A demarcação das áreas indígenas está expressamente prevista na
Constituição e já foram há muito tempo estabelecidas as regras legais
que devem ser observadas para esse fim.
A demarcação é extremamente importante para a efetivação da garantia dos
direitos decorrentes da ocupação tradicional das terras pelos índios.
Ela foi determinada pela Constituição de 1988, no artigo 67, no qual se
diz que "a União concluirá a demarcação das terras indígenas no prazo de
cinco anos a partir da promulgação da Constituição". E pelo artigo 20,
inciso XI, ficou estabelecido que são bens da União "as terras
tradicionalmente ocupadas pelos índios".
Assim, pois, considerando que a demarcação das áreas federais é função
de caráter administrativo, inerente, portanto, às atribuições do Poder
Executivo, é este que tem o poder e o dever de proceder à demarcação das
áreas indígenas.
O procedimento para demarcação das áreas indígenas foi expressamente
regulado pelo decreto nº 1.175 de 1996, não havendo necessidade de
modificação dos critérios ali estabelecidos. Talvez sejam convenientes
algumas mudanças sugeridas pela experiência, mas as atribuições
fundamentais das demarcações devem ser mantidas, concentrando-se na
Fundação Nacional do Índio (Funai) o comando dos processos
demarcatórios.
São absurdas e contrárias à Constituição algumas tentativas de entregar a
demarcação a órgãos constitucionalmente incompetentes e a outros
absolutamente despreparados para a demarcação honesta.
Assim, por exemplo, está em curso no Congresso Nacional uma proposta de
emenda constitucional, a PEC 215, que, contrariando a Constituição e com
evidente má-fé, pretende transferir para o Legislativo a função de
demarcar as áreas indígenas.
É evidente o absurdo dessa proposição: um órgão do Poder Legislativo
teria a incumbência de executar uma tarefa que é, obviamente, de
natureza administrativa e que, evidentemente, está incluída nos encargos
que a Constituição atribuiu ao Poder Executivo.
A par disso, assinale-se que a demarcação é um procedimento técnico, que
no tocante às áreas indígenas exige conhecimentos especializados e, em
alguns casos, equipamento tecnológico sofisticado.
Com efeito, a par das dificuldades que muitas vezes são encontradas por
causa das peculiaridades dos locais a serem percorridos pelos
demarcadores, existe a necessidade de conhecimentos especializados sobre
os índios.
Diz a Constituição, no artigo 231, parágrafo 1º, que os índios ocuparão
as terras para vários fins, incluindo as atividades produtivas e as
imprescindíveis à preservação dos recursos ambientais necessários à
reprodução física e cultural da comunidade indígena, "segundo seus usos,
costumes e tradições".
Com base nessas diretrizes, é feito, primeiro, o reconhecimento da
ocupação da área pelos índios, o que implica, entre outros aspectos, a
constatação dos limites da ocupação. Em seguida, com fundamento nesses
dados, é feita a demarcação.
Assim, pois, é inaceitável a pretensão de entregar a demarcação ao Poder
Legislativo ou a órgãos do Executivo absolutamente despreparados, que
não têm familiaridade com as peculiaridades e tradições das comunidades
indígenas e suas formas de ocupação das terras para satisfação de suas
necessidades.
Não existe qualquer motivo sério e respeitável para tirar da Funai um
encargo que é inerente às razões de sua existência, sob o pretexto de
melhorar a regulamentação. O que falta é dar à Funai os recursos
necessários para que ela possa cumprir sua tarefa. E nada impede que os
legítimos interessados participem do processo de demarcação, que é
público e aberto a colaborações de boa-fé e bem fundamentadas.
DALMO DE ABREU DALLARI, 81, é professor emérito da Faculdade de Direito da USP
(Folha Opinião)
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