Tive, ontem, a grata satisfação de falar aos pós-graduandos de Ciência Política sobre a crise política em que o Brasil está mergulhado. Naturalmente, havia de dizer que ela não começou com a reeleição da Dilma ou com a operação Lava-a-Jato. Os males da política brasileira são muito antigos e estão longe de uma solução. A palestra tinha como tema "a reengenharia institucional brasileira", correlacionando a qualidade da democracia que temos com a qualidade das instituições presidencialistas e republicanas que adotamos, desde 1891. A moldura institucional do Estado brasileiro, copiada do modelo norte-americano por Rui Barbosa (um monarquista que admirava a estabilidade do regime parlamentarista britânico), encontrou muitas resistências na particularidade do tecido social do país.
Desde a doutrina da "ditadura republicana", defendida pelos positivistas ortodoxos até a nossa tradição unionista (não federativa), sem falar na hipertrofia do chamado Poder Moderador, desempenhado na república pelo exército. O nosso mimetismo institucional acredita que a solução dos nossos problemas políticos está sempre associado a uma cópia ou transporte de algum modelo, tido como virtuoso, trazido de algum país estrangeiro: ora os E.U.A. ora a França, ora a Alemanha. Mas as coisas não são tão simples assim. O nosso país tem um imaginário político messiânico e um menosprezo histórico pelo Poder Legislativo. O modelo presidencialista que adotamos é produto da herança atávica desse messianismo caboclo, que se iniciou com a morte de D. Sebastião, na batalha de Al-Cacequibir, na Africa. De lá para cá, no limiar das sucessivas crises que experimentamos ou passamos, tem a espera do Messias. Um regime presidencialista como o nosso é um convite permanente à crise de governabilidade.
A essa imperfeita (e improvável) engenharia institucional brasileira, soma-se a questão de uma agenda social. Como levar adiante a efetivação de uma agenda redistributiva nessa fachada de pardieiro político, hoje intitulada "Congresso Nacional"? - Dizem os estudiosos que os avanços e as reformas sociais só se deram no Brasil a partir de coalizões centralizadoras, ou seja,sem o apoio declarado do Congresso Nacional, entregue como sempre às miudezas do pequeno comércio da fisiologia e do clientelismo. Uma mixórdia de mal chamados "partidos políticos", dominados por chefes, donos, caudilhos e oligarcas que transacionam com os poderosos do dia o apoio e a sustentação política, a peso de ouro.
É isso que os especialistas denominam de "Presidencialismo de coalização", num ambiente presidencialista e multipartidário que nós temos. E que mereceria mais o nome de "Presidencialismo de cooptação". É aí onde entra o abuso sem limites do Poder Econômico, porque quem financia o comércio são as grandes empresas, bancos, grupos econômicos etc. De republicano, o nosso regime tornou-se uma oligarquia financeira, onde o povo vota e os ricos - muito ricos - decidem. É como se a nossa "classe política" fosse irrelevante do ponto de vista da tomada das decisões que afetam milhões e milhões de brasileiros. Comportam-se como representantes do Poder Econômico, não dos eleitores brasileiros.
Neste ponto, é preciso tocar numa questão aguda e espinhosa: a grave crise de representação política de que padecemos há muito tempo neste país. O que fazer para que os deputados e senadores nos representem, ao invés de representarem interesses subalternos, escusos, anti-republicanos, como soe acontecer? - A palavra mágica seria "reforma política", a mudança das regras do jogo que produzem a representação parlamentar no Brasil. Mas quem está habilitado, legitimado nesse processo, para fazer a reforma? - Os atuais parlamentares? - Não.
Eles não possuem legitimidade, mandato específico, nem a necessária isenção, para modificar a legislação eleitoral, partidária e política. Seria preciso uma eleição própria, antecedida de um grande debate na sociedade civil, com o objetivo de se fazer esta reforma. Outros,em momento oportuno, se candidataria sob as novas regras. Isso nos leva ao ponto: a realização de eleições diretas para a Presidência da República. Ao meu ver, caso se deseje resolver a vacância da cadeira presidencial, através de realização de eleições indiretas (como prevê uma lei de 1964), pelo Congresso, no quadro da atual legislatura (com 144 parlamentares alvos da Operação lava-a-jato), isso vai se configurar como um golpe dentro do golpe parlamentar que afastou a Presidente Dilma. Dessa forma, a crise só vai se aprofundar, pois o objetivo daqueles que defendem um pleito indireto é a continuidade da aprovação de uma agenda perversa e a própria sobrevivência política dessas tristes criaturas.
A nossa experiência histórica é que o aprofundamento das crises políticas são as principais conselheiras de atalhos golpistas ao poder. É o caldo de cultura adequado para toda sorte de aventureiros, oportunistas, messias e enviados dos deuses para consertar os malfeitos da política brasileira. E já existem até nomes disponíveis para esse papel. Precisamos agir: devolver o poder de decisão ao soberano, ao titular da vontade política da Nação: o povo brasileiro.
Michel Zaidan Filho é filósofo, historiador, cientista político, professor titular da Universidade Federal de Pernambuco e coordenador do Núcleo de Estudos Eleitorais, Partidários e da Democracia - NEEPD-UFPE
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