pub-5238575981085443 CONTEXTO POLÍTICO. : Editorial: O muro da vergonha.
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segunda-feira, 21 de agosto de 2017

Editorial: O muro da vergonha.




A edição de hoje, 21, do jornal Folha de São Paulo, traz uma matéria que, certamente, irá suscitar muitos debates dentro e fora dos círculos acadêmicos. Trata-se um grandioso muro, de 10 metros de altura, que está sendo erguido na capital do Peru, Lima, cujo objetivo é separar os contingentes de pobres favelados e ricos que ocupam a mesmo altiplano. Em última análise, visa proteger os ricaços de possíveis investidas da população mais empobrecida que divide aquele mesmo território. Consoante o raciocínio desses últimos, naturalmente.  Se considerarmos a atual conjuntura político-econômica pela qual passamos, a tendência é que "experimentos" do gênero talvez se espalhem por outras praças, uma vez que cada vez mais parcelas significativas da sociedade estão sendo literalmente abandonadas, como consequência da radicalização da adoção de uma agenda neoliberal que não denota o menor comprometimento com a construção da cidadania. 

Existem alguns outros "Muros da Vergonha" construídos pelo mundo, mas este nos parece mais "vergonhoso", uma vez que tem origem no apartheid social, fomentador de uma grande onda de preconceito e intolerância contra índios, pobres, negros, mestiços, favelados e outras minorias sociais. A motivação de erguer os outros muros da vergonha estão mais associadas às questões de natureza política, como o construído pelo Estado de Israel, assim como aquele que pretende ser construído pelo presidente americano, Donald Trump, sob o pretexto de controlar  o fluxo de migração irregular pela fronteira do país vizinho, o México. A novidade deste muro construído no Peru é que, no final e ao cabo, ele ratifica ou institucionaliza a vergonhosa acumulação desproporcional dos recursos produzidos socialmente, o que gera essas distorções entre pobres e ricos. 

O mais grave é que este muro está sendo construído com o beneplácito do aparelho de Estado, hoje completamente aprisionado pelos interesses mais vis do capital, através das grandes corporações financeiras, não raro sob regimes políticos de exceção. Como se sabe, o Estado está em processo de desoneração de suas funções mais elementares, suprimindo direitos, abandonando completamente a perspectiva de cuidar dos contingentes sociais mais desfavorecidos, proporcionando um mínimo de justiça social que seja. O Estado de bem-estar social, que conheceu seu apogeu no continente em décadas passadas,hoje, enfrenta um grave assédio da elite econômica, que conseguiu subjugar a política e o judiciário consoante os seus interesses mais mesquinhos. 

Talvez anda haja algum fôlego aos organismos de direitos humanos internacionais para interferirem nessa questão, tomando medidas contra o Governo peruano, no sentido coibir a construção desse Muro da Vergonha. O direito à cidade - o que equivale dizer o direito à cidadania - a princípio deveria ser um direito de todos, pobres ou ricos. É importante ressaltar que essas práticas de corte higienista na ocupação do traçado urbano remontam a um passado remoto e nebuloso - salvo melhor juízo no bojo dos enfrentamentos aos movimentos insurgentes franceses, que tanto inspiram Karl Marx - sempre concebidas como estratégia de limpeza do espaço urbano, facultando, inclusive, a mobilidade do aparato repressor do Estado,em sua repressão contra aqueles que resolveram ocupar, legitimamente, esses espaços, lutando por seus direitos. As chamadas "barricadas" de Paris constituem-se num bom exemplo do que estamos afirmando. 

Movido por este mesmo ódio, os chamados filhinhos de papai saem por aí agredindo empregadas domésticas, ateando fogo em índios, assassinando crianças em situação de rua, matando homossexuais ou "nordestinos", em práticas identificadas com o fascismo. Em seminário recente na Fundação Joaquim Nabuco, um palestrante observou que, somente neste período do ano, 244 LGBTTs já foram assassinados, numa média de um por dia. Estupros coletivos já atingem a média de 10 por dia. Na atual conjuntura, cabe a pergunta: A quem caberá o exercício do poder moderador nesse retorno à barbárie?  

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