pub-5238575981085443 CONTEXTO POLÍTICO. : Rafael Braga é insignificante para o judiciário, que se comporta como casta corportativa
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sábado, 12 de agosto de 2017

Rafael Braga é insignificante para o judiciário, que se comporta como casta corportativa

Ronilso Pacheco


O Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro negou o pedido de habeas corpus para o jovem Rafael Braga Vieira, no caso de sua condenação a 11 anos por porte de drogas e tráfico, e a defesa vai recorrer ao Superior Tribunal de Justiça. 
Já não é possível dizer que o caso de Rafael Braga Vieira seja desconhecido. A imprensa no Brasil e no mundo acompanha e noticia sua história a cada julgamento. O Instituto Tomie Ohtake, uma das salas de arte mais importantes do país, está com uma exposição em sua homenagem e cada vez mais artistas o citam em seus shows e espetáculos. A filósofa Ângela Davis, em recente passagem pela Bahia posou para foto com camisa do Rafael. Há quatro anos, ele conta com o apoio direto da Campanha Pela Liberdade de Rafael Braga Vieira, grupo que se reúne nas escadarias da Cinelândia, no Rio, para discutir o caso, acompanhar, organizar mobilizações e demais estratégias.
Ainda assim, o jovem negro e pobre, preso no contexto das manifestações de 2013 e com uma nova condenação por tráfico em abril de 2017, segue na prisão. As sistemáticas recusas do Judiciário do Rio em absolver Rafael Braga entram e saem mais ou menos em evidência na medida em que algum fato faz com que ele seja inevitavelmente comparado. O mais recente foi  o surpreendente (e vergonhoso) caso em que a desembargadora Tânia Garcia Freitas, presidente do Tribunal Regional Eleitoral do Mato Grosso do Sul, foi pessoalmente tirar o filho, o empresário Breno Borges, de 37 anos, da prisão. Breno cumpria pena por prisão em flagrante portando 130 quilos de maconha, além de munição.
A comparação com Rafael Braga é inevitável, considerando-se  que ele foi preso com 0,6g de maconha, 9,3 g de cocaína e um morteiro na mochila.
Breno Borges tem também contra ele gravações de conversas em que ele ajudaria na fuga de um detento em Três Lagoas. Mas nada disso fez diferença sobre a mudança de compreensão de que seu caso era de internação e tratamento, e não punição e encarceramento. Nem de longe o jovem negro e pobre teve esta possibilidade.

Surdez do judiciário

Já não se trata mais de o Brasil não ser para principiantes. O Brasil (e suas instituições de poder) não é para insignificantes. Só isso explica a surdez do Judiciário do Rio sobre o Rafael Braga. A elite brasileira não aceita e não perdoa insignificantes: essa gente preta, pobre, iletrada, de moradia precária; indígenas “incivilizados”; camponeses broncos, cuidadores de pequenas e paupérrimas terras. Gente que não tem nada a oferecer. E a elite brasileira é sobretudo medíocre, não importa que cargo de que área ela ocupe ou conquiste. No Brasil, os privilegiados do poder não conquistam espaço, eles colonizam. A classe média alta brasileira é medíocre, não importa que lugar ocupe. Talvez esta seja uma das razões para agirem como agem com o poder como se ele fosse feudo particular, e não serviço em defesa da justiça e zelo pelo comum.
A classe de juízes, desembargadores, procuradores, não está livre da mediocridade e da compreensão elitista e burguesa de que o poder da função é seu poder pessoal.

A classe do Judiciário, não de hoje, é a classe mais perigosa quanto ao risco social, exatamente por lidarem com aquele poder que, em tese, é o último a se recorrer quando os demais poderes se impõem. A classe de juízes, desembargadores, procuradores, não está livre da mediocridade e da compreensão elitista e burguesa de que o poder da função é seu poder pessoal, e que tal poder não está em defesa do comum, mas em defesa da preservação do seu poder, e em defesa dos seus. A indignação causada pelo abuso de autoridade da desembargadora Tânia Freitas, torna-se apenas mais uma indignação em meio a tantas.
O que pensar do caso do índio Galdino dos Santos, em 1997, em Brasília? Como esquecer que cinco jovens da alta casta de Brasília incendiaram o corpo do índio enquanto ele dormia, num ponto de ônibus? Um deles, Antônio Novely Vilanova, na época com 19 anos, é filho de juiz federal. Os quatro (um era menor) só foram condenados quatro anos depois. O outro, Max Rogério Alvez, na época com 16 anos, passou em concurso e tomou posse como servidor do Tribunal de Justiça de Brasília em 2016. Foi o mesmo órgão que o condenou há mais de uma década, mas como ele também pertence à casta, está tudo em casa.
SÃO PAULO, SP, 24.04.2017: PROTESTO-SP - As Mães de Maio e diversos movimentos sociais, fazem vigília, nesta segunda-feira (24) na avenida Paulista, em São Paulo, indo até o prédio da Presidência da República, contra a condenação de Rafael Braga, condenado por tráfico e associação para o tráfico de drogas em uma sentença publicada no portal do TJRJ (Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro. Rafael Braga Vieira, catador de material reciclável que foi preso em 2013 na cidade do Rio de Janeiro durante a onda de protestos em junho daquele ano. (Foto: Kevin David/A7 Press/Folhapress)
Protesto em São Paulo, em maio de 2017, organizado por As Mães de Maio e diversos movimentos sociais contra a condenação de Rafael Braga

Em São Luís, Maranhão, em 2015, o estudante Denys Martins Cavalcante, atropelou um pedestre numa avenida da cidade.Foi preso em flagrante e solto horas depois,sem pagar fiança. Denys é filho de um influente juiz da cidade, não prestou socorro à vítima ou apoio à família. Foi preso tentando fugir.
É importante lembrar que, no caso da condenação de Rafael Braga, o juiz Ricardo Coronha diz ter se baseado única e exclusivamente no depoimento dos policiais. Não aceitou testemunhas, negou diligências da defesa do jovem e se deu por satisfeito com o testemunho dos policiais que efetivaram a prisão e agrediram Rafael.  O juiz, alegou crer no compromisso destes com a verdade e a instituição.
O que faremos com todos os casos conhecidos, via imprensa, em que policiais forjam cena de crime, ocultam corpos e mentem sobre conflitos que não houveram, para legitimarem os casos de “autos de resistência”? Apenas quando se trata de “insignificantes” isso não faz diferença.
E o que dizer do juiz João Carlos de Souza Correa, que, em 2011, ao ser parado em blitz, se sentiu ofendido ao resistir à abordagem e ter ouvido da agente Luciana Tamburini que ele “não era Deus”?
Ciente da casta à qual pertence, o juiz chegou a dar voz de prisão à agente, que depois  foi condenada a indenizar o magistrado em R$ 5 mil, que conseguiu com ajuda de amigos e pessoas que ficaram indignadas com o caso.
Por tudo isso, uma desesperança vai tomando conta dos que acompanham o caso de Rafael Braga. Porque ele não é o único. Ele pode ser emblemático, mas não é único. Estamos reféns de um poder que circula em meio a uma casta medíocre e militarizada, que dorme em berços privilegiados à noite e julgam sujeitos “insignificantes de dia”. O corporativismo do Judiciário brasileiro dificulta a abertura de diálogo com as pressões populares e a busca pela razoabilidade em julgamentos em que, na pessoa do acusado, a falta de provas é nítida, o racismo se destaca e a criminalização da pobreza é inegável.
Liberdade para Rafael Braga!

(Publicado originalmente no site do Intercept Brasil)

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