Estava escrevendo o presente artigo quando li labor semelhante da
lavra do culto e dileto amigo Pedro Dutra, inserto no “Jornal O Globo”,
sob o título “A Nova Cozinha Brasileira”. Confesso que de pronto me
predispus a abortar a minha escrita, ante a excelência dos trabalhos do
ilustre advogado. Entretanto, me aprofundando na leitura, percebi que o
conteúdo da minha inspiração era diverso e abrangia outros aspectos
sobre o tema em estudo. O erudito causídico, em abreviada síntese
histórica, de forma singular, citando San Tiago Dantas, obtempera como
fora introduzida entre nós a Consolidação das Leis do Trabalho, calcada
que fora na “Carta del Lavoro” italiana, ao passo que a minha fala volta
sua ótica para a importância da regulamentação da matéria em comento,
embora, admite-se, enalteça o inquestionável avanço isonômico da Emenda
Constitucional 72, que instituiu livro de ponto, 44 horas semanais de
trabalho doméstico, intervalo para almoço e descanso, contrato
padronizado de trabalho, que a tanto equivale a acordo coletivo, hora
extra, fundo de garantia, multa fundiária de 40% em razão de dispensa
sem justa causa, como também seguro desemprego.
Registre-se que embora tardio o novo regramento, muita vez, no afã
salutar de legislar da melhor forma possível, se criam normas que, na
prática, podem inviabilizar, seja para os empregados, seja para o
empregador, a aplicação da legislação em testilha, tendo em vista as
características do trabalho doméstico, de molde a impedir que “o tiro
saia pela culatra”.
É bem de ver que muitas famílias vivem do rendimento do trabalho
doméstico, daí por que se deve buscar o melhor entendimento nessa
relação trabalhista, a fim de se evitar dispensas açodadas (estima-se
que, na primeira hora, possam ocorrer cerca de aproximadamente 1 milhão
de demissões de empregados domésticos). Na primeira hora ouviu-se dizer:
vou trocar minha empregada doméstica por 3 diaristas diferentes, assim
consigo burlar a lei.
Ledo engano!
Ora, há de ser considerada a questão da confiança recíproca entre os
envolvidos, o conhecimento dos costumes de ambas as partes,
circunstâncias essas que advêm com o tempo, razão pela qual não podem
ser, de uma hora para outra, sob esse pífio argumento, jogadas pela
janela. Ademais, o empregado doméstico possui características diferentes
do trabalhador comum, no sentido de que, não raro, dorme no seu
trabalho, não tem gastos e tampouco estresse com transporte que o conduz
ao seu serviço (greves, manifestações, atraso do transporte coletivo
etc), alimenta-se, por vezes, gratuitamente da mesma maneira, ou seja,
sem desgaste físico ou mental, assiste televisão, escuta rádio, enquanto
exerce seu mister etc.
Não é descabido dizer que o serviço doméstico é um trabalho sui
generis e, como tal, deve ser tratado, a ponto de que com o passar o
tempo, o trabalhador doméstico é tratado como se fosse da família do
empregador.
Assim, o bom senso indica que a Casa de Leis, no caso o Congresso
Nacional, sugira medidas que possam viabilizar o trabalho doméstico e
não emperrá-lo. Nesse passo, seria de bom alvitre a criação de banco de
horas, regime especial para cuidadores de idosos, recém-nascidos e
infantes. De outro lado, seria recomendável que a Justiça laboral, ao
interpretar a lei, admitisse que em processos que tais, patrões e
empregados, possam firmar acordos individuais, que se traduzem em
verdadeira vontade das partes. A uma para que o empregado, não perca o
seu emprego; a duas, para que o patrão, muitas vezes um operário de
parco recurso, não fique sem o empregado, em razão da ausência de alguém
que cuide da prole daquele.
Ponto finalizando, ressalte-se a necessidade que se encontre um
consenso no que tange ao percentual sobre a multa do Fundo de Garantia,
bem como o “quantum” da contribuição do empregador ao Instituto Nacional
de Seguro Social, vulgarmente chamado INSS (Brasil país das siglas),
que hoje é de 12%, encontrando-se patamar adequado para tal
contribuição, porquanto as famílias não se consubstanciam em pessoa
física ou jurídica com fins lucrativos. Poder-se-ia pensar, através de
uma sugestão mais ousada, destinada para arraia miúda, que precisa do
empregado doméstico por imperiosa necessidade, a possibilidade de
descontos desses encargos no imposto sobre a renda. Se assim não for,
forçoso convir que se corre o risco de colocar muito dendê no tempero da
cozinha, cuja a consequência funesta, como é cediço, para alguns, será
inevitável.
JOSÉ CARLOS G. XAVIER DE AQUINO É DESEMBARGADOR DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE SÃO PAULO
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