A CLASSE POLÍTICA VAI AO PARAÍSO. Em visita
ao Brasil, o sociólogo espanhol, Manuel Castells, denuncia o esgotamento do
modelo de democracia representativa burguesa e a apropriação de nacos do Estado
pela classe política. Tornou-se uma espécie de ideólogo do grupo liderado por Marina Silva.
José
Luiz Gomes escreve
A cruzada
moralizadora que a presidente Dilma Rousseff impôs ao seu Governo tem um limite
imposto pela governabilidade. O caso do Ministério dos Transportes é bastante
emblemático. A presidente afastou todas as principais diretorias do DNIT,
Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes, inclusive Luiz Antonio
Pagot, seu diretor, que, pelo silêncio obsequioso manifestado durante os
depoimentos na Câmara e no Senado Federal, esperava-se que fosse poupado da
guilhotina.
Antes,
pela imprensa, em doses homeopáticas, Pagot havia emitido várias notinhas
comprometedoras contra o Governo, insinuando que a Casa Civil da Presidência da
República era bastante familiarizada com os “aditivos”, fato confirmado ontem,
durante o pronunciamento, no Senado Federal, do ex-ministro da pasta dos Transportes,
Alfredo Nascimento, senador pelo Partido da República. A aquiescência de Pagot
contou, segundo veículo de comunicação de circulação nacional, com a
intervenção do Secretário Geral da Presidência, Gilberto Carvalho.
Parece-nos
que o Planalto tem bons leitores de “entrelinhas”. Uma das maiores preocupações
da Ministra de Relações Institucionais, Ideli Salvatti, era saber se, durante o
pronunciamento de Alfredo Nascimento, ele iria se referir aos famosos
financiamentos de campanha, sempre mencionados nas denúncias de desvios de
recursos público. Já na saída, após entregar carta de demissão a presidente
Dilma Rousseff, Luiz Pagot ainda torpedeou o atual titular da pasta, insinuando
que Paulo Sérgio Passos conhecia todos os passos. Sem muita repercussão.
Além
de promover uma verdadeira faxina naquele órgão, a presidente Dilma Rousseff,
orientada por valores republicanos, exigiu do novo Ministro dos Transportes,
Paulo Sérgio Passos, que todos os substitutos daquele órgão fossem funcionários
de carreira. Temendo novos comprometimentos, Passos assumiu uma postura
bastante eqüidistante dos companheiros de partido. O deputado Valdemar da Costa
Neto, que praticamente dava expediente no Ministério dos Transportes, na gestão
de Alfredo Nascimento, hoje, teria dificuldades de marcar uma audiência com o
novo ministro da pasta. O estranhamento é tão evidente que o PR, a julgar pela
postura do titular da pasta, não se sente representado no Governo. Em seu
pronunciamento no Senado, aguardado com muita ansiedade pelo Planalto, o
ex-ministro, Alfredo Nascimento, demonstrando muito ressentimento, afirmou que
o partido foi tratado como lixo, exposto à execração pública. Alfredo tem lá
suas razões ao sentir como bode expiatório.
Se,
com essa atitude, a presidente angariou a simpatia de um eleitorado de classe
média, mais esclarecido, indignado com os altos índices de corrupção na máquina
pública brasileira – elemento possível de ser observado em pesquisas de opinião
realizadas em São Paulo-,
por outro, começa a sofrer pressões, sobretudo da base aliada, no sentido de
refrear esse ímpeto, sob pena de enfrentar algumas turbulências nas próximas
votações no Congresso ou, pior, engessar seu Governo com as temidas CPIs. Por
muito pouco, apenas 02 assinaturas – retiradas às pressas pelas manobras do
Planalto – a oposição não consegue as assinaturas necessárias, 27, para abrir a
primeira CPI do Governo Dilma Rousseff.
Amuos
e ressentimentos de parlamentares da base aliada, quando bem capitalizados pela
oposição, podem representar derrotas em votações importantes para o Governo,
estrangulando essa tal governabilidade, colocando o Governo numa situação
inercial profundamente angustiante. O PR, que conhece bem as entranhas da
corrupção na máquina, já insinuou que pode fornecer informações “importantes”
para a oposição. Portanto, quando setembro vier, pode trazer algumas surpresas
desagradáveis para o Governo.
PT,
PMDB e PR, sócios majoritários do condomínio de sustentação do Governo,
demonstram bastante preocupação com as ações saneadoras de Dilma Rousseff. O
PMDB, por exemplo, com pós-doutoramento em corrupção, estabeleceu uma
estratégia muito bem definida, que visa, em última análise, a blindagem de seus
agentes com atuação na máquina do Estado. Até então, o Ministério das Minas e
Energia, comandado por Édson Lobão, um afilhado de José Sarney, era o próximo
na alça de mira da presidente. Certamente, diante da rebelião da base aliada,
Dilma deverá tirar o pé do acelerador, considerando que o número de dnitidos
seja suficiente para dar uma satisfação à opinião pública no sentido de afirmar
que não compactua com irregularidades em sua administração.
De
quebra, Dilma ainda demitiu de uma das diretorias da CONAB, Oscar Jucá, o
jucazinho, irmão do líder do Governo no Senado, Romero Jucá. A vassourada, no
entanto, deve se encerrar por aqui. O piso do Planalto poderia ficar muito
escorregadio se ela continuasse com tanta disposição, desgastando a imagem de
seu tutor político, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Reunidos
recentemente, a tropa de choque do PMDB, que reúne figuras como Romero Jucá,
Renan Calheiros, José Sarney, definiram que não permitirão intromissões em seus
nacos do Estado.
Aqui
se encerra mais um capítulo de sua administração. Pontualmente, poderá
continuar tomando algumas medidas saneadoras, mas na periferia do Governo,
movida por sua retidão de caráter. No “núcleo duro”, fundamental para essa tal
governabilidade, poderiam ser apeados do Planalto apenas os ministros que não
estão dando bons resultados – saídas previamente negociadas - ou aqueles que,
por suas atitudes e pronunciamentos, já teriam pedido para sair, conforme é o
caso do Ministro da Defesa, Nelson Jobim, que já declarou que votou em Serra e
que vive cercado de idiotas, mas preferiu não declinar os nomes desses idiotas.
Dilma
Rousseff o trata apenas protocolarmente. Em sua última entrevista ao programa
Roda Viva, da TV Cultura, procurou fazer uma média com Dilma. Tardiamente. A
presidente já desautorizou Jobim inúmeras vezes, como no socorro aos
desabrigados das enchentes da região serrana do Rio de Janeiro, ou no episódio
do Plano de Fronteiras, onde ele não queria a participação do Ministério da
Justiça e da Polícia Federal. José Eduardo Cardoso, Ministro da Justiça, levou
a melhor.
Certamente,
ela deverá minimizar suas investidas sobre os dutos de corrupção ainda
existentes na máquina, tolhida pela necessidade de “tocar” o seu Governo,
evitando que ele entre, tão novo, numa situação inercial. Não é de hoje que nessa
República os partidos se apropriam de nacos do Estado e os utilizam consoante
os interesses mais perniciosos, absolutamente divorciados das demandas da
população. Estruturalmente, algumas
medidas até podem ser adotadas – como a ocupação de cargos de chefia por
servidores estáveis, de carreira, preparados para assumirem as complexas
tarefas inerentes à administração do Estado.
Outra
medida seria aprimorar os mecanismos de controle e fiscalização, minimizando a
possibilidade de desvios de recursos. Mas, ainda estamos longe de atingir esses
objetivos. Revista de circulação nacional, baseada em relatórios da Polícia
Federal, constatou que existem alguns equívocos primários, como a falha nos
levantamentos de preços praticados no mercado. O Estado, na maioria dos casos,
acaba pagando sempre mais, numa espécie de superfaturamento de origem.
O
Brasil, por sua vez, também possui um quadro bastante expressivo dos chamados
DAS, Direção de Assessoramento Superior. A ocupação desses cargos, hoje, atende
a um princípio bastante salutar, ou seja, um percentual “X” deverá ser ocupado
por servidores efetivos, que entraram na máquina através de expedientes
meritocráticos e republicanos, como o instituto do concurso público. Racionalmente,
talvez fosse o caso de realizar uma reestruturação desses cargos, possivelmente
diminuindo esse montante, inflados, inclusive, sob os auspícios do Governo
Lula.Gradativamente, conforme desejo da presidente, ampliar o percentual dessas
ocupações pelos funcionários efetivos.
A
exemplo do que já ocorre na França, o Estado brasileiro – além de possuir um
quadro de servidores bastante preparado – também possui uma escola de formação em
gestão pública. Até José Dirceu, ex-todo-poderoso Ministro Chefe da Casa Civil
no Governo Lula, um dos artífices do aparelhamento da máquina pela “companheirada”
do PT, súbito, teve uma crise de lucidez e já defende essa mesma tese, ou seja,
o presidente nomeia os ministros – que já são muitos – e a burocracia assume o
resto.
As
ações da presidente Dilma Rousseff receberam elogios dentro e fora do governo.
Tarso Genro, por exemplo, elogiou a atitude de faxina geral adotada pela
presidente, assinalando que os problemas no DNIT se arrastavam por, pelo menos,
20 anos, exigindo uma intervenção mais efetiva. Jarbas Vasconcelos, senador
pelo PMDB de Pernambuco, do grupo dos não-alinhados ao Planalto, também
esqueceu as divergências políticas para elogiar a atitude da presidente.
Dilma
Rousseff também deve ter conquistado, conforme já enfatizamos, muita simpatia
daquele eleitorado de classe média, profundamente chocado com as denúncias de
falcatruas na máquina pública. A disposição de Dilma, no entanto, esbarra nessa
tal governabilidade. O historiador Sérgio Buarque de Hollanda talvez tivesse
razão quando afirmava que no Brasil não existia esfera pública. País de cultura
essencialmente patrimonialista, torna-se difícil definir a fronteira onde
termina o interesse privado e se inicia a res publica. Afinal, como diria o
ex-presidente Jânio Quadros, político de feeling
apuradíssimo, O Brasil é um hímen
complacente.
Essa
talvez seja uma das razões para explicar a enorme receptividade das idéias do sociólogo espanhol,
Manuel Castells, no país. Na realidade,
governabilidade neste país implica, necessariamente, em conviver com certos
padrões de corrupção na máquina pública. Infelizmente. Parece inevitável. Para
desespero dos governantes sérios, com prejuízos evidentes para res pública e contribuindo
para a desmoralização da classe política. Estabelece-se, então, um hiato entre
representantes, escolhidos através dos mecanismos da democracia representativa,
e os supostos representados, cujas necessidades ficam interditadas em função da
apropriação indevida dos recursos públicos.
O
sociólogo espanhol, Manuel Castells, cujos livros mais conhecidos no Brasil são
“Sociedade em Rede” e “Comunicação e Poder”, intelectual envolvido com o movimento de Maio de 68, na
França. Sobretudo no segundo título, Castells disseca o esgotamento do modelo
de democracia representativa, afirmando que a “classe política” passou a
defender seus próprios interesses corporativos, distanciando-se dos interesses
da sociedade como um todo. Ou seja, criou-se uma cisão entre representantes e
representados, obrigando esses últimos a criarem novos padrões de participação
democrática num mundo globalizado e digitalizado.
Castells
tornou-se o guru da ala dissidente do Partido Verde, que acompanha suas
palestras com atenção redobrada. O grupo, liderado por Marina Silva, que obteve
um capital eleitoral de 20 milhões de votos na última eleição presidencial,
vieram se juntar um número expressivo de parlamentares e militantes da legenda.
Esses dissidentes estavam se sentindo bastante incomodados com os
constrangimentos da democracia interna da agremiação, exigindo maior oxigenação
dessas relações.
Pelo Blog
fizemos algumas postagens sobre esse tema, comentando sobre uma fictícia visita
que outro sociólogo, o alemão Robert Michels, teria feito à sede do Partido
para discutir suas idéias sobre a oligarquização das agremiações partidárias e
sindicais. Michels é o autor da “Lei de Ferro das Oligarquias”.Tratou-se,
obviamente, de uma brincadeira, pois Michels já se encontra na arena celeste,
observando como se dão essas relações lá por cima, dialogando com os
anarquistas sobre as suas decepções políticas.
Castells
sugere que precisamos mudar esses padrões de representação, criando mecanismos
que possam facultar aos indivíduos uma participação mais ativa nesses processos.
É neste sentido que as redes sociais cumprem um papel cada vez mais relevante
nas eleições e na fiscalização das ações do Estado. Durante viagem à Espanha, o
prefeito do Recife foi surpreendido por uma enxurrada de postagens nas redes
sociais reclamando a sua ausência, num momento em que o Recife era castigado
por chuvas torrenciais. Não teve dúvidas. Abandonou as touradas de Madri pela
lama do Recife. Do contrário, as redes poderiam proporcionar um estrago maior
do que as chuvas ao seu projeto de reeleição.
Não raro,
recebemos mensagens para participar de eventos políticos ou manifestações
através das redes. Políticos monitoram as redes sistematicamente. Não
encontramos nenhuma chamada, através das redes, sobre as mobilizações que
ocorreram em defesa do Recife Antigo. Talvez por isso, não mais do que 60
pessoas acompanharam as manifestações. O título do artigo é uma analogia ao
filme “A classe operária vai ao paraíso”, de Elio Petri, realização italiana de
1971. No filme, cujo ator principal é Ludovico Massa, o Lulu – qualquer
semelhança não é mera coincidência – é abordado o papel da classe operária na
história universal da luta e classes. Hoje, na sociedade do consumo coletivo, é
a classe política que vem se apropriando ou partidarizando nacos do estado,
colocando-o a serviço dos seus interesses. Talvez as redes sociais possam
detê-los.
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