O movimento de caráter semi-insurrecional que vemos no país de hoje exige uma reflexão cuidadosa.
Começou como uma luta justíssima pela redução de tarifas de ônibus.
Auxiliada pela postura irredutível das autoridades e pela
brutalidade policial, esta mobilização transformou-se numa luta nacional
pela democracia.
Se a redução da tarifa foi vitoriosa, a defesa dos direitos
democráticos também deu resultado na medida em que o Estado deixou de
empregar a violência como método preferencial para impor suas políticas.
Mas hoje a mobilização assumiu outra fisionomia.
Seu traços anti-democráticos acentuados. Até o MPL, entidade que
havia organizado o movimento em sua primeira fase, decidiu retirar-se
das mobilizações.
Os manifestantes combatem os partidos políticos, que são a forma mais democrática de participação no Estado.
Seu argumento é típico do fascismo: “povo unido não precisa de partido.”
Claro que precisa. Não há saída na sociedade moderna. Às vezes, uma
pessoa escolhe entrar num partido. Outras vezes, é massa de manobra e
nem sabe.
A criação de partidos políticos é a forma democrática de uma
sociedade debater e negociar interesses diferentes, que não nascem na
política, como se tenta acreditar, mas da própria vida social, das
classes sociais.
Em São Paulo, em Brasília, os protestos exibiram faixa com caráter golpista.
“Chega de políticos incompetentes!!! Intervenção Militar Já!!!”
No mesmo movimento, militantes de esquerda, com bandeiras de
esquerda, foram forçados a deixar uma passeata na porrada. Uma bandeira
do movimento negro foi rasgada.
A baderna cumpre um papel essencial na conjuntura atual. Reforça a
sensação de desordem, cria o ambiente favorável a medidas de força – tão
convenientes para quem tem precisa desgastar de qualquer maneira um
bloco político que ocupa o Planalto após três eleições consecutivas.
A baderna é uma provocação que procura emparedar o governo Dilma criando uma situação sem saída.
Se reprime, é autoritária. Se cruza os braços, é omissa.
Outro efeito é embaralhar a situação política do país, confundir quem fala pela maioria e quem apenas pretende representá-la.
É bom recordar que a maioria escolhe seu governo pelo voto, o critério mais democrático que existe.
Nenhum brasileiro chegou perto do paraíso e todos nós temos reivindicações legítimas que precisam de uma resposta.
Também sabemos das mazelas de um sistema político criado para
defender a ordem vigente – e que, com muita dificuldade, através de
brechas sempre estreitas, criou benefícios para a maioria.
Olhando para a maioria dos brasileiros, aqueles que foram excluídos
da história ao longo de séculos, cabe perguntar, porém: os políticos
atuais são incompetentes para quem, mascarados?
Para a empregada doméstica, que emancipou-se das últimas heranças da escravidão?
Para 40 milhões que recebem o bolsa-família?
Para os milhões de jovens pobres que nunca puderam entrar numa faculdade? Para os negros? Quem vive do mínimo?
Ou para quem vai ao mercado de trabalho e encontra um índice de desemprego invejado no resto do mundo?
Mascarados que arrebentam vidraças, incendeiam ônibus e invadem
edifícios trabalham contra a ordem democrática, onde os partidos são
legítimos, as pessoas têm direitos iguais – e o poder, que emana do
povo, não se resolve na arruaça, pelo sangue, mas pelo voto.
É óbvio que a baderna, em sua fase atual, não quer objetivos claros
nem reivindicações específicas. Não quer negociações, não quer o
funcionamento da democracia. Quer travá-la.
Enquanto não avançar pela violência direta, fará o possível para
criar pedidos difusos, que não sejam possíveis de avaliar nem responder.
O objetivo é manter a raiva, a febre, a multidão eletrizada.
É delírio enxergar o que está acontecendo no país como um conflito
entre direita e esquerda. É uma luta muito maior, como aprenderam todas
as pessoas que vivenciaram e estudaram as trevas de uma ditadura.
A questão colocada é a defesa da democracia, este regime
insubstituível para a criação do bem-estar social e do progresso
econômico.
O conflito é este: democracia ou fascismo. Não há alternativa no horizonte.
Quem não perceber isso está condenado a travar a luta errada, com métodos errados e chegar a um desfecho errado.
(Paulo Moreira, editor de IstoÉ)
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