pub-5238575981085443 CONTEXTO POLÍTICO. : Crônicas do cotidiano: Um comunista em Ouro Preto
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sábado, 24 de outubro de 2015

Crônicas do cotidiano: Um comunista em Ouro Preto




José Luiz Gomes

A crise financeira parece ter se instaurado de vez nas instituições federais de ensino superior. Só se fala em cortes de despesas, restrições de viagens, atraso do pagamento dos terceirizados e coisas do gênero. Outro dia li, nas redes sociais, na timiline do professor Durval Muniz Jr​, um apelo aos alun@s para ajudá-lo a viabilizar um curso que será ministrado por ele na Universidade Federal de Pernambuco, sobre o pensamento do filósofo francês, Michel Foucault, no qual ele é um dos nomes mais respeitados na academia brasileira sobre o assunto. Durval informava que os recursos oferecidos pela UFPE mal davam para cobrir as despesas correntes. 

Solicitava que uma alma caridosa pudesse apanhá-lo, de madrugada, no Aeroporto Internacional dos Guararapes e, se alguém morasse em Boa Viagem e fosse fazer o curso, que se propusesse a oferecer-lhes alguma carona. Espero que o professor tenha equacionado o problema. Pelo menos no nosso compartilhamento, não apareceu nenhuma dessas alma caridosa. Há alguns anos atrás, ainda no Governo Lula, o quadro era muito distinto nas Universidades Federais. Era o tempo das vacas gordas, com verbas suficientes para tudo; ofertas de bolsas de pós-graduação; expansão da rede física; créditos para a estudantada; democratização de acesso aos cursos de graduação. 

Em termos de qualificação, foi um período muito fértil para a Fundação Joaquim Nabuco. Por essa época, nos dirigimos à cidade mineira de Ouro Preto, para participarmos de um seminário e um workshop. Creio que já podemos usar o termo sem as costumeiras admoestações do escritor Ariano Suassuna, que abominava a expressão. Se tivermos que prestar contas sobre isso já será no outro plano. Foi uma viagem bastante produtiva em todos os aspectos, sobretudo porque foi concebida a partir das necessidades específicas do cotidiano dos trabalhos desenvolvidos na Instituição, ou seja, fugia àquela tendência de capacitar por capacitar, apenas para apresentar números nos relatórios. Valeu, inclusive, pela formação de "redes", algo sem a qual não se sobrevive nos dias de hoje. Ainda recebe, na minha caixa de e-mail, as mensagens dos colegas dos grupos formados durante a oficina. Que seja, Ariano! 

Era um momento festivo em Ouro Preto. Se me lembro bem, a devolução à população do Museu da Inconfidência, que havia passado por um processo recente de requalificação. Até o ministro da Cultura, Gilberto Gil, esteve presente, sem escapar das tietagens das suas inúmeras fans ali presentes. O momento também foi utilizado por uma Ong para protestar contra o descaso do patrimônio histórico naquela cidade. A viagem de Belo Horizonte a Ouro Preto é feita de ônibus, pelas famosas estradas mineiras. Já próximo a Ouro Preto, numa encosta, lá estava Itaberito. 

Em nossas aulas de Sociologia da Educação, íamos com os alun@s, checar, in loco, experiências bem-sucedidas na área de educação. Uma das melhores viagens foi para uma cidadezinha litorânea do Ceará, administrada por um padre progressista, que havia promovido uma verdadeira revolução na educação do município. Quando fizemos a proposta de conhecer as políticas públicas locais para a área de educação, ele aceitou de pronto, colocando a infra-estrutura do município à nossa disposição. Havia uma outra experiência desenvolvida em Itabirito, bastante discutida em sala de aula. Uma das coisas que mais lamentei nessa viagem a Ouro Preto, em razão da exiguidade de tempo, foi não ter dado uma passada por Itabirito. 

Priorizávamos aquelas iniciativas bem-sucedidas de enfrentamento dos "gargalos" históricos da educação brasileira, mas, eventualmente, também íamos ver de perto realidades desagradáveis, como a exploração do trabalho infantil em cidades como Santa Maria Boa Vista, no interior do Estado, onde crianças eram exploradas no processamento da castanha de caju. Ficavam afastadas da escola, perdiam as digitais dos dedos e os sonhos. Curiosamente, creio que pelos idos dos anos 80, na primeira gestão de Geraldo Mello - sim, Geraldo Mello - como prefeito de Jaboatão dos Guararapes, a correlação de forças em jogo permitiu que fossem desenvolvidos projetos interessantes na área de educação, por incrível que pareça, de inspiração nos pressupostos da educação socialista desenvolvida em Cuba. 

Telúrico e da bagaceira quando criança, uma das coisas que mais gostava era ser acordado pela "fuzarca" dos alunos, numa escola pública que ficava nas proximidades da Pousada. Batia as saudades daqueles tempos. De nossa escola primária, de Dunda, o melhor amigo, de Dona Maria José Tavares de Lima, a professora das primeiras letras. No turno da tarde, a escola recebia os adolescentes, já imbuídos de brincadeiras menos inocentes, bem traduzidas pelo Tavito: Sem querer fui me lembrar, de uma rua e seus ramalhetes, do amor anotado em bilhetes, daquelas tarde... No muro do Sacré-Coeur, De uniforme e olhar de rapina, nossos bailes no clube da esquina, quanta saudade!

Os poucos momentos de folga foram dedicados a conhecer o patrimônio barroco mineiro, seus museus, suas Igrejas, além fazer o percurso dos "inconfidentes". Tivemos alguns inconvenientes nessa viagem, como um medalhão de carne de porco degustado num restaurante em Mariana. Fui acusado, pasmem, até de racismo por degustar esse medalhão. Quem conhece a história sabe do que estamos falando. Quem não a conhece, ficará sem conhecê-la. Um outro fato curioso é que alguns transeuntes passaram a nos confundir com o hoje Ministro da Defesa, Aldo Rebelo, do PCdoB. Com as negativas, alguns insistiam que eu estava me recusando a revelar a verdadeira identidade. 

Já de volta da viagem, em solo recifense, passei a ficar mais atento à fisionomia do Aldo Rebelo. De semelhante? talvez aquelas indefectíveis entradas pronunciadoras de uma calvície, o rosto largo e aquele bigode ralo e já embranquecido. Poderia ser confundido sim. Não nos ocorre de Aldo Rebelo estar, sequer, na cidade. Vai aqui mais um alerta para esses frenesis e "ondas" coletivas. Quase me tornei ministro! Já imaginaram?

  

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