Os gregos – que
eram sábios – separaram como ninguém o espaço da pólis (política) do espaço do
óikos (casa). Fizeram isso para não contaminar o espaço da política com os
interesses comezinhos da luta pela sobrevivência. Como dizia o filósofo, um
homem que precisa dedicar grande parte de seu dia ao trabalho, não era livre.
Só os que podiam se dedicar inteiramente aos negócios públicos,
desinteressadamente, podiam ser chamados de cidadãos. Essa desconfiança da
mistura entre política e interesses se manifestou, mais tarde, no pensamento da
Hannah Arendt que chamou os parlamentos modernos de praças de negócio,
comandadas pelos simples interesses: e não pelo bem comum.
Daí pensar a
dignidade da política, como uma ”vita contemplativa”, distanciada do vil
interesse material. Seu primo, Walter Benjamin foi mais além: negou-se
terminantemente a conceder à política moderna qualquer propósito sensato,
concebendo-a como um mero discurso estratégico, submetido sempre à uma vontade
de poder. Foi preciso recorrer à linguagem e aos atos retóricos para pensar a
política como a arte do diálogo, da comunicação, do entendimento mútuo, a serviço da libertação (Habermas). Hoje, a inevitável judicialização da política
acabou com as belas promessas do discurso político e entregou aos juízes a
decisão sobre o certo e o errado do mundo político, deslocando a sua
racionalidade para o interior das cortes.
É possível salvar a política, na concepção do “bom e justo governo da
cidade”, como queria Aristóteles? Ou será que ela é uma atividade decididamente
comprometida com meros imperativos de poder, sem pretensão de validade ética ou
cognitiva? – É possível pensar uma política da amizade, da boa-fé, do
entendimento ou do diálogo entre pessoas de boa vontade?
Aqui, sobressai o nome
de Platão e de sua obra “O banquete”. Só é possível resgatar a dimensão da
amizade, da boa vontade e da boa-fé entre os políticos, os as pessoas políticas
(zoon politicom), se for possível pensar na reerotização das relações humanas,
de um modo geral. Enquanto banirmos essa razão sensível dos nossos negócios, a
política continuará a serviço de interesses estratégicos ou materiais, com
muito pouco margem de manobra para a dimensão da amizade, do acordo, do diálogo
e do entendimento. Nem só do pão e do dinheiro vive a criatura humana. Vive-se
também, e sobretudo, de respeito, auto orgulho, de atenção. A política do
interesse tem que permitir a política do reconhecimento, se quisermos
reabilitar o discurso político e a nossa confiança nos políticos. Senão Thomas
Hobbes, Maquiavel, Nietzsche e Foucault terão dado a sua última palavra sobre
isso. E aí não teremos salvação.
Michel Zaidan Filho é filósofo, historiador, cientista político, professor titular da Universidade Federal de Pernambuco e coordenador no Núcleo de Estudos Eleitorais, Partidários e da Democracia - NEEPD-UFPE
Michel Zaidan Filho é filósofo, historiador, cientista político, professor titular da Universidade Federal de Pernambuco e coordenador no Núcleo de Estudos Eleitorais, Partidários e da Democracia - NEEPD-UFPE
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