José Luiz Gomes
Num dos seus livros, uma espécie de oficina para novos autores, o escritor Raimundo Carrero fala sobre uma voz que acompanha os escritores, sempre que eles estão envolvidos na produção de um novo livro. Quando atingimos um certo padrão de envolvimento com a escrita, de fato, essa voz passa a nos acompanhar a todo momento, ao ponto de acordarmos, à noite, sobressaltado pelos pensamentos. Por vezes, também ficamos absortos durante o dia. Se a literatura é uma espécie de loucura,certamente, esse é um dos fatores que nos enlouquecem.Ficamos ansiosos para reproduzir essa voz no papel, porque parece alguém ditando para a gente, algo que já tenha sido revisto, lá por cima, por Flaubert, Joyce, Kafka e Graciliano Ramos. Já vem pronto.
O poeta Marcus Accioly nos falava, em suas aulas, sobre os hábitos esquisitos de alguns escritores, como aquele - não sei se o autor de Madame Bovary - que costumava se inspirar no cheiro de maçãs podres na gaveta de sua escrivaninha. Ao falar ou escrever sobre determinados assuntos, costumamos nos emocionar bastante. Uma desta vez, ao encerrar uma fala, alguém observou que havíamos falando com o coração. As maçãs podres estão por todas as partes, não necessariamente inspirando grandes obras da literatura.
Esse preâmbulo, vem a propósito de um dos últimos artigos escritos pelo professor Michel Zaidan Filho, intitulado " O Panopticum da cidade universitária", sobretudo quando ele manifesta suas preocupações sobre o que vem ocorrendo na Universidade Federal de Pernambuco, algo, que, de certa forma, se aplica a uma boa parte de nossas instituições federais de ensino superior. Pior: uma metástase que já atingiu outras instituições de pesquisa.
Ao falar neste assunto, parecia que dava para ouvir a voz do mestre, numa das suas aulas, palestras ou bate-papo informal. Reparem que aquilo não está escrito. É, muito mais, uma fala, um desabafo com o propósito de atingir os ouvidos mais sensíveis. Desabafo de alguém que dedicou uma vida ao ensino superior, construiu uma sólida carreira acadêmica, orientado por posturas e princípios que lhes custaram muito caro. Praticamente, nunca se afastou do circuito acadêmico.
Há muito tempo que se fala de uma suposta crise no "campo acadêmico", para usarmos um conceito do sociólogo francês Pierre Bourdieu. Seja nos seus ritos - direcionados a "pulsão de morte' da produção taylorista de artigos -, seja nos seus processos "seletivos" de novos atores - procedimentos profundamente marcados por "critérios" que amarram interesses escusos; seja nas suas finalidades, orientadas por motivações individualistas, de vaidades pessoais, bem distante do interesse público. O artigo de Michel Zaidan é um artigo para ser lido com muito carinho, pois trás reflexões importantes sobre os rumos - ou desacertos - da academia.
Existem problemas de financiamentos, mas aqui invocamos uma crise eminentemente moral. Ética. Uma crise de princípios, onde seus membros estão sendo submetidos a uma centrífuga de interesses mesquinhos, personalistas, tacanhos, corporativos. Uma engrenagem perversa, que incorpora os piores expedientes do campo político, como a cooptação, a corrupção, as negociatas, os acordos espúrios, a subserviência, a observância rígida às "regras do jogo". Daquele jogo. Num campo contaminado como este, como observa o professor Zaidan, era de esperar que, quando a instituição fosse instigada a pronunciar-se sobre a perseguição a um dos seus membros, por delito de opinião; na defesa das liberdades públicas; abrir-se às legítimas reivindicações de sua comunidade; respondesse com a "omissão", com as práticas persecutórias, ou com a "convocação" de tropas policiais para invadirem o campus.
P.S.: Cumpre esclarecer que nem todos se deixaram comprometer por este processo. Aqui e alhures existem honrosas exceções.
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O Panopticum da cidade universitária
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