próprio equilíbrio do sistema democrático, fato a ensejar a instigante questão: a crise financeira ameaça os valores da democracia?

Partamos da análise sobre os efeitos do fenômeno da globalização na vida dos países. A crítica mais comum aponta para a sensível perda das identidades nacionais. Sob a globalização, as Nações passaram a ter governos manietados ou, para usar expressao mais leve, monitorados pelo mandatário-mor do planeta, o capital internacional. Parcelas expressivas das populações européias queixam-se, por exemplo, que a erosão de suas fronteiras, a eliminação das moedas nacionais e a imposição de uma nova ordem pela troika União Européia-Banco Central Europeu-Fundo Monetário Internacional interferem em seu modo de ser, pensar e agir. Não se conformam com o enxerto em suas culturas de sementes estranhas aos solos pátrios e apontam para o esgarçamento da teia de valores que formam o caráter de seus povos. A expressão das comunidades, agora mais acesa, resgata a tese de que as economias continentais diferem bastante para ficar sob as rédeas de uma única política monetária. As assimetrias, como agora se mostram, eram bastante previsíveis. O discurso é bastante consistente.

O ordenamento do império financeiro- inspirado na proteção dos cofres e fortalecimento dos PIBs nacionais - acaba tapando os olhos para o conforto social, mesmo que as equações produzidas pelos formuladores de plantão tentem demonstrar relação de causa e efeito, ou seja, a estratégia de defender o Bem da Nação seria chave para abrir as portas do bem estar geral. Não faltarão questionamentos à abordagem, bastando lembrar a receita brasileira, que, para enfrentar a crise, prescreveu o acesso da população ao crédito e ao consumo. Explicações à parte, o fato é que as democracias vêem suas engrenagens navegarem nas ondas do Império Financeiro Global, entidade que enquadra as esferas políticas e governamentais, centrais e periféricas, de potências ou territórios de pouca expressão. Não há como deixar de constatar a existência de parâmetros similares em todos os sistemas democráticos e a corrosão de cores nas bandeiras nacionais.

Dito isto, analisemos, agora, o segundo ator importante no quadro das democracias contemporâneas: o tecnocrata. De início, é oportuno lembrar que não há mais no planeta brilhantes estrelas da política. O painel político da Humanidade locupleta-se de figurantes sem o glamour de líderes que marcaram presença na história. Os tempos são outros. Queixumes se ouvem nas praças do mundo: quem lembra a sabedoria e o tino de figuras portentosas como as De Gaulle, Churchill, e mesmo Margareth Thatcher ou Willy Brandt? As Nações dispõem, hoje, de quadros funcionais de limitado ciclo de vida política. Os conflitos do passado, cujo foco era a geopolítica e a expansão de domínios, cedem lugar às lutas internas contra o dragão que devasta as finanças e corrói os Tesouros. É natural, pois, que o perfil do momento seja aquele treinado nos salões da tecnocracia. Aliás, o termo vem a calhar nesses tempos de insegurança, pois agrega habilidade(tekne) ao poder( kratos). Isso é o que se espera dos "solucionadores de problemas", entre eles, Mário Monti, novo primeiro ministro italiano, que herda o caos deixado por Berlusconi, e Lucas Papademos, que domina a planilha de contas mas parece perdido diante dos cofres vazios da Grécia. Exímios tecnocratas, deverão por em prática as ordens de quem realmente dá o tom da Europa, Alemanha e França, cujos mandatários Ângela Merkel e Nicolas Sarkozy são jocosamente chamados de Merkozy.

Afinal, o tecnocrata faz mal à democracia? A pergunta está no ar desde a queda do Muro de Berlim, no vácuo deixado pelo desvanecimento das ideologias e pasteurização partidária. De lá para cá, governos esvaziaram seus compartimentos doutrinários, preenchendo- os com quadros burocráticos e apetrechos técnicos para obter eficiência e eficácia. Inaugurava-se o ciclo que Maurice Duverger cognomina de "tecnodemocracia", que sucede à democracia liberal. Seus eixos se apóiam em organizações complexas e racionais e, hoje, mais que nunca, levam em conta a gangorra dos capitais financeiros mundiais. A política deixou de ser uma unidade autônoma, porquanto passou a depender de mais duas hierarquias, a alta administração do Estado e os negócios. Esse é o feitio dos modernos sistemas democráticos. E é essa modelagem que explica manifestações radicais das massas em quadrantes diferentes do planeta. Busca-se um Salvador da Pátria, seja ele socialista, populista, liberal, conservador de direita, tecnocrata ou intelectual. Se ele não aparecer, um ditado conhecido dos ditadores poderá emergir: "quando nada mais se apresenta, o trunfo é paus".

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