pub-5238575981085443 CONTEXTO POLÍTICO: Editorial: O flagelo da fome sempre assustou o país. Difícil dizer quando ele foi mais cruel.
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quinta-feira, 21 de outubro de 2021

Editorial: O flagelo da fome sempre assustou o país. Difícil dizer quando ele foi mais cruel.


Em meados da década de 80 do século passado, com a queda do Muro do Berlin, alguns bons filmes foram produzidos tratando do embate ideológico entre capitalistas e os herdeiros da tradição do realismo socialista. Salvo melhor juízo, um desses filmes foi o conceituado "Adeus, Lênin", do diretor Wolfgang Becker. No filme, cujo enredo gira em torno de uma senhora que permanece em estado de coma por ocasião do desmoronamento da Alemanha Oriental, há um diálogo interessante, que evidencia uma questão que já havia sido invocada pelo filósofo político italiano, Norberto Bobbio, tratando daquela equação que os regimes políticos - nem a decantada democracia, tampouco as experiências do socialismo real - conseguiram, de fato, enfrentar, ou seja, um equilíbrio entre liberdade e igualdade. 

A propalada "liberdade" capitalista, sob os regimes de democracias burguesas, produzem muitas desigualdades sociais. Por outro, lado, as experiências do socialismo real, frequentemente, subverteram as liberdades individuais e coletivas, num projeto que se propunha a combater as desigualdades sociais ou econômicas entre os indivíduos. Mas, voltemos ao diálogo do filme, que nos oportunizará um debate sobre a produção das desigualdades no país, flagelo denunciado pelo sociólogo pernambucano Josué de Castro desde a década de 40 do século passado, em estudos como A Geografia da Fome.

No filme, dois cidadãos, um deles entusiasta das mudanças advindas com a reunificação da Alemanha sob o regime capitalista - desses que festejaram a chegada da Coca-Cola naquele país - o outro, uma espécie de saudosista da organização da vida  social, cultural e econômica engendrada pelo regime da Alemanha Oriental, estão num shopping center, cada qual observando o ambiente com os seus "filtros". O capitalista observa que os problemas de "desabastecimentos" haviam sido superados. As gôndolas estavam repletas de alimentos oferecidos à população. Naturalmente, aquele contingente da população com as possibilidades de acesso ao consumo. Este, então, comenta para o outro: Estás vendo? agora já não existem problemas de desabastecimentos, de cotas, longas filas, de restrições de consumo, o que era recorrente na Alemanha Oriental. O outro cidadão, saudosista do socialismo real, concentra-se numa cena e chama a atenção do seu interlocutor para uma pequena aglomeração de pessoas que se juntavam no lixo do supermercado, comentando: Na Alemanha Oriental, com todos os problemas, era comum encontrar ratos nas latas de lixo, não pessoas. 

Esquecendo um pouco as crises política e institucional - como se isso fosse possível - o país enfrenta sua maior crise econômica e social: a insegurança do mercado, dólar em alta, ausência de lastro fiscal para bancar o novo Bolso Família, recessão, desemprego e inflação em alta. Enfim, uma tempestade perfeita. Não é de hoje que contingentes expressivos da população está voltando à condição de extrema pobreza, fato agravado pela pandemia do corona vírus. Chocante é observar os reflexos dessa crise no nosso cotidiano, como as filas para pegar ossos nos açougues, a oferta de pés de galinha nas gôndolas dos supermercados, o assalto dos esfomeados ao caminhão do lixo - fato ocorrido num bairro da periferia de Fortaleza, no Ceará, curiosamente filmado por um motorista de aplicativo. Para completar o cenário desolador da semana, a embalagem de carne vazia daquele supermercado, que alcançou ampla repercussão nacional, mobilizando os órgãos de defesa do consumidor.  

Quando o Bolsa Família foi criado, seus defensores, em resposta aos seus críticos,  afirmavam que seria preciso dar comida a quem tem fome, obedecendo aquele princípio cristão, com o qual este humilde editor concorda. É fundamentalmente importante, no entanto, do ponto de vista das políticas públicas para a população de baixa renda, melhorar os índices de desenvolvimento, oportunidades educacionais, gerando emprego e renda, algo mais consistente e perene para superar as desigualdades sociais. Afirmam os especialistas que este efeito "bumerangue" - que leva miseráveis a voltarem a ser miseráveis - deve-se ao fato de essas medidas paliativas não terem sido acompanhado de outras medidas mais efetivas. Portanto, a questão não é se o auxílio deve ser de R$ 400,00 ou R$ 600,00, mas, sobretudo, se a economia do país voltará a crescer. No momento, os sinais não são nada promissores, o que significa dizer que cenas como as mostradas nas filmagens do bairro de Fortaleza tendem a se repetir em outras praças do país, com o flagelo da fome voltando a nos assustar novamente. Aliás, como sempre.  

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