Pelos idos dos anos 40, em plena vigência do Estado Novo, o interventor Agamenon Magalhães mandava e desmandava aqui na província. Era tratado por Vargas como "o meu carrasco no Estado". Havia uma rixa entre o interventor e o intelectual Gilberto Freyre, autor do clássico Casa Grande & Senzala. Há muitas explicações para essas desavenças entre ambos, mas, queremos crer, elas podem ser explicadas por uma indisposição natural entre a oligarquia açucareira e a oligarquia algodoeira e pecuarista do Estado. Enquanto Gilberto Freyre possuía uma identidade orgânica com a aristocracia açucareira, Agamenon - natural de Serra Talhada - representava os interesses dos pecuaristas e algodoeiros do sertão pernambucano.
Pontualmente, haviam divergências específicas no que concerne ao destino dos mocambos e palafitas dos alagados do Recife;além da contraposição do sociólogo à perseguição do Estado Novo aos cultos de raiz africana. Gilberto Freyre foi preso duas vezes e ainda foi vítima de um atentado, ali na pracinha do Diário de Pernambuco. Apesar de, em uma sua biografia, alguns autores sugerirem uma espécie de gangorra ideológica - com incursões inclusive por uma Nova Esquerda - em nossa modesta opinião, Gilberto Freyre foi uma personalidade politicamente conservadora. Tanto isso é verdade que, mesmo diante das dificuldades aqui na província, sua relação com Getúlio Vargas era a melhor possível, como um frequentador assíduo do Palácio do Catete.
A partir dos anos 60, com o regime militar instaurado no país, após o golpe civil-militar de 1964, a perseguição aos intelectuais, então - e por razões óbvias - se tornariam mais intensas, com alguns deles condenados ao exílio, como Paulo Freire, Josué de Castro, para ficarmos apenas entre os pernambucanos. Havia uma explicação lógica para essa perseguição aos intelectuais, pois estávamos sob o julgo de regimes de exceções, onde as liberdades individuais ficam bastante comprometidas. O que torna-se difícil de entender é que, em 2015, a rigor, dentro de uma "normalidade democrática", intelectuais e sindicalistas estejam sendo vítimas de processos motivos por nossa autoridade maior do Executivo, o governador do Estado de Pernambuco.
Quando ocorreram as chamadas Jornadas de Junho de 2013, vários intelectuais foram chamados a se pronunciarem sobre o assunto, independentemente de suas linhagens ideológicas. A galeria é imensa, mas acompanhamos com atenção as observações de nomes como Emir Sader, Michel Zaidan, Boaventura de Sousa Santos, Francis Fukuyama, Manuel Castells, Slavoj Zizek, entre outros. E porque aparece Fukuyama nessa galeria? Porque ele é um bom termômetro do pensamento conservador. Sobre este movimento das massas, por exemplo, suas conclusões divergiam substantivamente dos demais intelectuais. Para o intelectual identificado com o stablishment americano, aquele movimento refletia, tão somente, uma reivindicação de direitos da classe média, sem qualquer questionamento à estrutura capitalista.
Em particular, sobre as observações de Zizek, uma nos chamou a atenção: ele alertava sobre um possível "endurecimento" do exercício do poder político, ou seja, o aparelho de Estado tenderia a ser mais repressor contra os movimentos sociais. Ainda nos momentos seguintes àquelas jornadas, dois Estados da Federação se destacariam no uso da força do seu aparelho repressor às manifestações de rua: Rio de Janeiro e Pernambuco. Aqui muito se falou sobre um "estado de exceção episódico". No Rio de Janeiro, pelo andar da carruagem política, a "presunção de delito" foi, definitivamente, incorporada às ações da Polícia Militar daquele Estado.
Um bom exemplo disso talvez seja a interdição imposta às camadas negras e empobrecidas da periferia de terem acesso às praias da classe média, como Copacabana. As operações da Polícia Militar, numa clara violações de direitos constitucionais, não permitem que esses jovens tenham acesso aquelas praias, naquilo que já está sendo chamado de criminalização da pobreza. Aqui na província, parece-nos que também ficaram alguns resíduos daquele período. É do conhecimento do cidadão comum que a máquina pública do Estado tem sérias dificuldades de financiamento. Está no limite da Lei de Responsabilidade Fiscal.
Embora as causas desse problema também sejam conhecidas, as autoridades públicas estaduais preferem tergiversar sobre o assunto, responsabilizando a União pelos problemas gerados aqui mesmo na província. Se eles preferem silenciar sobre o assunto, não sou eu que vou afirmar algo a esse respeito. As consequências, no entanto, serão inevitavelmente sentidas por todos nós, em nosso cotidiano. Quem utiliza transporte público; anda pelas ruas da cidade; tem filhos em escolas públicas; são socorridos nas UPAS, sabe do que estamos falando. Os problemas de atendimento das demandas da população, assim como as negativas às reivindicações dos servidores públicos são sentidos a todo momento. O governador Paulo Câmara já foi aconselhada a ouvir pessoas mais experientes antes de sair por aí processando todo mundo que critica o seu governo.
Este cidadão foi um quadro gerado na burocracia do Estado e parece mesmo ainda não ter atingido aquela timing necessário na condução dos negócios do Governo. Não tenho nenhuma simpatia pelo ex-governador e ex-prefeito do Recife, Roberto Magalhães, mas, certa vez, ele fez uma declaração no sentido de se tomar muito cuidado como os assessores que desejam ser mais reais do que o rei. Fala-se em dois processos contra o cientista político e professor titular da Universidade Federal de Pernambuco, Michel Zaidan, e, ontem tomamos conhecimento de mais um processo contra o presidente do Sindicato dos Policiais Civis do Estado, Áureo Cisneiros.
Ficamos preocupados em saber, na realidade, o que está se passando. Criticar é um direito do cidadão. O homem público deve responder às críticas com trabalho que satisfaçam as demandas do cidadão reclamante e não com processos. Contra quem será aberto um novo processo? Aqui pelo blog Vossa Excelência não irá ler algo que atente contra a sua honra, mas nós, que acompanhamos as redes sociais, estamos cansados de ouvir pessoas se pronunciarem de maneira contundente contra a sua pessoa. "Contundente", naturalmente, é um eufemismo. Vai processar todo mundo? É assim que Vossa Excelência pretende governar o Estado de Pernambuco? inibindo as pessoas através desses expedientes? Não há mais ninguém de bom senso no Palácio do Campo das Princesas, que tenha a coragem de alertá-lo sobre este equívoco?
No artigo escrito pelo professor Michel Zaidan não há ofensas pessoais à sua honra, governador. As questões comentados no artigo, aliás, foram produzidas por outras fontes, publicadas em jornais e gravadas em depoimentos de CPIs. A população brasileira - em particular a pernambucana - merece uma explicação sim - inclusive ou sobretudo das autoridades públicas - sobre o rumoroso caso da aeronave que transportava o ex-governador do Estado, Eduardo Campos. Quem, afinal, era o legítimo proprietário daquela aeronave? Por acaso é crime o cidadão que paga seus impostos cobrar das autoridades públicas uma explicação sobre isso?
A Polícia Federal, através da Operação Fair Play, informou que havia uma verdadeira quadrilha operando nas transações envolvendo a construção da Arena da Copa, responsável pelo desvio de 42 milhões de reais. Em que mãos foram parar esse dinheiro? Nós, pernambucanos, gostaríamos de saber. Foram agentes privados ou agentes públicos que se locupletaram desses desvios? Concretamente, o que se sabe, é que, ainda quando o ex-governador Eduardo Campos era vivo, até dinheiro de programas como o Chapéu de Palha foram contingenciados para honrar compromissos com a tal construtora que ficou responsável pela obra, numa evidente demonstração de inversão de prioridades.
Mais uma vez, governador, pedimos que tome muito cuidado com alguns desses conselheiros. Essas cobras foram muito bem criadas; possuem ambições desmedidas; são rancorosas e, não raro, não suportam reveses. O senhor é um quadro técnico, da burocracia. Poderá deixar o Palácio do Campo das Princesas como o governador que mais processou o cidadão comum. Não sei se Vossa Excelência já tomou gosto pela política, se pretende outros voos depois de encerrar o seu mandato como governador do Estado. Não sei. Sei, entretanto, que esses recordes não seriam uma boa marca para a sua imagem de homem público. Pay attention!, como costumava repetir nossa professora de inglês do CAC/UFPE.
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