pub-5238575981085443 CONTEXTO POLÍTICO. : Zizek, a unanimidade e a esquerda radical, artigo de Roberto Robaina
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domingo, 24 de fevereiro de 2013

Zizek, a unanimidade e a esquerda radical, artigo de Roberto Robaina

O dramaturgo Nelson Rodrigues, que muito nos mostrou a vida como ela é, já dizia que a unanimidade é burra. Este é o espirito que acredito ser o mais convincente para se encarar os debates públicos. É com ele que vale a pena assistir as conferências que Slavoj Zizek vai proferir em Porto Alegre, São Paulo, Brasília e Recife.
Por onde passa, Zizek atrai muita gente. Em menos de uma semana as inscrições foram esgotadas. Esta busca, esta vontade de participar de debates com um filósofo e psicanalista que escreveu sobre Lenin com simpatia e que se proclama anticapitalista não é à toa. E vai além de seu talento. A crise do capitalismo atual somente pode ser equiparada com a crise dos anos 30. Depois de 50 anos de acumulação capitalista, finalmente a máquina emperrou. Não quer dizer que a crise não seja superada, mas a estagnação é um fato. E as dificuldades de um novo período de longa acumulação estão evidentes. A ideia de colapso do capital é real, embora, como várias vezes disse o mestre Lenin, não há situações sem saída para o capitalismo.
Mas o que tem isso a ver com o filósofo que alguns querem que seja apenas um pop star? É a velha questão da crise de direção revolucionária definida por Leon Trotsky. Os reformistas de todos os tempos ficam loucos quando falamos disso. Mas eles também diziam que estávamos delirando quando dizíamos que a crise capitalista não era um fenômeno do passado. Muito menos a crise de direção. A formulação mais universal e precisa de tal crise é a ausência de alternativas anticapitalistas e socialistas para a crise global que vivemos. Diante da ausência de alternativas e da conversão em seu contrário de muitos partidos – é o caso do PT*, que de um partido anticapitalista converteu-se na ideologia do social-liberalismo – as pessoas que despertam diante das contradições atuais do sistema, contradições cada vez mais graves, buscam expressões que possam canalizar, nem que seja parcialmente, sua indignação e sua vontade de construir algo novo sob o sol. Na ausência de grandes debates partidários, um intelectual crítico começa a ser encarado como uma instituição, e os lugares em que ele vai animam muitos a ir lá conferir o que ele tem a dizer.
É certo que o próprio Zizek iria pular com esta explicação. Ele disse recentemente em entrevista para o jornal Zero Hora que a crise do capitalismo é apenas europeia. Sim, disse esta bobagem: a crise é somente europeia. É claro que todos que leram os seus livros sabem que ele escreveu coisas opostas a esta. Em seu Vivendo no fim dos tempos, Zizek diz simplesmente assim: “ A premissa subjacente deste livro é simples: o sistema capitalista global aproxima-se de um ponto zero apocalíptico. Seus quatro cavaleiros do Apocalipse são a crise ecológica, as consequências da revolução biogenética, os desequilíbrios do próprio sistema (problemas de propriedade intelectual, a luta vindoura por matéria prima, comida e água) e o crescimento explosivo das divisões e exclusões sociais.” (Pg 12). Ainda bem que ele não disse para esquecerem o que ele escreveu. Zizek, aliás, depois de jogar algumas ilusões numa certa gestão de esquerda dos negócios capitalistas diz que continua anticapitalista. Neste caso foi bom mesmo avisar.
Então, o fato é que todos nós precisamos de um debate profundo sobre qual é o estado da situação e que perspectivas estão postas para quem defende uma transformação estrutural da realidade. É incrível que um dos lugares mais dinâmicos em que esta discussão está em curso é na Grécia. Segundo Badiou, a ideia de Bem pensada por Platão na Grécia antiga tem muito vínculo com a proposta comunista do século XXI. Badiou escreveu um livro sobre Platão que ainda não está traduzido para o português onde justamente faz uma releitura acerca das ideais de Platão precisamente para construir e fortalecer as ideais comunistas. E corretamente diz que é a possibilidade deste tipo de releitura que permite a eternidade de uma obra. É o caso da República de Platão.
Entre os protagonistas atuais deste debate esta a coalizão da esquerda radical Syriza. Eles não têm tudo resolvido – longe disso – nem pregam a unanimidade – que é burra lá como aqui. Mas sempre é bom saber que no país em que a crise do capitalismo está mostrando sua força terrível e degradante, os trabalhadores e jovens estejam empenhados em lutar por uma alternativa. Por sinal, no excelente livro de Zizek, “O vivendo no fim dos tempos”, publicado em 2010, o barbudo de fala agitada deu um chute para fora do gol tremendo quando falou da Grécia. Disse que a “história da esquerda grega comprova mais uma vez a miséria da esquerda contemporânea: não há conteúdo positivo em seu protesto, apenas uma recusa generalizada de fazer concessões para defender o Estado de bem-estar social”. (pg 347). Ufa! Quem conhece a história da esquerda grega sabe que ela enfrentou o nazismo e golpes contrarrevolucionários terríveis. Acho que não completou um ano e o próprio Zizek estava num grande ato público defendendo o Syriza como um excelente exemplo de esquerda. Lideres do PSOL como Luciana Genro estiveram também em Atenas, junto com esta coalização da esquerda radical grega, entregando a eles todo o nosso apoio. No caso de Zizek, embora tenha criticado uma esquerda que se limite a defender apenas o bem estar social, acha um grande progresso que o Brasil tenha o bolsa família como conquista. Aí realmente não faz sentido.
Como todos perceberam, com Zizek estamos longe da unanimidade. Não perdemos nunca de vista, porem, seus méritos extraordinários. Não apenas em seus livros encontram-se ideias brilhantes no terreno da filosofia, da psicanálise, do cinema e da política. Mas no terreno específico da política sua popularidade e sua imensa capacidade intelectual tem ajudado a despertar muita gente para as ideias da esquerda radical (radical no sentido dado por Marx, de tomar as coisas pela raiz). Com seu capital cultural, Zizek tem chamado a atenção para a obra de Lenin, defendendo que este mestre da revolução seja resgatado. Temos esta dívida como Zizek. Isso já foi dito por Alex Callinicos e creio que é um reconhecimento justo.
* Zizek disse em sua entrevista a Zero Hora e seu livro acima citado que Lula apenas corrompeu pequenos partidos. Talvez Zizek ignore que o PT tem entre seus líderes não apenas corruptores, mas corruptos, entre os quais estão consultores de grandes empresas capitalistas, como é o caso dos ex-ministros (os todo poderoso) Palloci e José Dirceu.
Roberto Robaina é presidente da Fundação Lauro Campos.

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