A aprovação quase compulsória de alunos reduz o risco de escapes mais
rápidos e nem sempre legais de sobrevivência e ascensão social
Muita gente critica o que seriam leniências do setor público em relação à
educação, enfatizando dois pontos. O primeiro é a aprovação ou promoção
quase compulsória dos alunos do ensino fundamental. O segundo é a
aceitação de abertura de inúmeros cursos superiores.
No primeiro caso, alega-se que tal política não só forma maus alunos,
que fracassarão adiante, como também os deseduca socialmente, uma vez
que retira dos professores e diretores o poder de puni-los pela
reprovação ou retenção.
No segundo caso, a crítica é à enxurrada de maus profissionais no
mercado de trabalho, o que prejudica o recrutamento, a produtividade e a
competitividade e, em alguns casos, compromete a segurança
(engenharias, saúde etc.).
Não nego totalmente esses aspectos. Têm de ser, na medida razoável,
considerados e mitigados. Mas é preciso que esses críticos observem os
benefícios dessas políticas -que não são triviais e podem, se forem
acompanhados de aperfeiçoamentos, sustentar sua continuidade e sua
ampliação.
As crianças que estão em escolas públicas são carentes não só de
recursos financeiros, como também de condições de habitação, saneamento e
alimentação, entre outros. A estrutura social e familiar que as cerca
muitas vezes é precária -no sentido de assegurar proteção, afeto,
referência moral e autoestima.
Estudar, nesse caso, é um acidente que, tão logo seja possível, será
descartado, com apoio de parentes e amigos, em prol de formas mais
rápidas (e nem sempre legais) de sobrevivência e ascensão social.
Em resumo, tudo atua para que essas crianças saiam da escola. A escola
precisa, então, disputá-las com seu ambiente, para ganhar sua adesão,
sua permanência, sua continuidade. A reprovação, certamente, não ajudará
nesse desafio.
Para os que treplicarem que é melhor resolver antes a questão social,
apresento dois argumentos: a) isso demora; e b) manter mais crianças na
escola por mais tempo diminui o problema social a ser resolvido.
Quanto à crítica à proliferação de escolas superiores -à qual eu poderia
adicionar pelo menos uma, que é sua utilização como base de sustentação
política-, considere-se que elas põem em contato com livros,
fotocópias, computadores, professores, colegas, trabalhos, exercícios,
discussões, ambientes, dados, informações, formas de convívio, pesquisas
e tudo o mais que existe nas comunidades acadêmicas, uma massa de
adultos que dificilmente teriam tais experiências.
Alguns deles serão bem-sucedidos, mesmo oriundos de escolas fracas. O
mercado os testará sem comiseração. Outros não vingarão em sua área, por
seleção do mercado ou porque o curso não lhe interessava como vocação
profissional e, sim, como qualificação salarial (que poderão obter).
Talvez sigam em suas profissões de nível médio -mas muito mais
qualificados, educados, instruídos. Talvez empreendam -com muito melhor
formação. E muitos outros talvez nem concluam seus cursos, ou os
concluam de forma muito negligente. Mas todos eles terão lido, assistido
a aulas, convivido com universos que, no mínimo, propiciarão parâmetros
novos, diferentes do exclusivismo do ócio, da violência e dos vícios.
Também aqui se pode argumentar que a questão social é mais relevante e
precedente. Eu respondo com as seguintes questões: pergunte aos
familiares e convivas desses adultos se a relação com eles é indiferente
à sua condição de estudante; imagine como esses adultos tratarão seus
filhos em relação à educação e a comportamentos, interesses e ambições; e
imagine essa massa de adultos que afluiu a tais escolas nos últimos
anos se sua demanda não tivesse sido atendida.
É uma forma mais complexa de fazer a discussão. Mas vale a pena.
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