Pelos idos da década de 60, chegou-se a um momento no país onde todas as dúvidas estavam dissipadas acerca da iminência de um golpe de Estado no Brasil. Hoje ninguém tem mais dúvidas sobre o papel exercido pela CIA naquele engendramento conspirador, assim como o suporte militar dos Estados Unidos -que não precisou ser usado - tampouco da ajuda de uma mídia de DNA golpista ontem e hoje. Comenta-se, até mesmo, que, num encontro na Casa Branca, o ex-presidente João Goulart teria chorado ao perceber o andamento irreversível daquele desfecho, sem condições de revertê-lo. Naquela época, segundo os especialistas no assunto, todos os ingredientes de um golpe militar estavam postos. Tanto no aspecto civil, quanto militar. Os golpes dependem de uma conjunção de fatores.
Nesses últimos engendramentos, da Era Dilma, alguns ingredientes estão postos, mas os militares, salvo pela turma de pijama, estavam mantendo um certo distanciamento dessa crise econômica e institucional do país. "Estavam", registre-se. O elemento que faltava talvez tenha sido mesmo o "embaraço" criado com a morte do militar Carlos Alberto Brilhante Ustra, ex-chefe do DOI-CODE Paulista, um dos principais centros de tortura durante o regime militar. Ustra era um incorrigível. Jamais admitiu seus excessos ou equívocos. Morreu pregando que tudo que fez foi pelo "bem" do país. A Comissão da Verdade recolheu vários relatos de pessoas que foram torturadas por ele, inclusive a pernambucana Dulce Pandolfi.
Mas, para os militares, possivelmente aqueles da linha-dura, Ustra era um emblema. Saudado como um herói por alguns deles. É aqui que a porca torce o rabo, uma vez que a sua morte não foi ignorada pela tropa. Ocorreu uma homenagem a ele, realizada num quartel sob jurisdição do Comando Militar do Sul, sob a responsabilidade do general de 4 estrelas, Antonio Hamilton Martins Mourão. Soma-se isso, algumas declarações recentes do general, que envolvem diretamente a presidente Dilma Rousseff. O general foi exonerado do cargo e encaminhado para as funções burocráticas da pasta, em Brasília. Militares falam muito pouco. Por dever de ofício, são comedidos, mas, numa entrevista, Hamilton Martins pronunciou-se sobre o Governo Dilma Rousseff, sua chefe civil, a comandante maior da tropa.
Entre outras razões, os militares falam pouco para não queimarem a língua. Em todo caso, há indícios de que eles começam a se pronunciar sobre a crise. Os quartéis dão indícios de que romperam aquele silêncio que os caracterizaram até recentemente, em nome da rigidez hierárquica. O próprio comandante geral da tropa, escolhido diretamente por Dilma, general Eduardo Villas Boas, já afirmou que, caso aconteçam distúrbios sociais, talvez seja o momento de as forças armadas entrarem em cena. A nomeação de um civil para o comando geral das forças armadas, como é o caso, em tese, do Ministério da Defesa, também sempre foi uma dor de cabeça no Brasil.
Aparentemente, parece tudo sob controle, mas se sabe que, no país, essa subordinação dos militares ao poder civil não é algo muito simples. Por dever de ofício, o nome do comunista Aldo Rebelo para a Defesa foi muito bem recebido pelos comandantes militares, o que provocou uma certa ciumeira no Clube Militar, que reúne os militares da reserva. Muito improvável que alguém com o passado de Aldo Rebelo possa ser bem aceito por alguns setores do estamento militar. Atribuir a queda de Mourão a uma evidência de autoridade de Rebelo é de uma ingenuidade sem tamanho. O que há, de concreto, é que setores militares estão se pronunciando, o que indica alguma inquietação na tropa.
A despeito dos engendramentos, alguns historiadores preferem a tese de negar a "inevitabilidade" de um golpe militar em 1964. O golpe era apenas uma das possibilidades possíveis. Um dos primeiros comandantes militares, o general Castelo Branco - à época Comandante Militar do Nordeste - tomava cafezinhos e licores de pitanga na residência de um grande intelectual pernambucano. Do que é que eles tratavam? Eis aqui uma boa pergunta. certamente não seria sobre a vida nos engenhos do Estado, nos idos do século XVI. Mas os militares também cometeram alguns equívocos, como o fato de não avisar ao general Mourão Filho - outro Mourão. Que coincidência! - que apenas descesse com as suas tropas, de Juiz de Fora para o Rio de Janeiro, conforme a programação, que seria no dia 31 de março.
Mourão antecipou-se, descendo das Alterosas com um punhado de recrutas novos e inexperientes. Darcy Ribeiro, referindo-se ao episódio, afirmou que bastaria uma rajada de metralhadora para eles voltarem para o quartel correndo, à procura de abrigo, para limparem as fraudas. Infelizmente, as forças leais ao governo de João Goulart não tomarem nenhuma providência. Há um professor da Universidade Federal de Pernambuco que deve estar vibrando com essas escaramuças envolvendo os militares e os civis. E os fatos precisam ser analisados dentro dos quartéis mesmo. Jovens oficiais não embarcariam na aventura de um golpe militar. Hamilton caiu não em função da suposta autoridade de Rebelo nas caservas, mas em razão de um indicador de correlação de forças dentro da própria tropa.
Quando, na década de 70, os militares mais moderados resolveram que havia chegado o momento de começar a isolar os militares da linha dura e iniciar um processo de distensão lenta, gradual e segura, ocorreu um episódio curioso. O comandante do Exército era o temido general Sílvio Frota.O general Ernesto Geisel era o presidente da República. Num dia como o de hoje,feriado de finados, convidou Sílvio Frota para uma reunião em Brasília. Ao chegar ao seu gabinete, Sílvio Frota foi comunicado que estava exonerado do cargo. Sílvio se coçou, e coçou, mas não havia mais nada que pudesse ser feita. Não havia se dado conta da matreirice de Geisel. Era um feriado e as suas tropas não estavam nos quartéis. O general Antonio Hamilton, era o chefe do Comando Militar do Sul, onde se concentra o maior contingente de tropas. Assim como Frota, por aqueles idos, hoje não tem mais soldados. Administra papéis.
P.S do Realpolitik: Entre os militares, não se pode negar que Geisel foi um dos principais artífices do processo de distensão do regime militar. Por outro lado, circunstancialmente, foi um dos mais cruéis perseguidores dos grupos que pegaram em armas contra a Ditadura. Institucionalmente preparava um processo de abertura, mas, nos estertores do regime, promovia uma espécie de "limpeza", eliminando, inclusive fisicamente, os integrantes da guerrilha.
P.S do Realpolitik: Entre os militares, não se pode negar que Geisel foi um dos principais artífices do processo de distensão do regime militar. Por outro lado, circunstancialmente, foi um dos mais cruéis perseguidores dos grupos que pegaram em armas contra a Ditadura. Institucionalmente preparava um processo de abertura, mas, nos estertores do regime, promovia uma espécie de "limpeza", eliminando, inclusive fisicamente, os integrantes da guerrilha.
Nenhum comentário:
Postar um comentário