pub-5238575981085443 CONTEXTO POLÍTICO. : Resenha: Eu vim aqui para ser louco.
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sexta-feira, 23 de maio de 2025

Resenha: Eu vim aqui para ser louco.



Precisamente em 3 de junho de 2024 foi comemorado o centenário da morte do escritor tcheco Franz Kafka. O escritor que denunciou a angústia humana morreu angustiado, sem poder se alimentar, vítima de uma tuberculose na garganta. Kafka embalou as nossas leituras ainda na adolescência. Era a primeira stand para a qual nos dirigíamos quando chegávamos à antiga Livro 7, livraria localizada na 7 de setembro, aqui no Recife, que possuía um espaço exclusivamente dedicado ao escritor. Em nossa modesta biblioteca temos um bom acervo dedicado ao artista da fome, ainda constituído desde este período. Algumas dessas obras são raras, hoje quase impossível de ser encontrada até em sebos tradicionais. 

Até recentemente foram lançados os três volumes de uma biografia sobre o autor de O Processo, escrita pelo filósofo alemão Reiner Stach. Reiner é um dos maiores especialistas em Kafka, mas se perde na tentativa de encontrar elementos novos à biografia do autor de A Metamorfose. Nada que Max Brod, amigo e confidente deste os tempos em que estudavam direito juntos, já não tenha antecipado. Pouca gente enfatiza isso, mas Max Brod foi um grande escritor, porém eclipsado pelo biografado. Max Brod ficaria mais conhecido como aquele que permitiu que o mundo conhecesse a obra do escritor tcheco.  

É incrível como há estudos sobre Kafka, mesmo diante de uma obra repleta de inconclusões. Há uma grande polêmica em torno desta dispersão de sua escrita, mas não seria este o momento de adentrarmos neste assunto. Até O Processo, um dos seus textos mais exaltado, é um livro composto pela junção de artigos que, em tese, consegue atingir a unidade tão somente por um grande esforço do autor e, naturalmente, a tolerância dos seus leitores. Outro dia ficamos impressionados com a grande atenção dada pelos ensaístas marxista brasileiro a Kafka, inclusive o maior entre eles, Carlos Nelson Coutinho. 
Possivelmente já comentamos isto por aqui em outros momentos.  

Há uma grande curiosidade sobre quais teriam sido os escritores que poderiam ter exercido alguma influência sobre Franz Kafka. Depois, claro, da relação dele com o pai e a namorada Milena, cujas cartas mereceram recentemente um compêndio de páginas de gente ligada à psicanálise. Para aqueles que gostam da literatura de Kafka e pretendem explorar o universo da angustia humana, também recomendaríamos  o escritor norueguês Knut Hamsun, autor de A Fome. Mas já antecipo que é preciso ter muito estômago para ler A Fome. Para aqueles que desejam saber o que Kafka tinha na estante - e lia, naturalmente - Robert Walser, autor de O Ajudante, único texto do autor traduzido para o português. 

Walser era uma espécie de escritor para escritores. Explorou vários gêneros e se saiu bem em todos. Há uma história interessante sobre Walser, que eventualmente exploramos em alguns de nossos textos. Olsen foi internado, contra a sua vontade, num hospital para tratamento de distúrbios mentais. Em protesto, parou de escrever. Melhor que o tivessem deixado em paz. Não seria improvável que tal condição de saúde de Walser tenha instigado Kafka a se aproximar de seus textos. As pessoas do hospital que sabiam que ele escrevia - e bem - e costumavam perguntar porque ele havia parado de escrever,  ele respondia: Eu vim aqui para ser louco. O mesmo título com o qual nomeamos este livro de crônicas. 

Crônicas sobre literatura, para sermos mais precisos. A ideia surgiu quando líamos um texto do escritor alagoano, Graciliano Ramos, ainda no início de sua carreira, quando ele escrevia crônicas para os jornais do estado. Graciliano costumava analisar livros recém-lançados, sugerindo queimar uma gordura aqui e ali, evitar tantos adjetivos, afinando o violino da escrita dos iniciantes. Era um livro que ele jamais aprovaria a sua publicação, exigente como ele era. Nunca ficou satisfeito com o resultado do seu primeiro romance, Caetés, mesmo depois dos elogios do crítico Antonio Candido. Foi educado com Antonio Candido, mas disse que mantinha suas reservas em relação ao texto. 

O livro faz uma viagem pela Paris de Ernest Hemingway e, naturalmente por Praga. Assim como todo escritor que se preze, Kafka escrevia nu e morava numa casa bem próxima ao centro de Praga. Há uma estátua em sua homenagem na cidade que nem os comunistas ousaram derrubá-la por ocasião da Primavera de Praga. Algumas dessas crônicas, por outro lado, fazem referência a situações vividas por escritores brasileiros, no seu cotidiano, quando, por exemplo, Graciliano Ramos resolve reprovar o texto de Sagarana, de Guimarães Rosa, e prestigiar o pernambucano Osman Lins, indicando-o vencedor daquele certame, possivelmente, o primeiro concurso literário de vulto do país, organizado pelo editora José Olympio. O alagoano ficou com a consciência pesada.  

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