pub-5238575981085443 CONTEXTO POLÍTICO: Censura do Diário de Pernambuco a Clóvis Cavalcanti pode ser a ponta de um icerberg
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terça-feira, 10 de junho de 2014

Censura do Diário de Pernambuco a Clóvis Cavalcanti pode ser a ponta de um icerberg


por Renato Feitosa*
Clóvis Cavalcanti é um nome com o qual os leitores dos jornais pernambucanos são familiarizados e já contribuiu em muito para alguns dos debates mais importantes na esfera pública local. É impossível, por exemplo, realizar uma pesquisa séria sobre as questões que envolvem a transposição do Rio São Francisco sem se deparar com algum artigo seu. Não é a toa que seus escritos tiveram espaço garantido nas colunas das edições dominicais do Diario de Pernambuco desde 1999. Economista, professor da Universidade Federal de Pernambuco e pesquisador da Coordenação-Geral de Estudos Ambientais e da Amazônia (CGEA) da Fundação Joaquim Nabuco, Clóvis fez das relações entre questões ambientais e desenvolvimento econômico foco de seus principais trabalhos, cujo conjunto lhe valeu a cadeira de presidente de honra da Sociedade Brasileira de Economia Ecológica (EcoEco).
Ontem, domingo, dia 8 de junho de 2014, porém, os leitores do Diario de Pernambuco não encontraram nenhum texto do economista nas suas páginas. Mas não foi por qualquer “hiato” na sua produção, o que é comum para os colaboradores mais assíduos. Pela primeira vez em 15 anos, Clóvis Cavalcanti teve um artigo seu VETADO pelos editores. “Escrevi o artigo abaixo para o Diario de Pernambuco de hoje (8/6/2014). Não publicaram. Compreendo que o jornal tenha sua linha editorial. Respeito a posição alheia. Mas foi a primeira vez em que escrevo para essa coluna (desde 1999) e o texto não sai”, afirmou o colunista em seu blog pessoal. Como Clóvis deixa explícito em seu comentário, a decisão foi mais arbitrária do que técnica. Seria tremenda incoerência julgar que um publicador tão experiente cometeria erros como exceder com seu novo texto o espaço destinado aos artigos, pecar pela qualidade da redação ou qualquer outro critério que o jornal tenha levado em conta em todo o período descrito. (O link acima aponta para uma série de escritos do autor publicados pelo DP que abordam diversos temas e que qualquer questionador de boa vontade pode submeter às próprias competências para análise.)
Então, por que Clóvis Cavalcanti teve seu artigo vetado pelo Diario de Pernambuco? O motivo está associado a uma “eterna inimiga”, contra a qual toda imprensa não tem qualquer acanhamento ao bradar a sua voz, embora tenha também meios de praticá-la da forma mais sútil possível: CENSURA.
O artigo em questão traz uma abordagem concisa e elogiosa do Movimento #OcupeEstelita. Aponta a dignidade de seus objetivos e seu caráter civilizado, pacífico e legal; expõe irregularidades no processo do Projeto Novo Recife – contra o qual se levanta o movimento social – e seus malefícios para a cidade; critica o modelo urbano que o projeto expressa e as atitudes antidemocráticas e ilegais da Prefeitura do Recife na sua aprovação. Enquanto a opinião de Clóvis é vetada das páginas do DP, as construtoras povoam diariamente suas folhas com espaços de destaque comprados para sua publicidade – que é um show de horrores falaciosos à parte. Porém, se o Consórcio Novo Recife não faz mais que defender seus próprios interesses, a pseudo omissão do Diario de Pernambuco, que é totalmente ativa, colabora com eles ao vetar o texto de um colaborador costumeiro com um contraponto tão importante. O ineditismo do veto em relação ao autor e as condições do fato o tornam tão obsceno que não hesitamos em caracterizá-lo como censura.
Por sinal, a cobertura do Diario de Pernambuco sobre o Movimento #OcupeEstelita e o debate suscitado em relação ao Projeto Novo Recife é merecedora da popular expressão de Compadre Washington: “Sabe de nada, inocente!” Com a observação de que quem fica sem saber de nada são os leitores do jornal. O DP dá uma verdadeira “egípcia” em tudo, pero seletivamente.
No dia primeiro deste mês, um domingo, cerca de 10 mil recifenses compareceram ao Cais José Estelita num evento promovido pela ocupação com diversas atividades culturais e de conscientização sobre as questões que envolvem, política e urbanisticamente, o Projeto Novo Recife. O que poderia ser caracterizado como a maior manifestação civil por direitos desde junho de 2013 não teve mérito para ser destaque no DP. No dia seguinte, o jornal trazia na capa uma grande chamada para “um dos grandes problemas urbanos do Recife”: buracos provocados por tampas de bueiros. Também destacou uma foto de Neymar encontrando sua namorada e até mesmo o grande sucesso de bilheteria do filme infantil “Frozen”, o que sequer seria uma novidade (que o digam os que têm uma criança em casa!). O evento do #OcupeEstelita “reuniu centenas de pessoas” (sem especificar quantas centenas seriam) e ganhou cerca de vinte palavras numa matéria que ocupava um oitavo da página A4 do caderno principal. A mesma matéria dedicava mais espaço a reproduzir as realizações propostas pelo Novo Recife para a área do Cais, ressaltando as estimativas feitas pelo próprio consórcio do montate de investimentos e de quantos empregos seriam gerados com a construção. Nenhuma frase sobre as pautas dos manifestantes e seus questionamentos sobre as irregularidades no processo do projeto, que era descrito apenas como “aprovado pela Prefeitura”. Enfim, nenhuma palavra a mais do que já anunciaram as notas veiculadas nos espaços publicitários do jornal que foram comprados pelas construtoras Moura Dubeux, Queiroz Galvão, GL e Ara Empreendimentos.
A “omissão ativa” do Diario de Pernambuco em sua cobertura se torna mais indecorosa ainda quando comparamos a edição citada com a do seu concorrente, o Jornal do Commercio, do mesmo dia. A foto de um show do #OcupeEstelita “ocupava” cerca de um quarto da capa deste. E isso se deve não apenas às conquistas do movimento e à legitimidade por ele alcançada. Mas também a um esforço quase heróico dos profissionais do tal veículo, que aproveitaram as brechas na vigilância da redação para publicar notícias que forneciam, indiretamente, informações importantes sobre as consequências desastrosas que a construção das 12 torres do Projeto Novo Recife teriam para o seu entorno e para a cidade. Tal esforço resultou na situação em que não dar destaque ao evento do dia primeiro de junho colocaria o jornal em posição tão vexatória que não compensaria o custo político de reconhecer a conquista do movimento. O detalhe importante fica por conta de que o Sistema Jornal do Commercio pertence à JCPM, empresa batizada com a sigla do nome de seu proprietário: João Carlos Paes Mendonça, empresário que deixou de investir em supermercados e cartões de crédito para se dedicar ao ramo da construção imobiliária e de shoppings. Inclusive, na promoção publicitária do mais recente deles, o Shopping RioMar, o próprio Novo Recife teve papel de “garoto propaganda”, sendo anunciado como um dos grandes atrativos do empreendimento. (Assista este vídeo a partir dos 5 minutos e confira você mesm@.)
O veto do Diario de Pernambuco ao artigo de Clóvis Cavalcanti não apenas expõe, de forma definitiva, que a “linha editorial” do jornal está comprometida com os interesses do Consórcio Novo Recife, seus estimados clientes. Também deixa claro que o veículo ingressou numa espécie de pacto, no qual se dispõe até mesmo a não manter mais as aparências e deixar de fazer o mínimo do que poderia: dar espaço UMA ÚNICA vez a UMA ÚNICA opinião que apontasse outra perspectiva sobre os fatos, expressada por um fiel colaborador cuja legitimidade reconheceu tantas vezes durante todos esses quinze anos. O Diario de Pernambuco tem desrespeitado o direito à informação de seus leitores. E não, não há nada de inocente nisso. Antes, é preocupante! Já que é impossível deixar de imaginar, em tal contexto, que algo bem pior pode estar ocorrendo dentro da sua redação. E se você, jornalista pernambucano, acompanhou este texto até aqui e esboçou uma reação qualquer ao ler estas últimas palavras, recomendo que se informe sobre a campanha Palavras Têm Poder.

*Sociólogo, pesquisador do Centro Luiz Freire.

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