Nelson
Rodrigues, valendo-se do depoimento do escritor mineiro Oto Lara
Rezende, "o brasileiro só é solidário no câncer". Se isto é ou não mais
do que uma mera frase de efeito, os antropólogos da terra dizem que
falta à nossa gente um sentimento de unidade e de pertencimento, que faz
das manifestações culturais o único cimento da nossa integridade
nacional. Ora era a religião, depois do Exército na Primeira República.
Agora, o futebol e o carnaval. É de um psicanalista pernambucano a
observação arguta de que somos um povo pronto e disposto aos maiores
sacrifícios e emoções, mas a serviço de causas irrelevantes, sem
grandeza ou altivez. Ah, se fôsse possível canalizar essa energia
positiva do povo brasileiro para uma grande causa ou uma grande utopia
social! Infelizmente, nosso entusiasmo e a nossa paíxão são gastos com
movimentos, incitações e causas de fôlego curto e de pouco interesse
social.
O
teólogo da Igreja reformada, Rubem Alves escreveu uma carta pública a
Roberto Marinho, convidando-o a colocar o imenso poder de influência da
Rede Globo, a serviço de causas humanitárias, sociais e pedagógicas.
Infelizmente, o falecido magnata das comunicações não deu ouvidos ao
educador, psicanalista e teólogo. Talvez porque sua rede de comunicações
seja, antes de tudo, uma empresa (capitalista) de comunicações, e não
um serviço de utilidade pública, apesar de ser uma concessão pública.
Quando se assiste essa incitação pública a vestir a camisa da seleção de
jogadores de futebol, que vai participar de uma disputa internacional
de jogos, é de se perguntar: quando foi que vestimos uma única camisa? -
Nos hospitais públicos? Nas escolas públicas? no interior de nossos
condomínios e bairros? Nos polos gastronomicos ou áreas de lazer dos
Shopping Centers? - Em canto nenhum desse país, os brasileiros - em
seu dia a dia - têm dado manifestações de solidariedade, de apoio mútuo,
de empatia para com os que sofrem. Existe em nosso país uma "dialética
da malandragem" ou "a malandragem pragmatica". Nem mesmo o "indivíduo
disciplinar", de Michel Foucault. Aqui, seria o estado de natureza
hobbesiano, piorado com a Lei de Gerson, de Airton Sena ou Pelé. Este
sim símbolo da cidadania esportiva de cabeça para baixo, em função dos
péssimos exemplos e das declarações infelizes que costuma dar.
Quando foi que surgiu um exemplo
positivo, abnegado, generoso e altruistico de herói? - Betinho? - que
terminou os seus dias no Conselho da Comunidade Solidária, de FHC,
fazendo a propaganda da filantropia privada dos bancos, empreiteiras e
empresas internacionais?
A
razão está com aquele argentino que disse que o nacionalismo (de
chuteiras, como o nosso) é uma modalidade de socialismo de tolos.
Destinado a viabilizar os negócios milionários da FIFA, das empresas
multinacionais, da mídia verde-amarela e dos políticos desavisados que
querem tirar carona no desempenho da Seleção.
Pobre país, pobre cidadania. Será que não mesmo no Brasil outras
prioridades que deveriam, sim, ocupar o lugar dessa histeria esportiva,
convenientemente orquestrada pelos grandes grupos economicos
interessados no festim?
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