Sartre, aliás, passaria alguns meses no Brasil, pois a situação política na França não era das melhores, uma vez que, na condição de intelectual engajado, o filósofo defendia, em praça pública, a luta do Exército de Libertação Argelino, que lutava para libertar a Argélia do colonialismo francês. Ciceroneado por Jorge Amado, fez um périplo pelo Estado da Bahia, conhecendo diversos regiões e manifestações culturais do povo baiano, inclusive os principais terreiros de religiões de matriz africana.
Sartre era um grande ativista político, ao ponto de incomodar profundamente os assessores do então presidente Charles de Gaulle, que recomendaram a sua prisão. Comenta-se que, ao ouvir tais conselhos, De Gaulle teria respondido: Eu até entendo o quanto o filósofo incomoda as ações do Governo Francês, mas como prender Voltaire? Numa referência ao filósofo iluminista François-Marie Arouet, um dos principais ícones da liberdade de expressão, autor da frase: " Não concordo com o que dizes, mas defendo até a morte o direito de o dizeres.'
As reflexões filosóficas de Sartre sempre estiveram ancoradas sob a necessidade de se assumir responsabilidades sociais coletivas, daí seu incansável engajamento político, erguendo barricadas e bandeiras dentro e fora da França, em alguns desses momentos cruciais, acompanhado pelo amigo Michel Foucault. Como um exemplo bem acabado de intelectual total, sua produção literária não fugia a esta regra, pois afirmava que a literatura era uma forma de intervir politicamente na produção da sociedade.
Essas reflexões vem a propósito sobre o quanto é difícil - e até criminalizável - o exercício da crítica política aqui no Estado de Pernambuco, cuja elite política e econômica ainda vivem sob o estágio do obscurantismo oligárquico, da saudade do regime escravagista, do elogio da dominação. Os expedientes para coagir ou assediar os desafetos são os mais escabrosos possíveis, passando por ações judiciais, distribuição de materiais apócrifos, disseminação de calúnias, utilizando-se, para tanto, em alguns casos, dos instrumentos do aparelho de Estado - nada institucionalizados - para perseguir seus opositores.
Se não existe nada, eles "inventam", 'plantam", de onde se conclui que as chamadas fake news não é algo assim tão recente ou que se possa atribuir, tão somente, ao chamado Gabinete do Ódio. Antes do gabinete do ódio, temos aqui fartos exemplos do gabinete da inveja, da intriga, das práticas persecutórias muito bem instrumentalizadas, atingindo os desafetos em suas diferentes áreas de atuação. Isso vem a propósito dos inúmeros casos registrados aqui na província de perseguições veladas a cidadãs e cidadãos, motivados pelos delitos de opinião. o último diz respeito a um estudante que mantinha uma página de sátiras nas redes sociais. Seria um pouco demais imaginar que os homens públicos pernambucanos, com honrosas exceções - cevados nos expedientes de uma sociedade tacanha em termos de práticas republicanas - tivessem a mesma estatura de um De Gaulle, que entendia que Sartre incomodava bastante, mas era, por outro lado, um patrimônio intelectual do país.
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