A democracia está de luto. Morreu ontem, em
São Paulo, o ex-ministro da Justiça e ex-presidente da Fundação Joaquim
Nabuco, Fernando Lyra. Um homem de convicções democráticas, que sempre
exerceu a função pública orientado pelos princípios da
justiça, dos valores republicanos e da democratização da democracia.
Lyra cumpriu um papel importante no processo de desmonte da ditadura
militar e nos arranjos políticos que culminaram na redemocratização do
país, constituindo-se num dos principais articuladores da candidatura
vitoriosa de Tancredo Neves, ainda nos extertores do regime militar.
Como Ministro da Justiça, sua atuação superou - em muito - as críticas eivadas de preconceito
que se faziam à época - também a exemplo de Paulo Brossard - ao "Bacharel de
Caruaru". Foi o responsável pela remoção de alguns entulhos
autoritários, fundamentais para oxigenar o Estado. Seu último cargo
público foi de presidente da Fundação Joaquim Nabuco, onde, cumprindo um
rito de sua personalidade, contribuiu sensivelmente para ampliar o
diálogo institucional. Nossa solidariedade à família Lyra, que já não
poderá contar com sua afável companhia nos tradicionais churrascos
políticos da Fazenda Macambira,onde os "conspiradores" se reuniam na Princesa do Agreste. A Fazenda Macambira, em razão de uma série de circunstâncias, tornou-se um verdadeiro termômetro político do Estado. O São João era um dos mais concorridos e a presença de algum "adversário" na festa poderia significar uma adesão política, como ocorreu com um macielista de carteirinha, convertido logo em seguida em eduardista. Dizem que teria se rendido ao sabor da "pamonha".
A morte de Lyra representa a perda de um ícone da redemocratização do país. Ministro da Justiça do Governo Sarney, conforme já afirmamos, convidou o jurista Paulo Cavalcanti para exercer um cargo estratégico naquele ministério, onde promoveu mudanças importantes, todas no sentido de facultar à sociedade todas as garantias inerentes do estado de direito, vilipendiado pelos ditadores de plantão. Infelizmente, no Brasil, ainda existem alguns "entulhos" autoritários que precisam ser removidos, mas, enquanto reuniu as condições institucionais necessárias, homens de convicções democráticas como Lyra, se empenharam em removê-los. Numa de suas "tiradas" dizia que Sarney era a vanguarda do atraso.
Seu último cargo público foi o de presidente da Fundação Jaoquim Nabuco, indicado pelo pernambucano Cristóvam Buarque. Assumiu a Instituição num momento de transição, quando a coligação petista assumiu o poder, o que representou, à época, uma ruptura emblemática com o patrimonialismo pernambucano e uma grande expectativa em torno dos rumos que iria imprimir à Instituição criada pelo sociólogo Gilberto Freyre.
Como no país do "jeitinho" e do "jogo de cintura" rupturas não são possíveis, dentro do possível, contribuiu para azeitar o diálogo entre o "velho" e o "novo", sem revanchismo, promovendo uma convivência pacífica entre o emergente e o residual, tocando uma obra de engenharia política que ele conhecia muito bem. Dentro dessa "margem de manobra", apoiou todas as iniciativas institucionais voltados para a inclusão, seja cultural ou social, desenvolvendo alguns projetos importantes no contexto do serviço público federal, permitindo a quebra de alguns paradigmas institucionais "engessados", construindo "pontes" importantes com amplos segmentos sociais, alguns dos quais bastante fragilizados socialmente.Um legado que não será esquecido. A essa altura deve estar trocando algumas idéias com o ensaísta Carlos Nelson Coutinho e o arquiteto Oscar Niemeyer, outros grandes homens que se afastaram de nosso convívio recentemente, conspirando por uma sociedade mais justa, mas fraterna e mais democrática.
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