Criticando a ideologia no
novo municipalismo no Brasil, houve quem dissesse que é de coalizões
políticas centralizadoras que os avanços sociais são conquistados no
país. É como dizer que nada se espere do pleno funcionamento do Poder
Legislativo e de suas infindáveis negociatas, se um Presidente desejar
aprovar medidas de amplo interesse público e popular. Os positivistas
republicanos sabiam disso quando propuseram a "ditadura republicana" na
Constituinte de 1891, como forma de neutralizar os interesses das
oligarquias estaduais. O governo provisório do Marechal Deodoro da
Fonseca, Arthur Bernardes, e sobretudo, Getúlio Vargas - o pai do Estado
novo - também aprenderam a lição. Legislaram em favor dos direitos
trabalhistas, sem apoio do Congresso Nacional. Jango e suas reformas de
base só avançaram num contexto de desinstitucionalização da política. O
fato é que a descentralização e a clássica divisão de poderes no Brasil -
para não falar na ideologia conservadora dos nossos parlamentares - tem
sido um forte entrave na aprovação consensual de medidas de avanço
social, entre nós.
O que nos autoriza dizer que é da ação
público-estatal, em conjunturas de fraca atuação do Poder Legislativo,
que decorrem as transformações sociais brasileiras. Quando a ação
estatal beneficia as minorias organizadas na sociedade - que atuam
através de "lobbies" e da imprensa - há um assentimento geral de que o
Estado fez a coisa certa: socorrer a agro-indústria, os bancos, os
agro-exportadores, as montadores de automóveis, as multinacionais que
produzem os artigos da chamada "linha branca" etc. Agora, quando o Poder
Executivo, através de um imenso programa de transferência de renda,
crédito subsidiado, investimentos em infra-estrutura social, aumento de
oportunidades para os mais pobres, age, aí o Estado é perdulário,
populista, irresponsável, gastador, põe em risco o grau de investimento
do país e por vai...
Pergunta ingênua: por que o Estado brasileiro só é
bom quando beneficia especuladores, banqueiros, agro-exportadores,
empresas multinacionais, empresários nacionais? - O hipócrita e falso
argumento da meritocracia esgrimido pelos estadofóbicos que diz ser o êxito e o sucesso profissional resultado exclusivamente do mérito
individual das pessoas, esquece que este mérito vem dos privilégios, das
oportunidades, do chamado "capital simbólico" e do "habitus", como diz
o sociólogo francês Bourdieu. Ou seja, ele está longe de ser meramente
individual. Num país como o nosso, onde historicamente as oportunidades e
os privilégios têm sido destinadas à classe média e aos ricos, é um
crime de lesa-sociedade não adotar uma agenda pública que priorize o
gasto social, o aumento da despesa com mais educação, mais saúde, mais
moradia, mais capacitação profissional, intercâmbios acadêmicos para os
mais pobres e desafortunados. Essa é a ação prioritária do Estado:
combater e diminuir a desigualdade social. Afinal os mais pobres não são
apenas massa de manobra eleitoral ou mão-de-obra farta e barata para a
exploração brutal e desregulada do capital nacional ou multinacional.
O último self-made- man
brasileiro morreu com Monteiro Lobato e sua crença no fordismo. O que
nós temos na elite brasileira são modalidades da lei de Gerson, Airton
Sena, Pelé e companhia ilimitada. Não se iludam com as catilinárias
dirigidas - pelos ricos e bem sucedidos - contra o Estado brasileiro,
sobretudo quando ele é acusado de gastar (muito) com a população mais
pobre. Esta turma não está preocupada com o equilíbrio das contas
públicas, o grau de investimento, ou a segurança jurídica para a
realização dos negócios no país. Mas sim com os próprios interesses e a
perpetuação do uso de recursos públicos para os próprios negócios.
Michel Zaidan Filho é filósofo, historiador, cientista político, professor titular da Universidade Federal de Pernambuco e coordenador do Núcleo de Estudos Eleitorais, Partidários e da Democracia - NEEPD-UFPE
Nenhum comentário:
Postar um comentário