pub-5238575981085443 CONTEXTO POLÍTICO: O XADREZ POLÍTICO DAS ELEIÇÕES MUNICIPAIS DO RECIFE EM 2012
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quarta-feira, 18 de abril de 2012

O XADREZ POLÍTICO DAS ELEIÇÕES MUNICIPAIS DO RECIFE EM 2012



O XADREZ POLÍTICO DAS ELEIÇÕES MUNICIPAIS DO RECIFE EM 2012 – Pelas prévias, não é mais possível medir o “pulso” da democracia interna do Partido dos Trabalhadores. Os revolucionários de hoje são os reacionários de amanhã.



José Luiz Gomes escreve

                                  

                                   Durante as suas últimas entrevistas, o prefeito do Recife, João da Costa, dimensionou bem o clima tenso observado no PT recifense, que se prepara para escolher o nome do partido que disputará as eleições municipais de 2012, através das prévias, já agendadas para o dia 20 de maio. Ele e o Secretário de Governo, Maurício Rands, deverão disputar os votos dos 33 mil militantes do partido, aptos a votarem no Recife. O prefeito utilizou algumas expressões duras, indicativas de que a cisão da agremiação é algo irreversível e que o PT, como organização partidária de massa, sofre os efeitos inevitáveis da “Lei de ferro das oligarquias”.

                                   Trata-se de um sinal evidente de que os dispositivos utilizados para dirimir os conflitos internos do partido – as prévias são um exemplo desses dispositivos – já foram subjugados pelo crescente processo de “oligarquização” do PT, fenômeno muito bem diagnosticado pelo sociólogo Robert Michels, na virada do século XIX para o século XX, em sua tese sobre a “Lei de ferro das oligarquias”. Reticente em relação à própria democracia, mesmo as experiências tidas como mais democráticas do partido seriam observadas com desconfiança pelo sociólogo, que adotou o Partido Social-Democrata Alemão como objeto de seus estudos. Michels foi militante da agremiação.

                                   Michels observa o fenômeno da “oligarquização” como algo inevitável às organizações partidárias e sindicais. Se há organização, inevitavelmente, há oligarquização: “(...) A organização é a fonte onde nasce o domínio dos eleitos sobre seus eleitores, dos mandatários sobre os mandantes, dos delegados sobre os que delegam. Quem diz organização diz oligarquia.” Militante político, conforme mencionamos, Michels se decepcionaria com essas organizações na sua juventude, sendo, portanto, suas conclusões, o resultado de experiências vividas pelo próprio autor.

                                   É curioso observar esse processo de “oligarquização” das organizações, sobretudo entre os partidos políticos. O PT viveu uma das experiências mais ricas de organização partidária no Brasil. Rica e única, como enfatizam uma série de trabalhos acadêmicos que tratam desse tema, inclusive o nosso. Foi o partido da “Lógica da Diferença”, como bem concluiu a americana Margareth Keck, que veio a São Bernardo dos Campos – berço do PT - realizar seu doutoramento sobre o tema. À época, o trabalho da pesquisadora americana foi considerado uma das melhores teses já realizadas sobre o Partido dos Trabalhadores. Os trabalhos de Keck e Rachel Meneguello, logo em seguida, são seminais sobre o estudo do Partido dos Trabalhadores, numa época em os intelectuais e acadêmicos realizavam “trabalhos engajados” sobre o tema. Hoje, os estudos sobre o partido já não são tão frequentes e, muito menos, tão entusiasmados.  

                                   Essas autoras sempre apontaram os dispositivos de decisões partidárias do PT como um antídoto à possibilidade de o partido ser controlado por uma aristocracia partidária. Quando o PT chegou ao poder, uma série de fatores contribuíram para que esses conceitos fossem reavaliados. As prévias constituíram-se para o PT, durante muito tempo, num momento importante, no contexto de uma agremiação orientada pela experiência da democracia interna apresentada como um princípio. Embora preconizasse ideais socialistas, o Partido dos Trabalhadores nasce fazendo uma crítica à ausência de experiências democráticas do chamado “socialismo realmente existente” e, em contrapartida, às organizações partidárias de corte socialista afinadas com conceitos como “ditadura do proletariado”, embora algumas tendências mais radicais do partido, até hoje, ainda advoguem essas teses.

                                   Seu líder maior, Luiz Inácio Lula da Silva, nunca foi socialista, mas bastante inteligente, deixou para dizer isso no momento certo, quando sua chegada à presidência da República tornou-se um fato concreto. Por um bom período, então, quem sabe se contrapondo ao fatalismo das observações de Michels, as prévias representavam, sim, a organicidade da legenda. A fluidez de uma dinâmica orientada pela decisão de uma maioria que, não raro, poderia até mesmo se contrapor ao desejo das lideranças mais expressivas da agremiação. Era o resultado de um conjunto de práticas que envolviam suas diferentes tendências, seus militantes, na racionalidade de dirimir suas divergências através de instrumentos democráticos. O PT era um dos poucos partidos políticos – se não o único – possuidores desses dispositivos. Os anos se passaram e, lamentavelmente, essas prévias foram se descaracterizando, reafirmando a inevitabilidade das conclusões do sociólogo alemão.

                                   Numa longa matéria do Jornal do Commércio, do último domingo, o repórter de política Sérgio Montenegro Filho, num “diálogo” com recentes trabalhos do filósofo Roberto Romano  – crítico ácido do PT e, por isso mesmo, habitué das “consultas” da Veja – fala sobre o fenômeno da “oligarquização” do partido, inclusive estabelecendo uma similaridade com o PMDB, uma federação de capitanias hereditárias, algo que, no entender do filósofo, já estaria ocorrendo com o PT. Para ilustrar a matéria, são citados alguns casos, como o PT de Luizianne Lins (Ceará); o PT de Jaques Wagner (Bahia); o PT de Olívio Dutra (RS) e, para apimentar a discussão, o PT do senador Humberto Costa(PE).

                                   Dois aspectos nos levam a não ser tão radical quanto o filósofo Roberto Romano. Se, por um lado, é inegável o processo de “oligarquização” da agremiação, por outro lado, não se pode negar o papel dessas consultas internas para consolidar o PT como uma das experiências partidárias únicas no sistema partidário brasileiro, algo que não se pode, em nenhuma hipótese, ser posto no lixo da história. Com todos os problemas, o PT ainda é o partido mais arejado e permeável do sistema partidário brasileiro, como observa o professor Pedro Floriano Ribeiro, autor de uma tese de doutorado sobre o processo de oligarquização do Partido dos Trabalhadores, defendida no Programa de Ciência Política da Universidade de São Carlos, de excelente produção acadêmica nesta área.

                                     As prévias realizadas pelo PSDB em São Paulo, para a escolha do candidato que vai representar o partido nas próximas eleições municipais, apenas como exemplo da ausência de organicidade, reuniram pouco mais de 05 mil filiados, numa demonstração clara da inexperiência de práticas democráticas naquela legenda. Para os tucanos, as prévias foram algo anômalo, que, em absoluto, poderia ser identificado como uma vivência partidária. Daí a desmotivação dos militantes.

                                   Embora as tendências menos expressivas tenham reclamado muito sobre o processo de tomada de decisões na agremiação, o “imponderável” sempre é possível nesses momentos, tirando muita gente do salto alto. As prévias do Recife, por exemplo, não são “favas contadas” em favor de Rands, a despeito da hegemonia da tendência Construindo um Novo Brasil, liderada pelo senador Humberto Costa. Essa constatação passou a preocupar os estrategistas palacianos e os “caciques” do PT local, orbitando em torno da CNB.

                                   Se em São Paulo a imposição do nome do ex-ministro da Educação, Fernando Haddad, significou algum “comprometimento democrático”, no Recife, observa-se uma evidente utilização das prévias no sentido de legitimar a “solução Rands”, uma vez que lideranças da agremiação e da Frente Popular não concordam com a candidatura à reeleição do atual prefeito, João da Costa.

                                   Depois de muitas consultas aos “astros”, o deputado federal João Paulo, como já era previsto, acabou de declarar seu apoio à pré-candidatura de Maurício Rands. Há uma série de questões em jogo, mas preferimos não tratá-las neste momento. De concreto mesmo, uma mudança na correlação de forças do PT local e o isolamento do matuto, que conta com o apoio da capilaridade construída pela gestão e a militância, o que, conforme afirmamos, são trunfos que não podem ser negligenciados.   

                                   É neste contexto, que as prévias ficam bastante descaracterizadas, contribuindo, inclusive, para um desgaste do partido junto à população e para o agravamento das divisões internas. Ou seja, em certa medida, já não é possível tirar o “pulso” da democracia interna do partido através das prévias. Elas hoje traduzem, muito mais, a dificuldade de entendimento entre os membros do partido. Ou, como sugere Roberto Romano, uma luta autofágica, entre seus integrantes, por espaços de poder.

                                   A fala do chefe do Executivo Municipal traduz um pouco aquilo que já discutíamos em nossas postagens no Blog. Não existe a menor possibilidade de o PT caminhar minimamente integrado para as eleições de 2012. Unido seria um termo ainda mais infeliz, uma vez que o PT já riscou esse verbete do seu caderninho faz algum tempo. Na verdade, o que se objetiva, urdida por integrantes da CNB, articulados nacionalmente, reunidos sob o baobá do Palácio do Campo das Princesas, é apear o matuto que tomou água de barreira de sua poltrona do Palácio Antonio Farias e jogá-lo nas águas do Capibaribe, conforme sugeriu uma liderança do partido, num desses momentos de ato falho. Embora o senador Humberto Costa negue peremptoriamente, essa manobra conta, sim, com o sinal verde do Palácio do Campo das Princesas, conforme as evidências confirmam.

                                   Logo que percebeu a tecitura macabra, João da Costa ainda tentou conversar com alguns atores da Frente Popular e da direção nacional do PT. Não teríamos imagem melhor para representar isso do que aquele filho, que, ameaçado de tomar umas palmadas da mãe aproxima-se da cristaleira, sabedora de que, por nada, ela iria comprometer sua coleção de cristais. Só que, nesse caso, os cristais já estavam encaixotados para a mudança, com  transportadora contratada e tudo.

                                   A única alternativa que restou para João da Costa – conforme comentamos no Blog – foi a de reunir seu exército, arregimentar a tropa, redigir as portarias de demissão dos “Brutus” e se preparar para as cadeiradas. Ops! As prévias! Numa prévia – mesmo nessas condições – a situação de João da Costa não é muito ruim, conforme assinalamos. Os cristais da Prefeitura do Recife estão sendo bastante cobiçados, e este é um dos fatores que também estão contribuindo para motivar essa cisão no partido. Fica claramente evidenciada como pano de fundo – que neste caso não é cueca -  uma luta fratricida por esses cristais, fundamentais para alavancar os projetos de determinados atores do partido em 2014.

                                    Com perfil acadêmico, inclusive envernizado nos EUA, Rands até que tentou – durante o seu discurso por ocasião do lançamento de sua pré-candidatura – tecer alguns comentários sobre problemas gerenciais na atual administração de João da Costa, mas a tônica, principal foi o chamado “déficit de diálogo” do atual gestor com setores do PT e da Frente Popular. Humberto Costa, avalista de sua pré-candidatura, não é o ator político mais qualificado para falar sobre o assunto.

                                   Rompido o João e João, consolidou-se, durante um bom tempo, o Costa é Costa. Nesse caso em particular, a indisposição para o diálogo, acreditamos, parece-nos que foi recíproca. Não vamos entrar no mérito sobre os motivos que teriam levados os dois a se afastarem, mas é inegável que, gradativamente, foi se configurando o João é Costa, traduzido numa reaproximação entre João Paulo e Humberto Costa. Taticamente, a reaproximação entre ambos pode ser lida como uma manobra para isolar João da Costa, hoje desafeto de ambos. Inevitavelmente, Humberto e João Paulo voltarão a medir forças no partido.

                                   Essas prévias serão a crônica de uma morte anunciada para o PT pernambucano. Ele deverá sair bastante cindido desse embate interno, sobretudo o diretório municipal. Se vencer João da Costa, sua relação com as lideranças da CNB estão irremediavelmente comprometidas, como ele já advertiu. Se Rands vencer, perde o Recife, pelo menos temporariamente, uma vez que muito dificilmente poderia se esperar de João da Costa a tranqüilidade necessária para “tocar” a administração da cidade, ciente de que foi preterido pelos antigos companheiros, derrotado nas prévias, num clima de final de festa.

                                   Não se espere de João da Costa nenhum desprendimento republicano. Hoje, colunista de política da Folha de Pernambuco, já comenta sobre um incipiente processo de “caça às bruxas”, desencadeado pela exoneração de servidores, para a “acomodação” de pessoas ligadas ao projeto do prefeito. Essa “solução de continuidade”, naturalmente, proporciona alguns danos à gestão da máquina, com prejuízos para a população. Vamos ver como o PT vai sair desse imbróglio. A oposição, mesmo dividida, assiste a tudo de camarote, consciente de que a Bastilha petista já esteve mais segura.

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