Querida, o tema da reforma política trata da tradutibilidade dos votos em mandatos, ou seja das regras do sistema político-partidário que comandam as eleições e a vontade política do eleitor. Como no Brasil, a nossa democracia é de baixíssima intensidade. O eleitor praticamente vota (autoriza aqueles que vão decidir em seu nome) e vai para casa. Não há uma sociedade civil organizada que ajude a formar raciocinalmente a vontade política do eleitor e agendas de interesse público. Então, o exercício da cidadania se resume na mera autorização política do eleitor para outros decidam em seu nome. Uma reforma política digna desse nome deveria traduzir fielmente a chamada verdade eleitoral, ou seja, as preferencias verdadeiras do eleitor em termos de cargos e mandatos eletivos. Infelizmente o sistema político-partidário brasileiro não permite isso. Há muitas distorções no processo eleitoral, desde o abuso do poder econômico, o tempo desigual para os candidatos, o regime eleitoral não estimula a vigilância pelo eleitor do mandato dos eleitos, a lei partidária estimula uma competição interna dos próprios candidatos de uma mesma legenda etc.
Além do que a ausência de verticalização das coligações, nas eleições majoritárias e a permissão de coligação nas proporcionais falsem por completo a representação politica. Uma reforma se faz, portanto, necessária. Mas quem tem a devida legitimidade para fazê-la? - É aí onde mora o perigo. Um congresso que não foi eleito apenas para fazer esta reforma, não tem a devida legitimidade de para fazê-la. Porque legislará em causa própria, garantindo , por meio das regras votadas, a sua própria sobrevivência política. Daí porque a campanha por uma constituinte exclusiva só para fazer a reforma. Os atuais parlamentares não estão legitimados para tal. Farão, se muito, uma reforma casuísta, contra os pequenos partidos, a fazer do financiamento privado, diminuindo o tempo de campanha , retirando a obrigatoriedade do voto e a prorrogação de mandatos. Isso não será uma reforma política. Será um golpe parlamentar contra os eleitores.
A proposta dessa PEC vem atender à vontade e a os interesses dos golpistas do ano passado. Eles querem prosseguir em seus cargos e mandatos, sem necessidade da autorização popular. E o seu único objetivo e levar adiante a agenda desconstrutivista das conquistas de 1988 (na saúde, na educação, na seguridade social etc.) Vai beneficiar diretamente o mandatário de plantão, que carece da mínima legitimidade e arrostar uma formidável rejeição popular.A lista fechada seria uma boa medida se os partidos dos fossem suficientemente institucionalizados no Brasil. Mas eles têm donos, chefes, proprietários. São verdadeiras oligarquias familiares ou de interesses. A lista fechada, que evitaria a competição interna e reforçaria o poder da legenda partidária, num ambiente de exacerbado personalismo e precária institucionalização dos partidos, pode aumentar ainda mais a oligarquização das agremiações partidárias, já que será o chefe quem organizará a lista. O ideal seria fazer um sistema misto: parte dos candidatos seria livre, outra conforme a lista, como se faz com o voto distrital misto. Mas isso não evitaria ainda o caciquismo dos donos dos partidos.
A dilatação do mandato para 5 anos não seria de todo mau, se fosse garantida a igualdade de competição entre os candidatos. Ou seja, Extinguir-se-ia a reeleição, aumentar-se-ia o mandato, mas tem que haver garantia de que o ocupante do cargo não use e abuse da máquina política e administrativa para se beneficiar ou ajudar a eleger seus aliados.Enfim, a discussão da reforma política é muito antiga no Brasil. A nossa engenharia institucional é muito ruim. E esse mal chamado "presidencialismo de coalização" , com um regime multi/pluripartidário só produz crises, atrás de crises. Mas nenhuma reforma dará certo se for feita pensando-se no curto prazo e para atender interesses casuísticos, pontuais, corporativos ou meramente de indivíduos ou pessoas.
Michel Zaidan Filho é filósofo, historiador, cientista político, professor titular da Universidade Federal de Pernambuco e coordenador do Núcleo de Estudos Eleitorais, Partidários e da Democracia.
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