Numa daquelas tardes enfadonhas de repartições públicas, adentrou à nossa sala um companheiro de trabalho. Exultante, ele nos relatou que havia vencido um concurso literário com um livro de literatura infanto-juvenil. Cumprimentei-o pela premiação, mas nada muito além disso. Ele, aliás, modestamente, preferia ser conhecido por outras áreas de conhecimento com as quais se identificava melhor, num arranjo que o filósofo francês Michel Foucault talvez classificasse como lugar de sujeito. Alguns anos depois, lendo e pesquisando bastante sobre literatura deste gênero, constatamos que o companheiro trabalho possuía uma expressiva produção literária sobre o assunto, merecedor de um reconhecimento institucional maior dentro e fora da repartição. Osman Lins também enfrentou situação semelhante. Era um excelente escritor que, para o banco onde trabalhava, não passava de um simples escriturário. Já consagrado nacionalmente, alguns anos depois o banco o convidaria para uma exposição, talvez com o propósito de reparar o equívoco. Ele se recusou.
Ele já havia falecido e nós já não tivemos a oportunidade de nos redimir em razão da pouca atenção com uma pessoa que poderia, inclusive, nos fornecer elementos importantes sobre este gênero literário. Sujeito bom, afável, de trânsito fácil, possivelmente sensível a um pleito desta natureza. Infelizmente, penso que não apenas eu não conhecia esta capacidade do rapaz. São vários livros publicados sobre literatura infantil. Há alguns anos escrevemos no nosso primeiro conto infantil. Confessamos nossas dificuldades até hoje com este gênero literário, o que não deve ser um sentimento apenas deste escriba. Conto é um gênero difícil, suscitando até hoje muitas teorias sobre o assunto.
Quanto mais o estudamos, mais dúvidas aparecem. Finalmente saiu o Severino Bucho-Azul, selecionado num concurso do gênero, o que nos deixou com a certeza, ao menos, de termos cumprido os requisitos. Depois, resolvemos transformar o conto num texto de literatura infanto-juvenil, onde pudéssemos repassar para um público maior a história de Severino Bucho-Azul, um cidadão que alimentava o imaginário fértil do pessoal da vila onde morávamos, em virtude de ser o principal suspeito de virar lobisomem nas noites de lua cheia. Embora no passado tenha integrado o temido grupo de milicianos mantidos pela companhia, Severino, aposentado, morava nos arrabaldes da vila, num enorme sítio, repletos de pés de cajueiros, mangas rosas e espadas, o que atraia os meninos do local, independentemente da suspeita que pesava sobre ele.
Vestia inseparavelmente uma camisa, em qualquer situação do dia, com o propósito de esconder uma enorme cicatriz no abdômen, como resultado de um atentado que quase o levou a óbito. As pessoas da vila relatavam vários episódios que comprovavam a sua existência, assim como as atrocidades por ele cometidas. Em noites de lua cheia a vila era tomada por um verdadeiro pavor entre os moradores. Parte dessa narrativa também se encontra no nosso primeiro romance, Menino de Vila Operária, onde relatamos a formação de um grupo de caça ao sujeito, formado por corajosos peladeiros do local. Em breve no nosso perfil da plataforma Amazon. Pré-vendas pelo Zap 81986844557.
Nenhum comentário:
Postar um comentário