PARAGUAI E BRASIL |
“Parlamentarismo deslocado” e a “ponte da amizade” |
O golpe contra o governo Lugo colocou o Paraguai na contramão do progressismo da região; o golpe contra Dilma colocaria o progressismo na contramão
|
por Henrique Ferreira |
Com o golpe de 2009 contra Manuel Zelaya, presidente de Honduras deposto pelo Congresso, abriu-se no continente latino-americano o precedente de interrupção de um governo por meio de artimanhas e prerrogativas do Parlamento.
Em 2012, o Congresso paraguaio aperfeiçoou o uso de um julgamento político para interromper um governo; valendo-se da comoção que produziu o massacre de Curuguaty, armaram o julgamento de Lugo, que se transformou em golpe parlamentar.
O impeachment no Brasil tem etapas que permitem desenvolver uma defesa com mais tempo – no Paraguai, os julgamentos políticos são trâmites rápidos: Lugo foi deposto em uma semana de processo. Porém, da mesma forma que no Paraguai, esse instrumento republicano, no caso da presidenta Rousseff, foi levado a cabo sem provas reais e acusações fundadas. A base governista rachou e o Congresso formou um governo por eleição indireta.
Deixamos de ser um país fragmentado, com pequenos núcleos agrícolas autossuficientes e desconectados desde a década de 1960, após a construção da represa hidrelétrica de Itaipu, que alistou forças de trabalho locais e despovoou o campo. Com a estrada então inaugurada, que uniu a capital à fronteira do Brasil, muitos brasileiros de zonas rurais que antes não podiam pagar os altos preços pela terra em seu país tiveram acesso a ela no Paraguai. A consequência pode ser percebida no norte e no noroeste do país, onde há muitos “brasiguaios” assentados e arraigados culturalmente.
Quase 90% das terras cultiváveis se destinam à produção em grande escala e monocultura; 2,6% dos proprietários concentram 85% das terras;1 brasileiros teriam 4.792.528 hectares; estrangeiros, 7.708.200 hectares, área equivalente a quatro departamentos2 juntos na região de fronteira com o Brasil.3 A área total nacional é de 40.675.200 hectares, dos quais 12% estão nas mãos de brasileiros.
Desde 2005 existe a Lei de Segurança Fronteiriça – que proíbe a compra de terras de fronteira por estrangeiros –, mas os proprietários de terra brasileiros não permitiram que ela fosse aplicada. Um dos maiores opositores brasileiros à lei é Tranquilo Favero, e esse conflito foi mencionado no documento de acusação durante o julgamento político de Lugo em 2012.
Em 1989, com o golpe de Estado perpetrado pelas Forças Armadas, o então ditador Alfredo Stroessner se exilou no Brasil.
Durante a instável transição democrática do Paraguai, governos colorados se alternaram e colocaram em xeque suas próprias disputas internas. O Itamaraty teve um protagonismo importante nesses acontecimentos. O embaixador brasileiro no Paraguai, Marcio de Oliveira Dias, designado por Fernando Henrique Cardoso, conta como organizou um encontro entre os presidentes brasileiro e paraguaio, para que este último tivesse apoio para destituir o conhecido general golpista Cesar Oviedo.4
Em 1999, Raul Cubas Grau renunciou à presidência do Paraguai e, antes que se iniciasse um julgamento político contra ele, o Brasil lhe concedeu asilo político. Logo depois do golpe político-parlamentar que tirou Lugo do poder, o Brasil liderou o Mercosul para que fossem impostas sanções ao Paraguai. Com a chegada à presidência de Horacio Cartes, em 2013, pelo Partido Colorado, a dura posição inicial contra a Venezuela foi suavizada por uma série de telefonemas do Itamaraty, e o então chanceler brasileiro Antonio Patriota sentenciou em uma entrevista que a posição de Cartes era a de um presidente recém-eleito e que “é importante seguir o que dirá Horácio Cartes no pleno exercício do poder”.5
Onda precarizadora e “desdemocratizadora”
O mundo do trabalho no Paraguai é estrutural e historicamente precarizado: 33% dos jovens trabalham em situação de subemprego; 60% dos jovens não possuem contrato; cinco de cada dez trabalhadores de 30 a 39 anos recebem um salário mínimo; a renda média é de US$ 370, sendo o salário-base US$ 307. No fim do ano passado, o portal do governo (www.ip.gov.py) publicou um relatório do Centro Empresarial Brasil-Paraguai (Braspar) segundo o qual as empresas brasileiras economizariam 54% em custos de produção em alguns setores.6 A Gerência de Serviços de Internacionalização da Confederação Internacional das Indústrias afirma que 80% das maquilas no Paraguai são de capital brasileiro, e as exportações desse tipo de empresa cresceram 52% entre 2013 e 2014.7
Neste contexto, vemos que um dos principais apoiadores do impeachment no Brasil, a Fiesp, tem em sua agenda desmontar a CLT e terceirizar o trabalho nas empresas brasileiras, ou seja, sua política faria o Brasil retroceder ao nível paraguaio de proteção zero ao trabalhador e desmantelaria fábricas no Brasil para deslocá-las para o Paraguai, com a promessa de economia nos custos de produção.
O peso do Brasil para o Paraguai e região é de equilíbrio e, para nossa realidade, teve protagonismo com tentativas de golpe e golpes consumados.
O caso brasileiro vem demonstrar que os grupos que detêm o poder econômico e político não têm escrúpulos em colocar em prática em nossas democracias um “Parlamento deslocado”. O golpe no Brasil terá influência sobre todos os presidentes eleitos por voto popular: serão prisioneiros da dinâmica parlamentar e seus financiadores.
|
sábado, 9 de julho de 2016
Le Monde Diplomatique: "Parlamentarismo deslocado" e a "ponte da amizade".
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Nenhum comentário:
Postar um comentário