Principalmente numa circunstância histórica onde se consolida a era da pós-verdade, convém tomar todos os cuidados possíveis com as narrativas, tentando identificar, nas entrelinhas, as verdadeiras intenções dos seus autores. Há algum tempo, tenho acompanhado - não sem alguma apreensão - uma narrativa discursiva que se tornou recorrente nas falas do presidente e candidato à reeleição, Jair Bolsonaro. Não seria, assim, uma análise de discurso - embora o campo seja fértil - mas algo mais próximo da literatura de Machado de Assis, quando se referia, em seus romances, às ideias fixas.
Jair Bolsonaro sempre faz referência a uma espécie de suposto "enquadramento' constitucional dos Poderes da República - exceção, naturalmente em relação ao Executivo, que já estaria enquadrado -, afirmando que todos precisam jogar dentro das "quatro linhas". Naturalmente, em sua concepção, em nenhum momento ele deixou de jogar dentro das regras do jogo da democracia. Essa auto-análise, naturalmente, mereceria algumas considerações, mas não vamos aqui colocar mais lenha na fogueira, cujas chamas já estão altas, há poucas semanas das eleições, que deverão ser realizadas num ambiente político bastante tenso.
Um outro elemento preocupante - ainda mais preocupante, aliás - é o fato de o presidente ainda não demonstrar o convencimento suficiente acerca da absoluta lisura das eleições de outubro. Ele sempre sugere uma margem de erro, o que mobiliza o bolsonarismo a seguir esta orientação. Nas manifestações de rua de ontem, por exemplo, em inúmeras ocasiões, os dados do Instituto Datafolha foram contestados, ante uma multidão de seguidores que bradavam palavras de ordem, perguntando se a multidão confiava nas pesquisas daquele Instituto. Aliás, não apenas o Instituto, mas o próprio jornal Folha de São Paulo e a emissora Globo.
Isso indica que teremos enormes dificuldades institucionais de "suportar" uma eventual derrota do presidente Jair Bolsonaro nas próximas eleições de outubro. Há um ministro do STF que se refere a este momento como o de um estresse eleitoral. Creio haver, aqui, uma espécie de eufemismo político. Há uma engrenagem toda montada no sentido de garantir a continuidade desse projeto, seja no campo das lutas institucionais - o que seria legítimo, afinal estamos numa democracia - mas, há, igualmente, um flerte com expedientes não necessariamente de corte republicano. Muito menos democrático.
A Ministra Carmem Lúcia, quando fez referência às sementinhas do autoritarismo plantadas em diversos países, pareceu-nos ter sido mais consequente. Quando vejo manifestantes com cartazes pedindo a volta dos militares, uma intervenção militar ou expondo imagens como a da fotografia acima, apontando os "inimigos" do presidente, ou seja, os três Ministros do Supremo Tribunal Federal, Alexandre de Moraes, Édson Fachin e Luiz Roberto Barroso, não há como não ficar apreensivo. Mais uma vez, convém ficar atento às narrativas, posto que está se construíndo um discurso de uma possível "Ditadura de Toga", quando os ministros do STF estão apenas fazendo respeitar o Estado Democrático de Direito e os princípios constitucionais, que preconizam que o país será regido por um regime democrático.
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