pub-5238575981085443 CONTEXTO POLÍTICO. : Projeto Novo Recife: Caranguejos não sobem de elevador
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sábado, 14 de junho de 2014

Projeto Novo Recife: Caranguejos não sobem de elevador



Se eu tivesse que definir a minha cidade em uma palavra, seria caquinho. Feito aquela antiga louça de família que se quebra e a gente fica tentando colar os pedaços. Por amor à história. Pelo direito à memória. Pela qualidade das coisas que não sobem de elevador. O Caiçara está um caquinho. O Estelita está um caquinho. E só permanecem porque o silêncio também foi quebrado. Primeiro por estudantes, professores e artistas. Depois por quem já foi estudante ou gostaria de ter sido. Milhares de pessoas ocuparam armazéns antigos como quem ocupa um lugar na história. É histórico ver tanta gente junta em torno de questões fundamentais sobre o futuro urbanístico da nossa cidade. O Ocupe Estelita é também o ocupe sua cabeça para pensar no que é de fato desenvolvimento urbano.
Visitei o acampamento. Você visitou? Encontrei estudantes da Universidade Rural ocupados em fazer espirais de hortas orgânicas em solo maltratado e pedregoso. Dispostos e preparados para discutir sobre agricultura sustentável, espaços verdes e alimentação saudável. Encontrei arquitetos e paisagistas ocupados em desenhar propostas alternativas para o imenso terreno em questão. Encontrei jovens ocupados em construir casas em árvores. (Compreende o que isso quer dizer?) Encontrei advogados ocupados em discutir saídas que preservem os direitos urbanos. Encontrei artistas ocupados em manifestar, através da música e da poesia, sua resistência aos godzillas de concreto. Encontrei o orgulho de ser recifense e a força para acreditar que ainda existe Recife no Recife.
Há quem diga que o movimento começou tarde. Verdade. Três ou quatro décadas mais tarde. Se tivesse começado antes, talvez restasse mais mangue, mais mata de caju, mais mata atlântica. Mais coruja caburé – que não sobe de elevador. Mais caranguejo – que não sobe de elevador. Mais tatu-bola – que não sobe de elevador. Aliás, bem que ele merecia um destino mais digno que mascote de copa do mundo. Ou é padrão Fifa animais ameaçados de extinção? Lembro de Nietzsche quando abraçou um cavalo por não suportar ver o animal arrastando uma carroça pesada demais. É, tatuzinho. Está pesado demais.
A natureza do Recife é horizontal. Os rios Capibaribe e Beberibe são horizontais. A praia é horizontal. O Oceano Atlântico é horizontal. Somos uma cidade plana e abaixo do nível do mar. A verticalização agressiva vai contra nossa natureza. Vigésimo andar. Trigésimo andar. Quadragésimo andar. Isso não é andar. As coisas não estão andando. A contradição de um trânsito parado serve de parâmetro. A distância não é mais medida pela geografia, mas pelo deus Cronos. Viajei do Recife para Salvador e cheguei primeiro que meu filho, que levou duas horas do Aeroporto dos Guararapes à Jaqueira. Dependendo da hora, São Paulo é mais perto do Recife que Jaboatão. Brasília é mais perto do Recife que Olinda. Belo Horizonte é mais perto do Recife que Camaragibe. Se claustrofobia também compreende o medo de elevador, como devo chamar o medo de milhares de elevadores em milhares de edifícios com milhares de andares?
Não quero o Novo Recife. Quero o Recife. Com todos os caquinhos que ainda sobrarem dos nossos 500 anos de história.
Lina Rosa Gomes Vieira é diretora de criação.
(Publicado originalmente no Blog de Jamildo, Jornal do Commércio)

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