Num futuro que esperamos que não esteja tão distante assim, os cientistas sociais poderão constatar, entre as inúmeras consequências desse golpe institucional ora em curso no país, um recrudescimento dos conflitos agrários, com um expressivo crescimento do número de mortes de trabalhadores rurais. Esta última chacina - ocorrida na localidade de Pau D'Árco, sudeste do Estado do Pará - ceifou a vida de 10 camponeses, num possível confronto até agora muito pouco esclarecido, uma vez que as armas apresentadas como sendo dos camponeses se prestavam apenas para matar passarinhos, além de alguns corpos terem sido atingidos por trás, descaracterizando o suposto confronto. Não temos ainda informações mais precisas sobre o assunto, mas, se forem verificados tiros na nuca, a hipótese de confronto fica completamente descartada.
Uma hipótese que já pode ser confirmada, porém, sem a necessidade de ser submetida à banca, é a de que esses fatos guardam uma relação direta com este momento político nublado que estamos vivendo, com o fortalecimento da bancada escravocrata, do agronegócio e, possivelmente, da bala. O retrocesso institucional que estamos presenciando é algo assustador - como a proibição da divulgação da lista negra do trabalho escravo; a suspensão das demarcações de terras quilombolas; o sucateamento de entidades como a FUNAI; e uma revisão sobre as terras consideradas como de reservas ambientais. O raciocínio dessa gente é simples: índio não produz soja, índio não explora madeiras de lei, não cria gado de corte, não produz energia. Há uma grande cobiça sobre essas terras. No dizer de um desses grileiros com assento no parlamento, é muita terra para pouco índio. Aplica-se aqui a lógica do capital. Isso não se constitui nenhuma surpresa num processo de desmonte do Estado de bem-estar social.
Assim como ocorre nas favelas e no sistema prisional brasileiro - por falar nisso, fomos informados que um dos nossos textos sobre o sistema prisional foi utilizado com grande sucesso numa aula de um curso de direito, na última quarta-feira - os assassinatos no campo se constituem numa espécie de crônica de uma morte anunciada, de acordo com a Pastoral da Terra, ligada à Igreja Católica. Trata-se de um problema estrutural, de um país que não conseguiu fazer sua reforma agrária. Convém aqui fazer o registro de que, nem nos governos de orientação mais progressista, conseguimos avançar significativamente neste quesito. Eis aqui uma das reformas capitais para o país, mas interditada pela força e pela insensibilidade de nossa elite escravista.
Como disse antes, esse freio de arrumação na hode golpista precisa ser muito bem canalizado pelas forças progressistas, no sentido de retomarmos o rumo da redemocratização do país. Em desespero para manter-se no poder, Michel Temer acena até mesmo para possíveis aliados que podem se tornar ainda mais perigosos para a saúde da nossa democracia, já frágil, do que propriamente seus assessores e apoiadores de outrora, que continuam minguando. Convém construir essas pontes com bastante equilíbrio, inclusive convencendo-o sobre a necessidade de uma renúncia imediata, o que encurtaria o sofrimento de todos os brasileiros. Embora ele tenha se mantido irredutível até o momento, não é possível que não se der conta que a sua permanência no poder vai se tornando algo inadministrável.
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