No filme, dois cidadãos, um deles entusiasta das mudanças advindas com a reunificação da Alemanha sob o regime capitalista - desses que festejaram a chegada da Coca-Cola naquele país - o outro, uma espécie de saudosista da organização da vida social, cultural e econômica engendrada pelo regime da Alemanha Oriental, estão num shopping center, cada qual observando o ambiente com os seus "filtros". O capitalista observa que os problemas de "desabastecimentos" haviam sido superados. As gôndolas estavam repletas de alimentos oferecidos à população. Naturalmente, aquele contingente da população com as possibilidades de acesso ao consumo. Este, então, comenta para o outro: Estás vendo? agora já não existem problemas de desabastecimentos, de cotas, longas filas, de restrições de consumo, o que era recorrente na Alemanha Oriental. O outro cidadão, saudosista do socialismo real, concentra-se numa cena e chama a atenção do seu interlocutor para uma pequena aglomeração de pessoas que se juntavam no lixo do supermercado, comentando: Na Alemanha Oriental, com todos os problemas, era comum encontrar ratos nas latas de lixo, não pessoas.
Esquecendo um pouco as crises política e institucional - como se isso fosse possível - o país enfrenta sua maior crise econômica e social: a insegurança do mercado, dólar em alta, ausência de lastro fiscal para bancar o novo Bolso Família, recessão, desemprego e inflação em alta. Enfim, uma tempestade perfeita. Não é de hoje que contingentes expressivos da população está voltando à condição de extrema pobreza, fato agravado pela pandemia do corona vírus. Chocante é observar os reflexos dessa crise no nosso cotidiano, como as filas para pegar ossos nos açougues, a oferta de pés de galinha nas gôndolas dos supermercados, o assalto dos esfomeados ao caminhão do lixo - fato ocorrido num bairro da periferia de Fortaleza, no Ceará, curiosamente filmado por um motorista de aplicativo. Para completar o cenário desolador da semana, a embalagem de carne vazia daquele supermercado, que alcançou ampla repercussão nacional, mobilizando os órgãos de defesa do consumidor.
Quando o Bolsa Família foi criado, seus defensores, em resposta aos seus críticos, afirmavam que seria preciso dar comida a quem tem fome, obedecendo aquele princípio cristão, com o qual este humilde editor concorda. É fundamentalmente importante, no entanto, do ponto de vista das políticas públicas para a população de baixa renda, melhorar os índices de desenvolvimento, oportunidades educacionais, gerando emprego e renda, algo mais consistente e perene para superar as desigualdades sociais. Afirmam os especialistas que este efeito "bumerangue" - que leva miseráveis a voltarem a ser miseráveis - deve-se ao fato de essas medidas paliativas não terem sido acompanhado de outras medidas mais efetivas. Portanto, a questão não é se o auxílio deve ser de R$ 400,00 ou R$ 600,00, mas, sobretudo, se a economia do país voltará a crescer. No momento, os sinais não são nada promissores, o que significa dizer que cenas como as mostradas nas filmagens do bairro de Fortaleza tendem a se repetir em outras praças do país, com o flagelo da fome voltando a nos assustar novamente. Aliás, como sempre.
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