João Filho
EM MAIO DO ANO PASSADO, logo após a derrubada de Dilma Rousseff, o ministro da Educação de Michel Temer recebeu o ator e militante reacionário Alexandre Frota para ouvir suas propostas para a área. Frota foi convidado como representante do Revoltados Online – grupo que nasceu no Facebook vendendo precatórios e apoiando uma intervenção militar; cresceu espalhando boatos, compartilhando conteúdos racistas, homofóbicos; e morreu após a rede social bani-lo definitivamente por seus discursos de ódio. Um dos temas levados ao ministro foi o famigerado projeto de lei batizado de Escola Sem Partido, que visa combater o que eles chamam de “doutrinação ideológica nas escolas”.
Fernando Holiday (DEM), vereador de 20 anos eleito pelos paulistanos, resolveu aplicar este projeto em São Paulo na marra e anunciou que irá fiscalizar o seu cumprimento. Mais chato que ator mirim, o líder do MBL gravou vídeo explicando o patrulhamento que está fazendo nas escolas:
“Eu acabo de sair de uma escola onde fiz uma fiscalização surpresa. (…) Vou fiscalizar o conteúdo dado em sala de aula, isto é, se está havendo algum tipo de doutrinação ideológica (…), se tem professor entrando lá com camiseta do PT, do MST, jogando tudo para o alto e fazendo aquela doutrinação porca que a gente já conhece.”
O vereador nos dá o mais acabado exemplo da sociedade de vigilância, que pretende fiscalizar e controlar indivíduos. Na escola dos sonhos de Holiday, esta análise de Michel Foucault provavelmente jamais seria debatida em sala de aula, já que o pensador era filiado ao Partido Comunista Francês e um ícone da esquerda. O clássico “Pedagogia do Oprimido” do marxista Paulo Freire seria banido, mesmo sendo um dos livros mais requisitados pelas universidades dos EUA (o “Manifesto Comunista” de Karl Marx é o terceiro mais requisitado no país que elegeu Trump).
Provavelmente, até alguns trechos da Constituição seriam censurados nas escolas do vereador. Os parágrafos II e III do artigo 206, por exemplo, determinam exatamente o oposto do que ele prega:
Art. 206. O ensino será ministrado com base nos seguintes princípios:
II – liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento, a arte e o saber;III – pluralismo de idéias e de concepções pedagógicas, e coexistência de instituições públicas e privadas de ensino
O Escola Sem Partido fere diretamente esses princípios, tanto que foi considerado inconstitucional pelo Ministério Público Federal, pela AGU e pelo STF. Essa pretensão insana em combater uma suposta lavagem cerebral esquerdista no ensino médio não tem a mínima base na realidade. Os brasileiros estão cada vez mais conservadores. A cidade de São Paulo, então, nem se fala: elegeu Doria em primeiro turno e deu um mandato para Holiday brincar de youtuber reaça na Câmara Municipal.
O Ibope fez uma pesquisa em 2010 e outra em 2016 para medir o conservadorismo do brasileiro. Nesse período, a quantidade de pessoas que apoiam a redução da maioridade penal saltou de 63% para 78%. Os apoiadores da prisão perpétua subiram de 68% para 78%. O apoio a penas de morte pulou de 31% para 49%. Os que são contra a legalização do aborto continuaram no mesmo patamar: 78%. Bandeiras identificadas com a esquerda nunca estiveram tão impopulares. A tal histórica doutrinação marxista nas escolas tem sido tão incompetente que tem feito o país ficar ainda mais conservador. Vejam só o tamanho da insanidade dos patrulheiros! Holiday lembra Dom Quixote, ou melhor, Dom Coxote.
Alexandre Schneider fez o que se espera de um secretário de Educação e repudiou a patrulha ideológica do vereador em sua página no Facebook:
“Fui surpreendido por um vídeo do vereador do DEM/MBL, Fernando Holiday, que correu as redes sociais desde ontem. Nele, o vereador indica que visitou escolas públicas municipais para verificar se ‘estava havendo doutrinação por parte dos professores’. E pedia para que pais denunciassem casos de doutrinação.Evidentemente o vereador exacerbou suas funções e não pode usar de seu mandato para intimidar professores.A escola, como qualquer organização social, pública ou privada, não é nem nunca será um espaço neutro. A escola pública, laica, plural, não deve ser espaço de proselitismo de qualquer espécie. É o que diz a lei de diretrizes e bases da educação. É o que fundamenta a sua base republicana.”
Kim Kataguiri não podia deixar seu brother sozinho nessa e gravou vídeo esculachando o secretário:
“Ele foi secretário de Educação na gestão do Kassab e está lá até hoje porque é um poste do Kassab. Não está porque é competente, não está porque tem formação para isso, não está porque é responsável para cuidar da educação, não está por mérito próprio, está por indicação política, conchavo político, e acha que tem moral para falar sobre educação.”
Indiretamente, Kim desqualifica a escolha do seu querido João Doria Jr. O prefeito teria colocado um “poste do Kassab” para comandar uma secretaria tão importante. Holiday também arregaçou as mangas, estufou o peito e resolveu xingar muito no Twitter:
Schneider entrou pra vida pública pelas mãos de Mário Covas (PSDB), foi vice-prefeito de Serra (PSDB) e secretário de Kassab. Associá-lo à esquerda é só mais uma tentativa de desqualificar o interlocutor diante da sua plateia sem precisar rebater o argumento – uma prática usual da turminha sapeca do MBL. Com a turba incendiada pelo movimento, Schneider foi alvo de uma série de ofensas pessoais.
Um vereador fiscalizar o conteúdo de um professor dentro do seu local de trabalho não é apenas uma bizarrice que flerta com o fascismo, mas um claro abuso de autoridade. Holiday foi eleito para exercer uma função legislativa, mas seu ímpeto em gravar vídeos e lacrar esquerdistas nas redes o leva sistematicamente a extrapolar as funções do seu mandato. Em pouco mais de três meses, ele já foi acusado de diversas irregularidades: é alvo de inquérito policial por fazer propaganda eleitoral no dia da votação, de um pedido de cassação por ter ajudado um youtuber do MBL a invadir uma reunião fechada do PT na Câmara, e é acusado – com fartas provas apuradas por Tatiana Farah e Severino Motta do BuzzFeed – de se lambuzar no caixa 2 ao pagar em dinheiro vivo colaboradores de campanha e não declarar. A explicação dele sobre essa última acusação é tão sofrível e macarrônica que quase parece uma confissão de culpa. Deve ser triste para os que acreditaram no discurso moralista do menino que berrava contra o caixa 2 vê-lo se tornando um usuário da prática.
Com a polêmica instaurada, Holiday finalmente entendeu a função de um vereador e resolveu protocolar na Câmara Municipal o projeto Escola Sem Partido. Mas chega a ser engraçado imaginar que ele estava indo nas escolas fiscalizar o cumprimento de uma lei que nunca existiu e provavelmente nunca existirá por ser claramente inconstitucional. Se um dia Holiday virar presidente da República – bate na madeira! – será difícil para ele encontrar algum bom educador que esteja alinhado às suas loucuras para chefiar o MEC. Só consigo mesmo pensar em Alexandre Frota.
(Publicado originalmente no site do Intercept Brasil)
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