Um governo sem legitimidade é uma democracia? O certo é que: um governo impopular que cria medidas para salvar o mercado, não pode ser uma democracia
Toda prática humana que possa ser convertida em mercadoria deixa de ser acessível ao poder democrático.
Ellen Meiksins Wood
Um governo sem legitimidade é uma democracia? O certo é que: um governo impopular que cria medidas para salvar o mercado, não pode ser uma democracia. Hoje as reformas que buscam ser implantadas pelo governo golpista não precisam mais da aprovação popular. São polêmicas, mas a imprensa apresenta toda a discussão sobre elas como um jogo de xadrez entre os políticos.
As reformas são encaradas como uma negociação entre parlamentares, e não algo para o bem popular. “Maia afirmou que espera que a base aliada ao governo esteja recomposta para alcançar o quórum de 308 votos, mínimo necessário para aprovar uma proposta de emenda à Constituição”.[1] Tudo não passa de um jogo entre os picaretas. Quanto ao povo; este deve ser passivo, esperar as decisões dos seus “superiores”. Foi desmascarado o projeto de poder dos golpistas. E a TV, os jornais e o rádio passaram a exercer de forma clara sua função de aparelhos ideológicos do Estado.
O jornal O Globo, em seu editorial, disse: “Rodrigo Maia deseja que a proposta de atualização do sistema previdenciário seja retomada de onde parou, após a aprovação em comissão especial, sem qualquer alteração para reduzi-la a poucos pontos. Maia tem razão”.[2] Uma razão construída a partir de um suposto conflito técnico, jamais em prol da sociedade. Parece que entregamos o poder nas mãos de quem realmente sabe o que faz, que não se incomoda com a ira do povo, mas apenas em si manter no poder.
No G1, o jornalista João Borges resgata novamente as posições de Rodrigo Maia, o político da vez: “Maia já disse que Temer precisa reorganizar a base se quiser aprovar a reforma”. Não se fala mais que o presidente precisa convencer o povo. Podemos até achar que nunca foi assim, que nunca houve esse interesse do político (coisa que não é verdade), mas a imprensa confirmar isso e não mostrar nenhuma posição é um absurdo.
A jornalista Miriam Leitão, vez ou outra, diz que a reforma da Previdência deve ser discutida com a sociedade. No entanto, na tentativa de dissociar o projeto da imagem denegrida do presidente, apoia Rodrigo Maia que não pretende mais dialogar sobre os elementos que compõem o texto reformista. “Quem está certo é o presidente da Câmara dos Deputados, que delimitou a discussão”.
O secretário-executivo do Ministério da Fazenda, Eduardo Guardia, destacou a importância de priorizar a Reforma da Previdência: “O senso de prioridade e de urgência neste momento é discutir a reforma da Previdencia”. Pergunto eu: discutir com quem? Em seguida, a repórter Mariana Carneiro, fala das dúvidas do Ministro Meirelles que “evitara prever se a reforma tributária poderia avançar antes que a previdenciária, dado o potencial de resistência da segunda entre os parlamentares”.[3]
Não se pensa no cidadão. E isso pode até soar como o óbvio. Contudo, sabemos que muitos políticos que apoiaram o golpe e votaram contra Temer em relação a sua cassação o fez pensando na eleição futura. No entanto, a mídia ressalta isso sem escrever nenhuma linha sobre a necessidade de diálogo com a população. Não há mais retórica. Não se quer mais convencer o povo das reformas. Querem apenas mostrar, ou que elas são moedas de troca, ou que vão salvar o país devido ao aumento dos gastos públicos.
No período do impeachment, víamos no programa da Ana Maria Braga, jovens ensinando a fazer bandeiras e definindo quais palavras de ordem dizer. Hoje só se fala do jogo político no interior do congresso. Querem nos forçar a acreditar que tudo não passa de um Game of Thrones ou de um House of Cards e não da luta de classes. Silenciam a população que deve ficar enclausurada em suas casas com medo da violência e, por seu turno, escondem a burguesia que está por traz de todas essas reformas realizadas para salvar suas fortunas.
A imprensa não é um veículo portador de “fatos” e “verdade”, ela é um agente histórico que intervém nos processos e acontecimentos, como mostraram os historiadores Robert Darnton e Daniel Roche. A imprensa no Brasil do século XIX, por exemplo, participou nas disputas de símbolos e das formas de representação da identidade nacional.[4] O que vemos hoje é a mesma coisa, no entanto, há uma exclusão da participação popular, pelo menos quando se trata do tema das reformas após a aprovação parlamentar da absolvição do famigerado presidente da República.
A questão da popularidade e a reação popular frente às reformas, pelo menos após a votação que condenaria Michel Temer, são debatidas apenas por uma mídia vinculada aos movimentos de esquerda. A grande mídia diminuiu até mesmo seus ataques ao seu fantoche político para focalizar nas reformas.
Eliseu Padilha, afirmava em maio desse ano que “o presidente Michel Temer não busca popularidade e que o objetivo é fazer um governo de reformas”.[5] Isto é, calar as vozes das ruas. A mídia até tentou colocar tudo na culpa de Temer e fomentar o ódio contra este e depois dissociar a imagem do presidente das reformas. Mas com a vitória da reforma trabalhista viu-se que as reformas poderiam ser implementadas mesmo com impopularidade. E o desmonte da democracia seguiu em frente.
Contudo, as grandes corporações que financiam a mídia não deixaram de construir seu candidato, João Doria, que Temer chama de “parceiro” e que ainda sofre com a impopularidade. Prova disso foi sua recepção pela população baiana a base de ovos. Mas se Doria não conseguir sua popularidade, por mais que não gostem do Bolsonaro, as classes dominantes não titubearão em escolhê-lo. Por que se há algo que as elites capitalistas e a extrema direita têm em comum no Brasil de hoje, sem dúvida, é o ódio à esquerda.
O foco saiu das ruas e foi para o Planalto. O único vozerio que ecoa na TV e nas páginas dos jornais mais vendidos é o dos homens e mulheres (com exceção de uma minoria) comprometidos a garantir as próximas eleições. Nunca o povo teve conhecimento dos nomes dos políticos como se tem hoje. E na tribuna, aumentaram os quilos de maquiagem e os jargões rebuscados, pois os políticos sabem que estão na TV e que muitos (passivamente) o assistem.
Não pode haver democracia com uma impopularidade que não incomoda! Parece os governos ditatoriais (com exceção dos populistas). Temos que lutar por uma democracia mais participativa, como estamos vendo acontecer na Espanha, onde o Podemos se mostrou como uma alternativa para uma esquerda mais moderna e muito mais popular que o PSOE.[6] Há diversas soluções, onde a democracia se mostra como o melhor caminho, só não podemos aceitar um governo que não ouve seu povo e desdenha os seus interesses
* Doutorando em História Política da UERJ e professor da rede municipal do Rio de Janeiro e de Itaguaí.
[1] http://veja.abril.com.br/economia/maia-quer-votar-reforma-da-previdencia-ate-inicio-de-setembro/
[2] http://noblat.oglobo.globo.com/editoriais/noticia/2017/08/e-melhor-nao-fatiar-reforma-da-previdencia.html
[3] http://www1.folha.uol.com.br/mercado/2017/08/1907966-para-fazenda-prioridade-e-avancar-na-reforma-da-previdencia.shtml
[4] LIMA, Ivana Stolze. Cabra gente brasiliera do gentio da Guiné: imprensa, política e identidade no Rio de Janeiro (1831-1833). NEVES, Lucia Maria Bastos P. (et. al.) História da imprensa: representações culturais e práticas de poder. Rio de Janeiro: DP&A, 2006. p. 299.
[5] http://cbn.globoradio.globo.com/programas/moreno-no-radio/2017/05/05/ELISEU-PADILHA-DIZ-QUE-TEMER-NAO-BUSCA-POPULARIDADE-GOVERNO-DE-REFORMA.htm
[6] PERRENOT, Pauline. e SLONSKA-MALVAU, Vladimir. Nas cidades rebeldes da Espanha. Le monde diplomatique Brasil, ano. 10, n. 115, fev. 2017.
Um governo sem legitimidade é uma democracia? O certo é que: um governo impopular que cria medidas para salvar o mercado, não pode ser uma democracia. Hoje as reformas que buscam ser implantadas pelo governo golpista não precisam mais da aprovação popular. São polêmicas, mas a imprensa apresenta toda a discussão sobre elas como um jogo de xadrez entre os políticos.
As reformas são encaradas como uma negociação entre parlamentares, e não algo para o bem popular. “Maia afirmou que espera que a base aliada ao governo esteja recomposta para alcançar o quórum de 308 votos, mínimo necessário para aprovar uma proposta de emenda à Constituição”.[1] Tudo não passa de um jogo entre os picaretas. Quanto ao povo; este deve ser passivo, esperar as decisões dos seus “superiores”. Foi desmascarado o projeto de poder dos golpistas. E a TV, os jornais e o rádio passaram a exercer de forma clara sua função de aparelhos ideológicos do Estado.
O jornal O Globo, em seu editorial, disse: “Rodrigo Maia deseja que a proposta de atualização do sistema previdenciário seja retomada de onde parou, após a aprovação em comissão especial, sem qualquer alteração para reduzi-la a poucos pontos. Maia tem razão”.[2] Uma razão construída a partir de um suposto conflito técnico, jamais em prol da sociedade. Parece que entregamos o poder nas mãos de quem realmente sabe o que faz, que não se incomoda com a ira do povo, mas apenas em si manter no poder.
No G1, o jornalista João Borges resgata novamente as posições de Rodrigo Maia, o político da vez: “Maia já disse que Temer precisa reorganizar a base se quiser aprovar a reforma”. Não se fala mais que o presidente precisa convencer o povo. Podemos até achar que nunca foi assim, que nunca houve esse interesse do político (coisa que não é verdade), mas a imprensa confirmar isso e não mostrar nenhuma posição é um absurdo.
A jornalista Miriam Leitão, vez ou outra, diz que a reforma da Previdência deve ser discutida com a sociedade. No entanto, na tentativa de dissociar o projeto da imagem denegrida do presidente, apoia Rodrigo Maia que não pretende mais dialogar sobre os elementos que compõem o texto reformista. “Quem está certo é o presidente da Câmara dos Deputados, que delimitou a discussão”.
O secretário-executivo do Ministério da Fazenda, Eduardo Guardia, destacou a importância de priorizar a Reforma da Previdência: “O senso de prioridade e de urgência neste momento é discutir a reforma da Previdencia”. Pergunto eu: discutir com quem? Em seguida, a repórter Mariana Carneiro, fala das dúvidas do Ministro Meirelles que “evitara prever se a reforma tributária poderia avançar antes que a previdenciária, dado o potencial de resistência da segunda entre os parlamentares”.[3]
Não se pensa no cidadão. E isso pode até soar como o óbvio. Contudo, sabemos que muitos políticos que apoiaram o golpe e votaram contra Temer em relação a sua cassação o fez pensando na eleição futura. No entanto, a mídia ressalta isso sem escrever nenhuma linha sobre a necessidade de diálogo com a população. Não há mais retórica. Não se quer mais convencer o povo das reformas. Querem apenas mostrar, ou que elas são moedas de troca, ou que vão salvar o país devido ao aumento dos gastos públicos.
No período do impeachment, víamos no programa da Ana Maria Braga, jovens ensinando a fazer bandeiras e definindo quais palavras de ordem dizer. Hoje só se fala do jogo político no interior do congresso. Querem nos forçar a acreditar que tudo não passa de um Game of Thrones ou de um House of Cards e não da luta de classes. Silenciam a população que deve ficar enclausurada em suas casas com medo da violência e, por seu turno, escondem a burguesia que está por traz de todas essas reformas realizadas para salvar suas fortunas.
A imprensa não é um veículo portador de “fatos” e “verdade”, ela é um agente histórico que intervém nos processos e acontecimentos, como mostraram os historiadores Robert Darnton e Daniel Roche. A imprensa no Brasil do século XIX, por exemplo, participou nas disputas de símbolos e das formas de representação da identidade nacional.[4] O que vemos hoje é a mesma coisa, no entanto, há uma exclusão da participação popular, pelo menos quando se trata do tema das reformas após a aprovação parlamentar da absolvição do famigerado presidente da República.
A questão da popularidade e a reação popular frente às reformas, pelo menos após a votação que condenaria Michel Temer, são debatidas apenas por uma mídia vinculada aos movimentos de esquerda. A grande mídia diminuiu até mesmo seus ataques ao seu fantoche político para focalizar nas reformas.
Eliseu Padilha, afirmava em maio desse ano que “o presidente Michel Temer não busca popularidade e que o objetivo é fazer um governo de reformas”.[5] Isto é, calar as vozes das ruas. A mídia até tentou colocar tudo na culpa de Temer e fomentar o ódio contra este e depois dissociar a imagem do presidente das reformas. Mas com a vitória da reforma trabalhista viu-se que as reformas poderiam ser implementadas mesmo com impopularidade. E o desmonte da democracia seguiu em frente.
Contudo, as grandes corporações que financiam a mídia não deixaram de construir seu candidato, João Doria, que Temer chama de “parceiro” e que ainda sofre com a impopularidade. Prova disso foi sua recepção pela população baiana a base de ovos. Mas se Doria não conseguir sua popularidade, por mais que não gostem do Bolsonaro, as classes dominantes não titubearão em escolhê-lo. Por que se há algo que as elites capitalistas e a extrema direita têm em comum no Brasil de hoje, sem dúvida, é o ódio à esquerda.
O foco saiu das ruas e foi para o Planalto. O único vozerio que ecoa na TV e nas páginas dos jornais mais vendidos é o dos homens e mulheres (com exceção de uma minoria) comprometidos a garantir as próximas eleições. Nunca o povo teve conhecimento dos nomes dos políticos como se tem hoje. E na tribuna, aumentaram os quilos de maquiagem e os jargões rebuscados, pois os políticos sabem que estão na TV e que muitos (passivamente) o assistem.
Não pode haver democracia com uma impopularidade que não incomoda! Parece os governos ditatoriais (com exceção dos populistas). Temos que lutar por uma democracia mais participativa, como estamos vendo acontecer na Espanha, onde o Podemos se mostrou como uma alternativa para uma esquerda mais moderna e muito mais popular que o PSOE.[6] Há diversas soluções, onde a democracia se mostra como o melhor caminho, só não podemos aceitar um governo que não ouve seu povo e desdenha os seus interesses
* Doutorando em História Política da UERJ e professor da rede municipal do Rio de Janeiro e de Itaguaí.
[1] http://veja.abril.com.br/economia/maia-quer-votar-reforma-da-previdencia-ate-inicio-de-setembro/
[2] http://noblat.oglobo.globo.com/editoriais/noticia/2017/08/e-melhor-nao-fatiar-reforma-da-previdencia.html
[3] http://www1.folha.uol.com.br/mercado/2017/08/1907966-para-fazenda-prioridade-e-avancar-na-reforma-da-previdencia.shtml
[4] LIMA, Ivana Stolze. Cabra gente brasiliera do gentio da Guiné: imprensa, política e identidade no Rio de Janeiro (1831-1833). NEVES, Lucia Maria Bastos P. (et. al.) História da imprensa: representações culturais e práticas de poder. Rio de Janeiro: DP&A, 2006. p. 299.
[5] http://cbn.globoradio.globo.com/programas/moreno-no-radio/2017/05/05/ELISEU-PADILHA-DIZ-QUE-TEMER-NAO-BUSCA-POPULARIDADE-GOVERNO-DE-REFORMA.htm
[6] PERRENOT, Pauline. e SLONSKA-MALVAU, Vladimir. Nas cidades rebeldes da Espanha. Le monde diplomatique Brasil, ano. 10, n. 115, fev. 2017.
(Publicado originalmente no Portal Carta Maior)
Nenhum comentário:
Postar um comentário