O ex-secretário de Turismo, da
Prefeitura do Recife, Alfredo Bertini, afirmou que o principal produto
turístico a ser vendido aos visitantes
do mundo inteiro ,na cidade maurícea era o carnaval. Daí os patrocínios
milionários e o intenso marketing feito no período da folia momesca. A
preparação e a realização do carnaval recifense tornou-se uma das ações
administrativas mais importantes no bojo dos planos de desenvolvimento
econômico das últimas gestões municipais. Pode-se, então, dizer que a folia
carnavalesca é ainda uma festa popular ou que conta com a participação maciça
do povo recifense? Ou ela foi deslocada das passarelas para ser mera
coadjuvante ou expectadora dessa grande festa? – Qual deveria ser a política
cultural de uma gestão democrática e popular para o carnaval do Recife?
O primeiro
ponto a considerar neste debate é a natureza mesma dos festejos carnavalescos
no âmbito de uma antropologia cultural em torno do riso e do grotesco ou
alegórico. Há quem afirme ser o grotesco um profundo traço cultural da mentalidade
do povo brasileiro (Muniz Sodré). Mas o
grotesco pensado como crítica, inversão, escárnio em relação ao poder e
aos poderosos., tal como os rituais profanos da
semana santa (a malhação do judas). Se isso é verdade, o Carnaval é, por
excelência, uma manifestação popular e desordeira, irreverente, crítica. Uma
imensa alegoria do desejo (reprimido) de insatisfação e revolta do existente na
vida e na sociedade. Intervir direta ou indiretamente na folia momesca
equivaleria a cassar o sentimento legítimo do povo em simular um julgamento
severo da conduta de nossas elites, sem derramamento de sangue ou violência. O
mais interessante é que a grande festa foi originalmente vista pelas elites e o estado como coisa do
populacho, da escória ou dos desclassificados sociais. Passível, inclusive, de
repressão policiai. A ideia de uma festa carnavalesca patrocinada pelos poderes
públicos, econômicos (ou a Igreja Universal) assumiria naturalmente outra
conotação social e cultural muito distinta do espírito da carnavalização da
cultura, em suas origens históricas. Que conotação é essa?
No caso de uma
sociedade como a brasileira a primeira impressão é que se trata de uma política
compensatória, destinada aos simples, ao povaréu, a arraia-miúda das grandes
e pequenas cidades, sem pão, sem
lar, sem trabalho e sem expectativas na
política e os políticos. O carnaval seria assim um colchão amortecedor das imensas que cercam a vida dos brasileiros pobres,
canalizando a sua revolta para a folia, o dispêndio bioenergético durante os
três dias. Ótimo instrumento de controle social, amparado numa pseudo
liberalização dos costumes e práticas sexuais, até pelo menos a quarta-feira de
cinzas, quando sobrevém o sentimento de culpa e castigo pelos excessos
cometidos durante a farra.
Contudo,
mais rico de consequência para essa antropologia do carnaval é, sem dúvida, a
sua transformação perversa numa vantagem comparativa destinada a vender, com
glamour e facilidades, nossas cidades, praias, costumes, nossas mulheres e a
nossa própria identidade cultural aos cidadãos-consumidores do mundo inteiro,
através de vídeos, DVDs, CDs e pacotes turísticos oferecidos pelas agências
de viagem. Esta mercantilização extrema do folia é grave, primeiro pela
destruição da verve crítica, debochada, sarcástica que deveria caracteriza o
carnaval, sobretudo no que respeita às instituições dominantes: mas também
porque afasta o povo, o populacho, do palco da folia, produzindo uma espécie de
apartação carnavalesca, ao fixar áreas e zonas dintintas e intransponíveis para
o folguedo das diversas faixas sociais da população. Neste sentido, não haveria
uma alegoria mais cruel em relação aos tempos em que vivemos do que o carnaval
higienizado, estilizado, caro e segregado, promovido pelas secretarias de
turismo, como aquele que se faz em
certos pólos de animação cultural da cidade do Recife e do Estado de
Pernambuco. Esse carnaval é a máscara mortuária do
verdadeiro carnaval e antecipa, para a grande maioria da população, a
quarta-feira de Cinzas ou uma condenação
eterna, que ela tem de carregar, para outros se divertirem o ano inteiro.
Michel Zaidan Filho é filósofo, historiador, cientista político, professor titular da Universidade Federal de Pernambuco e coordenador do Núcleo de Estudos Eleitorais, Partidários e da Democracia - NEEPD-UFPE
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