Estamos vivendo no
país aquilo que muito apropriadamente a professora Liana Lins, da Faculdade de
Direito do Recife, denominou de “Estado de Exceção Episódico” (EEE). Não é uma
Estado de exceção típico, com a supressão das liberdades civis e o precário
funcionamento das instituições democráticas (Justiça, Legislativo). O EEE se
expressa através de intervenções seletivas contra determinados públicos-alvo e
certas ações, atitudes ou ideias professadas e manifestas pela sociedade civil.
Há uma lei a ser sancionada pela Presidente da República, sobre o combate ao
terrorismo; há um projeto de lei que proíbe críticas aos parlamentares; há
outro contra o debate político-ideológico nas escolas.
E há uma gama de
projetos – oriundos da bancada evangélica – contra o direito das minorias. As
pessoas estão sendo atacadas e desrespeitadas em ambientes públicos por hordas
de criminosos, apenas por esposarem esta ou aquela ideia, concepção ou visão de
mundo. Por vestirem vermelho, verde ou encarnado. Por andarem de calças ou
saiotes. Esse é o país legado pelas eleições de 2014 em que nos cabe viver.
Fala-se na introdução do ensino obrigatório das religiões na escolas públicas e
o ensino do criacionismo como teoria científica. Nunca foi tão oportuna a frase de um certo pensador alemão que diz
ser “A religião o ópio do povo”. Pastores e ministros, travestidos de
benfeitores da humanidade, à cata do voto de um eleitorado crédulo e ingênuo,
transformado em mera massa de manobra para políticas obscurantistas,
reacionárias, num claro atentado contra a laicidade do Estado Brasileiro.
Tempos de intolerância e ódio!
Não menos grave é o atentado que vem sendo perpetrado contra os
“democratas de ocasião” contra as liberdades civis, entre elas: a liberdade de
opinião. São os hipócritas que defendem a liberdade de um semanário francês
atacar a religião muçulmana, mas criminalizam os que defendem uma administração
republicana da cidade ou do Estado. Será que é preciso dizer mil vezes que um
mandato popular/eletivo/representativo não é semelhante a uma prebenda, um
presente, um cheque em branco, que o gestor adquire por tantos reais e o
utiliza ao seu bel-prazer, sem dar ou
prestar satisfação à sociedade, aos eleitores e aos contribuintes, do que é
feito (e porque é feito) com o mandato. O dever da transparência, da
publicidade, da moralidade está insculpido na Constituição de 1988. O cargo não
é propriedade (patrimonium) do gestor, é uma incumbência pública, que lhe é
confiada pela sociedade, e sobre a qual ele deve satisfações.
Quando se
acumulam brumas e mais brumas sobre os negócios públicos, é obrigação do gestor
prestar esclarecimentos (não à polícia ou à Justiça), mas à sociedade, aos
contribuintes, aos eleitores. Crime é a propaganda enganosa, falsa, feita com
muito dinheiro, para a promoção institucional da imagem dos governantes. A
cobrança, a fiscalização, a responsabilização administrativa de um
administrador é um direito sagrado dos cidadãos e cidadãs. Não é um beneplácito
da autoridade dado aos bajuladores, apaniguados e favorecidos pelo gestor.
O
espaço público, onde as autoridades têm que se explicar (convincentemente) não
é a corte exígua e melíflua dos marqueteiros-empresários, dos
advogados-empresários, dos jornalistas de contracheque, das viúvas e órfãos ou
dos primeiros cunhados. É o povo da cidade ou do Estado. Pelo visto, o espaço
público dos liberticidas é o cárcere ou o tribunal. Eles pensam que podem ficar
impunes e a salvo das críticas, intimidando os cidadãos e cidadãos de bem (não de bens), com o cargo, a entourage ou os
publicistas de plantão, pagos a peso de ouro para destratarem os críticos e
adversários.
A propósito, sabem os leitores o que se passou na Câmara
Municipal do Recife, em relação à defesa da liberdade de opinião? – Foi
aprovado pela maioria que só se pode falar em nosso estado a favor das
autoridades. Foi extinto, pelos áulicos, o direito ao contraditório e a
liberdade de opinião. Estaríamos, por acaso, no Egito?
Michel Zaidan Filho é filósofo, historiador, cientista político, professor titular da Universidade Federal de Pernambuco e coordenador do Núcleo de Estudos Eleitorais, Partidários e da Democracia - NEEPD-UFPE
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