pub-5238575981085443 CONTEXTO POLÍTICO. : Michel Zaidan: Escola de partidos, sem partido ou de partido único?
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terça-feira, 22 de agosto de 2017

Michel Zaidan: Escola de partidos, sem partido ou de partido único?





 
Acabamos de realizar, na semana que passou, um grande seminário sobre o "Centenário da Revolução  Russa" (vide o balanço dessa extraordinária experiência histórica nos  portais Astrojildo Pereira e Maurício Grabois). Foi um evento que contou com a participação de inúmeros estudiosos e pesquisadores das idéias políticas oriundos de várias universidades da região (UFRN,UFAL,UFCG, UFRPE e UFPE). Discutiu-se de uma perspectiva crítica os desdobramentos e desvios daquela   grande   revolução, com as idéias inspiradoras do movimento. No entanto, o que mais chamou a atenção foi a atitude de um grupo de jovens libertários (anarco punk) que, de maneira muito enfática e agressiva, acusava a mesa de "doutrinação ideológica" pelo simples fato de discutir a ocorrência da revolução e as idéias que ajudaram a fazê-la. Na  mesa, havia defensores  dos anarquistas e críticos da repressão ao movimento anarquista na Rússia.

Apesar disso, foi  trocado o embate franco e honesto de concepções e idéias pela acusação de partidarismo. É bom lembrar que, conforme a lição de um pensador italiano, a escola é o lugar por excelência da  disputa sadia de projetos de hegemonia. Nunca a imposição de uma único projeto. Neste sentido, não existe uma escola neutra. O aparelho escolar, como outros aliás, são atravessados de ponta a ponta pelo conflito de concepções e idéias. E o triunfo de uma delas é sempre provisório, não definitivo. A cada projeto de hegemonia política ou cultural, corresponde um contra-projeto. E assim a luta recomeça. A acusação dos jovens anarquistas serve como uma luva aos defensores da chamada "escola sem partido", pois ignora ou subestima o processo de disputas ideológicas e culturais que existe no interior das instituições públicas ou privadas. Mais ainda, no campo ciências humanas, também chamadas de "hermenêuticas" ou " interpretativas", porque lidam com valores, com a tradição e o horizonte cultural da   humanidade. Querer uma escola asséptica, arredia à disputa sadia das idéias, aí sim é uma ideologia totalitária, disfarçada de "escola sem partido".  Talvez devêssemos dizer "escola de partido único", que vai empurrar "goela abaixo"  dos estudantes a sua ideologia "sem ideologia".

É preciso  muito calma, nesses tempos sombrios e obscurantistas, com esse debate. Num momento em que se discute a intolerância e a falta de respeito pelo diferente, a imposição, sem debate ou discussão, de qualquer projeto ou ideia é um grande risco para a liberdade de pensamento e de expressão. Todas as idéias são convidadas a se apresentar ao debate, de preferência com bons e sólidos argumentos. Que  a comunidade dialógica dos cidadãos e cidadãs as ouça e tire suas conclusões. A isso se chama o processo racional de formação da vontade política da sociedade. A esse processo está associado a noção de "espaço público", lugar de preferência onde se formam os consensos em torno de agendas públicas. Naturalmente, essa noção não se confunde com o trabalho dos meios de comunicação de massa, numa economia de mercado desregulada como a nossa. Estas agências ideológicas - também chamadas de  "indústria cultural" - estão a serviço do mercado e de interesses não necessariamente republicanos,  embora disfarce a sua pregação com a aparência de produtoras de material informativo e neutro.

A neutralidade dessas agências é parecida com a da "escola sem partido": ou seja é uma pseudo-neutralidade; é uma neutralidade a serviço de um imperativo de poder bem definido, mas que aparece como uma opção, entre várias. É mais necessário do que nunca questionar essa aparente neutralidade. E defender com unhas e dentes  as liberdades civis no País, entre elas a livre manifestação do pensamento, sob pena de sucumbirmos diante de uma noite longa, onde aparentemente todos os gatos serão pardos e miam do mesmo jeito.

Michel Zaidan Filho é filósofo, historiador, cientista político, professor titular da Universidade Federal de Pernambuco e coordenador do Núcleo de Estudos Eleitorais, Partidários e da Democracia - NEEPD-UFPE

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