Existe no campo do
Direito uma larga e profunda controvérsia sobre a natureza do sistema jurídico
brasileiro: auto ou alopoiético? – Ou seja, é um sistema autônomo ou
heterônimo, sujeito a influências político-partidárias? – Essa discussão vem
muito a propósito das acusações de partidarismo ou espírito de facção do
Judiciário e da Polícia Federal brasileiros. Até onde vai a jurisdição e a
atuação da polícia, num Estado democrático de direito? Há dois pesos e duas
medidas? Uma, para os subcidadãos e outra, para os cidadãos superepresentados
nos meandros da administração do Estado brasileiro?
Nos anos setenta, um
famoso diretor italiano de cinema chamado Eli Petri realizou um filme cujo
título era precisamente “cidadão acima de qualquer suspeita” e trata da
imputabilidade de um promotor que haveria cometido um crime passional. Ninguém
era capaz de acusá-lo de nada, mesmo que tivesse cometido delitos.
Olhando a cena
brasileira, em plena execução da operação Lava Jato (levada a cabo por juízes
federais e membros da Polícia Federal), fica-se com a impressão ou de que
alguns cidadãos têm um atestado de imunidade ou que outros são os alvos
preferenciais da atuação legal e policial do Estado brasileiro. Isto é tanto mais
nítido quando nos afastamos dos círculos próximos ao Poder Central e vamos nos
aproximando do círculos estaduais e municipais de nosso país. O atestado de
imunidade das autoridades provinciais ou regionais parece ter sido dado pela
conivência dos órgãos de comunicação de massa (uns sobre controle de políticos,
outros de empresários) e da delicada proximidade do Poder Judiciário em relação
aos governantes.
É de se imaginar como
é possível pensar em direitos e garantias individuais (o direito de ir e vir, o
direito à privacidade e a inviolabilidade do lar, o direito à liberdade de
expressão), quando uma certa tradição atávica de autoritarismo se mescla com
servilismo de uns e o silêncio eloquente de quem deveria publicizar informações
ou fiscalizar os atos da administração pública.Fala-se, ultimamente,
em “Estado de Exceção” ou “medidas de uma Estado de exceção”, num contexto de
criminalização do direito à oposição ou a simples indignação diante de atos do
governo.
É possível utilizar as instituições públicas para se blindar (e
perseguir adversários) contra a insatisfação dos cidadãos diante de uma gestão-
diga-se de passagem - que está longe de ser exemplar? - Como indagou o jovem
oficial de Justiça, de certa feita, no exercício de suas competências, “está
proibido fazer crítica em Pernambuco?”Essas considerações
surgem diante das volumosas brumas que se acumulam sobre vários “negócios” e
“negociatas” envolvendo recursos e grandes obras públicas, ora sob investigação
da Justiça Federal e da Polícia Federal em nosso Estado.
A primeira grande
interrogação é quem se beneficiou com o “propinoduto” da Refinaria Abreu e
Lima? – A segunda, quem estava e está envolvido nas falcatruas da
desapropriação de terrenos e construção da Arena Pernambuco? – Terceira, quem
foi o responsável pelo prejuízo de mais de 10.000.000 no leilão da venda dos
terrenos do Cais José Estelita? E o presídio de Itaquitinga, o que fazer com
ele? – Isso, para não falar na titularidade do “avião fantasma”, que vitimou o ex-governador do Estado.
Enfim, a sociedade e
os contribuintes pernambucanos têm direito à uma explicação cabal e convincente
– apoiada em provas – do que foi feito, por quem foi feito e quem se beneficiou
dos malfeitos relacionados com essas obras. O imperativo da transparência, da
moralidade e da legalidade da gestão pública obriga seus membros e
representantes a prestarem essas informações ao distinto público pagante e
reivindicante, sem medo de ser processado e preso no Estado de Pernambuco.
Michel Zaidan Filho é filósofo, historiador, cientista político, professor titular da Universidade Federal de Pernambuco e coordenador do Núcleo de Estudos Eleitorais, Partidários e da Democracia - NEEPD-UFPE.
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