Rubem Berta
DESDE QUE FOI feito o anúncio do envio de tropas federais para tentar combater a violência no Rio de Janeiro, uma palavra voltou a ficar na moda: inteligência. Em várias entrevistas, o ministro da Defesa, Raul Jungmann, afirmou que essa seria a base das ações de segurança no estado. O que se vê até agora, porém, é que a teoria não está funcionando na prática. Num grande mais do mesmo, o que houve de mais emblemático foi uma sequência de tiroteios durante operações da polícia no Jacarezinho que deixaram sete mortos, milhares de crianças sem aulas e moradores clamando por paz.
Um olhar no orçamento do Estado do Rio nos últimos anos traz um ingrediente a mais para entender a estratégia (ou a falta de estratégia) da Segurança Pública fluminense. Levantamento feito por The Intercept Brasil nos relatórios de contas consolidadas do governo estadual mostra que os gastos com a única função específica de “informação e inteligência” caminharam de valores ínfimos até simplesmente chegarem a zero no ano passado.
Em 2014, ano em que Luiz Fernando Pezão assumiu o governo após a renúncia de Sérgio Cabral, foram gastos na rubrica R$ 39,8 mil. Em 2015, foram R$ 21,6 mil. Nestes anos, os orçamentos totais da Segurança Pública no estado foram respectivamente de R$ 7,6 bilhões e R$ 8,6 bilhões. Em termos percentuais, os valores já haviam sido próximos de zero.
Nada para formação de recursos humanos
O orçamento do Rio confirma que o grande foco foi o investimento pesado em pessoal, deixando pouco espaço para outras ações complementares, estrategicamente importantes. No ano passado, apesar da crise econômica, os gastos com a Segurança Pública foram de R$ 9,1 bilhões (em 2015, haviam sido de R$ 8,6 bilhões). Deste total, quase R$ 7,68 bilhões (83,86%) foram para “administração geral”, basicamente para pagamento dos policiais.
Por outro lado, além de “informação e inteligência”, não foi gasto nem um real com as rubricas de “formação de recursos humanos”, “tecnologia da informação” e “fomento ao trabalho”.
“É delicado falar sobre inteligência, porque sempre pode se alegar que há algum investimento secreto ou algo do tipo. Mas, como pesquisadora, o que vejo é que realmente parece que, no Rio, nunca os governos investiram tão pouco nessa área quanto nos últimos dez anos. O que se viu foi um investimento pesado em contratação de policiais para as UPPs (Unidades de Polícia Pacificadora), deixando de lado a investigação e a inteligência no combate às grandes quadrilhas. Agora, lideranças estão saindo da cadeia e voltando para as mesmas áreas onde atuavam, com zero de capacidade de um trabalho de prevenção, de antecipação e de neutralização deste retorno”, analisa Silvia Ramos, uma das coordenadoras do Centro de Estudos de Segurança e Cidadania (Cesec).
“Preservação da vida e dignidade humana”
Em nota, a Secretaria de Segurança Pública não nega o baixo investimento em inteligência, mas alega que “mesmo em um cenário econômico antagônico, sem custos aos cofres públicos, criou medidas estruturantes como o Grupo Integrado de Operações de Segurança Pública (GIOSP), no Centro Integrado de Segurança Pública (CICC), e a delegacia especializada para o combate ao tráfico de armas, a Desarme, para atacar as causas da letalidade violenta”.
A secretaria ainda afirma que “tem como principais diretrizes a preservação da vida e dignidade humana, o controle dos índices de criminalidade e a atuação qualificada e integrada das polícias”.
A secretaria também confirmou a concentração dos gastos em pessoal, já citando os números referentes a este ano:
“O orçamento previsto para a Secretaria de Segurança, em 2017, que inclui valores da própria secretaria, da Polícia Militar e da Polícia Civil foi de R$ 7,4 bilhões, aproximadamente. Destes, foram liberados, até o momento, R$ 2,3 bilhões, o que representa um contingenciamento de 59% para o orçamento da Segurança Pública. Do total previsto, o detalhamento das despesas prevê a utilização de, aproximadamente, 96% com despesas de pessoal (folha salarial), 2,7% com custeio e menos de 1% restantes para utilização em investimentos”.
Ou seja, no que depender de dinheiro, a inteligência parece que continuará ficando em segundo plano.
(Publicado originalmente no site do Intercept Brasil)
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