Desde a obra do abade Sieys, sobre o terceiro Estado, o
pensamento social e politico moderno, consagrou o povo como titular da
soberania política. É o povo que elege, e o povo que destitui o governante,
quando ele é ímpio e mau. Um dos campões da teoria democrática, J.J. Rousseau
foi mais radical ao dizer que a soberania popular é inalienável,
intransferível, una e indivisiva. Até os
autores liberais e contratualistas admitem que quando o representante trai a
confiança dos representados é legítima a desobediência civil e a sublevação
popular contra ele.
Imagine como é possível que um governante, não eleito pelo
povo,sem legitimidade política nenhuma, com baixíssima aprovação popular, e
acusado de corrupção passiva e formação de quadrilha, possa se manter no cargo,
utilizando-se das prerrogativas inerentes a ele, para fazer obstrução à
Justiça, num processo criminal onde é réu?
Corromper parlamentares, que serão os responsáveis pela abertura do
processo na Câmara e pelo julgamento em plenário do governante em questão é
crime, crime de obstrução do processo judicial. Pode parecer uma simples medida
da sempre presente fisiologia parlamentar,tão característica da atual
legislatura congressual, no entanto é mais do que isso. Trata-se de uma atitude
desesperada que acha que pode prolongar a agonia do mandato tampão, através de
escaramuças e estratagemas perdulários e criminosos, pela oferta de vantagens
em troca de apoio político.
Naturalmente, o significado desse triste espetáculo de
compra-e-venda da democracia representativa em nosso país vai mais além do que
a mera sobrevivência de um moribundo, no limiar do cadafalso. Trata-se de
manter, para a elite econômica e seus prepostos no Congresso, a execução de uma
agenda antirrepublicana, antinacional, antipopular, adrede preparada, que os
golpistas enfiaram no bolso do atual governante. Ele sabe muito bem que não passa
de um representante dessa elite, fará o que ela mandar, depois será descartado – mais adiante – para
responder aos processos, sem foro privilegiado. Mas enquanto a agenda não for
cumprida, ela – a mal chamada elite –
fará tudo para mantê-lo no poder. Pouco se importa com os escrúpulos da
legitimidade democrática, da moralidade pública, do interesse republicano da administração
federal, da impopularidade desse dirigente. Nada disso parece importar para essa
elite apátrida, cujos interesses mobilizaram campanhas de massas, de eleitores
incautos e desavisados, que foram para rua bater panelas caras nos dias de
domingo, para afastar a Presidente eleita.
Enquanto isso, os bandidos riem e conspiram abertamente, à
luz do dia, seguros da impunidade e da ineficácia do protesto popular. Até
quando?
Michel Zaidan Filho é filósofo, historiador, cientista político, professor titular da Universidade Federal de Pernambuco e coordenador do Núcleo de Estudos Eleitorais, Partidários e da Democracia - NEEPD-UFPE
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