Padre Ton: Para o índio é pena de morte, para o capitalista, roda da fortuna
publicado em 4 de junho de 2013 às 17:01
por Padre Ton, especial para o Viomundo
O índio é outsider. Seu mundo não é a aplicação cotidiana
das regras de convivência do capitalismo, sistema em que tudo tem preço:
pagou leva, não pagou nada tem.
O modo de viver, sentir e pensar de um índio está visceralmente
ligado à natureza: tudo o que precisa está na floresta, na terra
generosa capaz de suprir necessidades. É da natureza que o índio retira o
alimento, agasalho e moradia.
Essa cultura da sabedoria e felicidade da sobrevivência praticada por
meio da simplicidade de costumes e tradições centenárias tem merecido
agressão sistemática e preconceito nos tempos em que tudo é mercadoria.
Para o capitalismo, é inaceitável um modo de vida em que se acessa um
bem sem ter de pagar por ele.
Mesmo que os recursos naturais, dizimados por força de grandes
projetos capitalistas, venham secularmente sendo protegidos pelas mais
de 300 etnias indígenas do Brasil, uma garantia de que toda a sociedade
possa deles usufruir, por decisão da União.
Esses recursos não são reserva a serviço de grandes fazendeiros e
proprietários do agronegócio, como em Mato Grosso do Sul, que avançaram
sobre terras dos povos indígenas da região. Vale dizer que não apenas
eles, como demonstra o Relatório Figueiredo, produzido na Ditadura.
Impossível convencer graúdos e empedernidos homens de negócio de que
as sociedades indígenas são regidas de outra maneira, o que deve ser
respeitado. Está em nossa Constituição, no artigo 231: São reconhecidos
aos índios sua organização social, costumes, línguas, crenças e
tradições, e os direitos originários sobre as terras que
tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las, proteger e
fazer respeitar todos os seus bens.
Um empresário de peso da soja, da cana-de-açúcar e do gado que
contribui para fazer de Mato Grosso do Sul campo permanente de guerra,
contratando pistoleiros para eliminar lideranças, mulheres, crianças e
jovens indígenas, comete o crime impunemente. E, mais do que isso,
lança o Brasil num embaraço internacional que se aproxima a galope, a
julgar pelo rumo dos acontecimentos.
De outro lado, as forças policiais se preocupam mais com a proteção
das propriedades em detrimento da segurança com as vidas envolvidas, e
nem ao menos querem registrar ocorrências de agressão e morte feitas
pelos indígenas. Testemunhei isso quando estive em Dourados, em missão
da Câmara dos Deputados.
O assassinato do Terena Oziel Gabriel, de 35 anos, no feriado de
Corpus Christi, e os sucessivos desdobramentos da malfadada ação
policial na fazenda Buriti, em Sidrolândia (MS), não irão arrefecer a
resistência indígena, que há pelo menos dois anos indica ao governo a
radicalidade de ações em razão da radicalidade da inércia, morosidade e
omissão sobre litígios cruciais atinentes à demarcação de áreas no
Estado.
Os povos indígenas de Mato Grosso do Sul não confiam mais no Estado
brasileiro. Há mais de dois anos pedem audiência com a presidente Dilma
Rousseff, lamentavelmente dada a preferência de encontros constantes e
cada vez mais amigáveis apenas com setores do agronegócio.
Sucessivas cartas e documentos reclamam do tratamento dispensad, e
registram descrença absoluta nas instituições públicas. A Frente
Parlamentar de Apoio aos Povos Indígenas fez inúmeros apelos à
Presidente, em vão.
Da Justiça, a punhalada tem sido bem dolorida e criminosa, em razão
da enorme morosidade: juízes federais embargam a simples intenção da
Funai de realizar estudo técnico qualificado a respeito de área possível
de demarcação, e farta literatura comprova que agem incondicionalmente,
com as exceções de praxe, a favor do capital.
Como agora, por exemplo, em que o juiz decidiu anular nesta
segunda-feira (3) a liminar que dava 48 horas para a retirada dos índios
Terena da fazenda Buriti. Anulou porque descobriu não ter chamado a
Funai e a União para audiência como determina o Estatuto do Índio.
O processo das terras reivindicadas pelos Terena, reconhecidas pela
Funai, chegou ao STF depois de 13 anos de tramitação e ao alcançar a
mais alta instância do Judiciário, com aprovação em plenário, com laudos
e fartas provas, retornou à Justiça de Mato Grosso do Sul para novas
perícias.
Por causa do determinismo de que a engrenagem capitalista é a única
que deve interessar ao Brasil, inclusive às sociedades plurais
existentes, em Mato Grosso do Sul a pena de morte é lei, impingida à
numerosa família Guarani Kaiowá, aos Terena e outros povos, enquanto
para os que se apropriaram de seus territórios com aval do Estado
prevalece a roda da fortuna: ganham cada vez mais, têm crescimento
financeiro e patrimonial, acesso a crédito das instituições financeiras
federais e suporte político para deslegitimar e desqualificar os
direitos indígenas.
Se os poderes da República não fizerem um pacto pela solução das
demarcações litigiosas pendentes em Mato Grosso do Sul, considerando
devidas indenizações e tolerância zero para a morosidade no julgamento
de demandas judiciais, o Brasil em breve se enredará talvez na maior
crise de direitos humanos da sua história.
Em tempo: a Funai acuada só colabora para manter a incúria que
resulta em longo e penoso processo de humilhações, sofrimento, violação
de direitos e genocídio dos povos indígenas de Mato Grosso do Sul.
Padre Ton é deputado federal pelo PT de Rondônia e coordenador da Frente Parlamentar de Apoio aos Povos Indígenas
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