Fernando Morais: Página no Facebook censurada por escrever “quem apóia o golpe é golpista”
02 de setembro de 2016 às 10h08


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por Silvio Caccia Bava | ||
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A percepção pela população da crise política de representação se torna cada vez mais ampla. As vaias olímpicas dirigidas ao presidente interino mostram que mesmo aqueles que se insurgiram contra a corrupção no governo Dilma se deram conta de que os encontros de Eduardo Cunha e Michel Temer continuam e não têm nada de republicano ou democrático, pois tramam o golpe e a anistia para si e para seus pares. Michel Temer é refém de Cunha, que ameaça levar todo o núcleo do governo para o inferno se abrir a boca, incluindo o presidente interino. A pressa de Temer para concluir o impeachment tem a ver com as imunidades que ele adquire se se efetivar na Presidência. É triste, é lamentável, mas a elite brasileira, ao comprar a eleição e formar bancadas no Congresso para garantir seus interesses, elegeu a pior escória da política nacional. A democracia brasileira foi tomada de assalto por oportunistas que querem vender o mais caro possível seu voto. Para quem pagar mais. Os partidos políticos, enquanto portadores de projetos de sociedade, não existem mais. Foram sacrificados no altar das Igrejas evangélicas e dos donos do mercado. Poucos sabem que 38% do Congresso é formado por evangélicos que votam conforme o interesse de sua Igreja. E que 70% do Congresso obedece aos interesses das grandes corporações (bancadas dos bancos, do agronegócio, da bala etc.). Afinal, esses atores do golpe investiram grande parte dos R$ 5,1 bilhões gastos na eleição de 2014. Agora temos o governo Temer. Aprovada a destituição da presidenta pelo Senado, acaba o período de contemporizações. Os que bancaram o golpe cobram sua fatura: o ajuste. Não é toda a sociedade que vai pagar o pato, isto é, esse ajuste. São os trabalhadores e seus familiares, são todos os que vivem de seu próprio trabalho, incluindo as classes médias. Não se toca em um tostão dos mais ricos, que continuam recebendo o lucro de seus negócios sem pagar nada de imposto por isso. Desde 1997, lucros e dividendos deixaram de pagar imposto de renda no Brasil. Foi o governo de Fernando Henrique Cardoso que tomou essa decisão. Nenhuma grande economia mundial abriu mão de cobrar impostos sobre o lucro e os dividendos das empresas. Nos Estados Unidos, esse imposto é de 35%. Se tivéssemos esses recursos, muitos dos problemas da crise poderiam ter sido debelados. Os direitos sociais consolidados na CLT, nas políticas da Seguridade Social, nas aposentadorias, nos reajustes, na saúde e na educação serão drasticamente reduzidos. É o propósito da PEC n. 241, que está para ser aprovada no Congresso e torna o Estado mínimo, impondo um teto para o gasto público, uma regra para valer para os cinco próximos governos! Se tomarmos a saúde como exemplo, a proposta da PEC pretende cortar algo como 70% da verba para a área num período de dez anos. É também o fim de um período em que o Brasil teve uma projeção internacional e se articulou com blocos de países para buscar novas relações comerciais e criar na geopolítica mundial um mundo multipolar, capaz de enfrentar as pressões e os interesses norte-americanos. Essa política acabou. Seremos mais uma vez o quintal dos Estados Unidos. Para os que defendem a democracia e os direitos sociais, é uma vergonha o que se observa no Brasil. É um retrocesso enorme nos direitos que antes eram assegurados pela Constituição de 1988. É o fim do período democrático que se abriu em 1985. E não sabemos a natureza do regime autoritário que se inicia com o golpe.
Silvio Caccia Bava
Diretor e editor-chefe do Le Monde Diplomatique Brasil |
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Quem são os articuladores desse golpe em vigência? São homens brancos, ricos, violentos e vorazes, os quais se explicitaram como estruturantes do patriarcado brasileiro, que une gênero, raça e classe
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por Eleonora Menicucci |
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![]() Na vigência de um golpe patriarcal, machista, sexista, capitalista, fundamentalista, midiático e parlamentar, que retirou da Presidência da República a primeira mulher eleita e reeleita com mais de 54 milhões de votos, como ficam os direitos conquistados e a cidadania das mulheres? Quem são os articuladores desse golpe em vigência? São homens brancos, ricos, violentos e vorazes, os quais se explicitaram como estruturantes do patriarcado brasileiro, que une gênero, raça e classe. Desmontam as políticas sociais que sustentam a vida cotidiana, eliminam direitos civis, sociais e trabalhistas que garantem a cidadania e privatizam com a maior velocidade já vista todos os bens públicos. A relação entre o patriarcado e o ultraliberalismo econômico se mostra com muito vigor no atual contexto golpista fascista, explicitado pelo fundamentalismo do Congresso Nacional, em especial da Câmara dos Deputados. Um retrospecto na linha do tempo do golpe, que teve início com as manifestações de 2013, deixa claro que o capital, que rege os envolvidos e a Fiesp, aproveitou e financiou as manifestações de direita, conhecidas como dos “coxinh@s”. A marca do tempo se deu com a violência sexual explícita contra a presidenta na abertura da Copa do Mundo em 2014, quando a mandaram “tomar no cu”. O governo da presidenta Dilma priorizou a autonomia das mulheres, garantindo o viver numa sociedade onde cada pessoa exerça o direito de ir e vir sem se expor a nenhum tipo de violência, discriminação e preconceito. Assim, combatemos com firmeza a cultura patriarcal da violência e do estupro com o Programa Mulher, Viver sem Violência, uma das exigências da Lei Maria da Penha, e com a Lei do Feminicídio, que tornou crime hediondo o estupro e alterou no Código Penal a tipificação da morte de mulher por sua condição de mulher como feminicídio, e não homicídio. As mulheres estão em alerta e em luta contra os retrocessos nas políticas do governo golpista: transformar a Secretaria de Políticas para as Mulheres em “puxadinho” no Ministério da Justiça e criar um departamento de mulheres na Polícia Federal significa voltar às trevas dos anos 1970, quando todas as ações para o enfrentamento da violência contra as mulheres eram tratadas como caso de polícia. Veio, depois, a nomeação para a Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres de uma pessoa que, além de envolvida em esquema de corrupção, declarou ser contra o aborto nos casos legais. Idade das trevas, fundamentalista, em que opinião e religião interferem na gestão das políticas. E para onde vão as mulheres estupradas, violentadas e massacradas. Na resistência contra a efetivação do golpe, as mulheres têm assumido um protagonismo fundamental. Estão nas ruas, nas cidades, no campo, na floresta e em todos os lugares, porque sabem o que significou ter direito de ir e vir, acesso a oportunidades e cidadania. Sabemos que nossa democracia pode ser transformada num sistema fascista, no qual se rompem os direitos, com a imposição da cultura do medo decorrente do fato de rasgarem a Constituição. Estamos em um confronto incontornável com o patriarcado para resgatar o mandato da presidenta Dilma, com a afirmação de uma agenda política e social voltada para a superação das desigualdades sociais e garantias de todos os direitos individuais, civis, sociais, econômicos, culturais. Eu e minha geração, que vivemos o golpe de 1964, conhecemos as barbaridades sofridas pelas torturas e sabemos que o golpe de hoje se apresenta como muito perigoso por sua forma dissimulada e fascista: entrando o dia inteiro na casa das pessoas pelas TVs com informações seletivas e distorcidas.
Eleonora Menicucci
Eleonora Menicucci é ex-ministra da Secretaria de Políticas para as Mulheres do governo da presidenta Dilma Rousseff e professora titular de Saúde Coletiva da UnifespIlustração: Renato Aroeira |