Chegou às livrarias mais um tomo de uma coleção intitulada por Fernando Henrique Cardoso como Diários da Presidência, onde são relatados - como o título sugere - as experiências mais importantes dos seus dois mandatos à frente da Presidência da República Federativa do Brasil. Trata-se de um calhamaço de milhares de páginas escritas, creio, sem aquele zelo literário ou qualquer coisa que o valha. São apenas relatos, alguns dos quais perfeitamente dispensáveis, como aquele que trata do affair entre o ex-presidente Itamar Franco e a modelo Lilian Ramos, que protagonizou aquele escândalo de se deixar fotografar, sem calcinha, ao lado do ex-presidente, depois de desfilar no Sambódromo. A julgar como procedentes os diários do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso - e pelo menos neste tocante ele parece dizer a verdade - os militares, por muito pouco, não degolaram o mineiro Itamar Franco.
Fernando Henrique Cardoso teria sido sondado sobre a possibilidade de continuar como Ministro da Fazenda, numa eventualidade de um afastamento de Itamar Franco. À época, ele afirmou que não haveria essa chance. A sondagem teria sido feita pelo general Romildo Canhim. Em tese, os golpes do século XXI - como este último urdido contra a presidente Dilma Rousseff - nem precisa do apoio ostensivo dos militares. São orquestrados via instituições, daí também serem denominados de golpe institucional. Mas, não deixa de ser surpreendente esta observação de FHC sobre o assunto. Há aqui em Pernambuco um cientista político que se dedicou ao estudo dos golpes militares. Relatava ele em sala de aula que, certa vez, abordou FHC em entrevista sobre este assunto e FHC teria dito que ele estava vendo chifre em cabeça de cavalo, numa alusão à impossibilidade de os militares brasileiros retomaram o poder através das armas. Essa revelação de FHC é uma evidência insofismável de que os rumores de sabres não estavam, assim, tão distantes da capital federal. Com o recuo de Fernando Henrique Cardoso, a solução paliativa para acalmar a caserna teria sido o escalpo do então ministro da justiça, Maurício Correia - que exagerou nas doses durante aquele mesmo evento - ainda assim através de uma saída honrosa. Percebendo o tamanho da encrenca, Itamar Franco nem pensou duas vezes.
Os militares possuem alguns "critérios" curiosos. FHC, naturalmente, na condição de ministro da Fazenda, era um nome estratégico do Governo Itamar, em razão do Plano Real. Ocorre, porém, que, um a um, os nomes da linha sucessória não agradavam aos militares por diversos motivos. Inocêncio Oliveira dirigia a Câmara dos Deputados, Humberto Lucena o Senado Federal. Um deles, inclusive, era apontado como frouxo, sem pulso. Um time fraco, que não animou as expectativas dos militares. Isso nos fez lembrar de um episódio interessante aqui do Recife. Hoje não é assim tão incomum encontrar intelectuais alinhando à direita. O Estadão, em sua edição de hoje, traz uma infográfico sobre a atuação da direita nas redes sociais e na blogosfera, onde o espaço ocupados por estes filósofos é amplamente destacado. Estão aí os Villas, os Condés, os Carvalhos. Como a direita anda em alta em todo o mundo, o possível patrulhamento da esquerda a esses intelectuais parece hoje não se constituir num grande problema. Na década de 60, no entanto, as coisas não funcionavam assim. Assumir tais posições implicavam em banimento da academia, estigma, execrações públicas e coisas do gênero. Se o indivíduo não tivesse um bom miolo podia até endoidar, numa profunda crise de consciência pesada.
O caso aqui do Recife se refere ao sociólogo Gilberto Freyre, autor do clássico Casa Grande & Senzala. Sempre se especulou sobre as reais motivações de Gilberto Freyre em apoiar a Ditadura Militar instaurado no país com o golpe civil-militar de 1964. Pesquisando a este respeito, encontramos as mais diversas razões, inclusive uma de natureza teórica, mas isso daria um grande debate, que deixamos para uma outra oportunidade. Importante salientar neste momento é que o Sociólogo de Apipucos não foi apenas um simpatizante do regime militar, mas uma espécie de intelectual orgânico, para utilizarmos o conceito gramsciano. Outro dia tive a oportunidade de manusear um opúsculo escrito por ele, a pedido de Marco Maciel, sobre reforma agrária, que atendia uma demanda dos militares. Entre as possíveis motivações de Gilberto Freyre, a mais "pragmática" era o desejo de ser nomeado governador do Estado de Pernambuco, que acabou não acontecendo. Prestigiado, recebeu convite para assumir a pasta da educação, mas recusou. Segundo comenta-se, os militares o consideravam muito "vaidoso".
P.S.: Contexto Político: Orientando de Florestan Fernandes, um dos integrantes da Turma da USP, seria até natural alguma indisposição de FHC com Gilberto Freyre. Como Presidente da República, porém, salvo melhor juízo, FHC aceitou o convite para uma das edições do Seminário de Tropicologia, então criado por Gilberto Freyre e mantido por uma instituição a ele vinculada, a Fundação Joaquim Nabuco. Prefaciando uma das últimas edições de Casa Grande & Senzala, FHC derrama-se em elogios ao sociólogo Gilberto Freyre. Recomenda-se cautela ao se analisar essas possíveis rusgas acadêmicas. Florestan Fernandes foi um dos maiores críticos da tese da "democracia racial", atribuída a Gilberto Freyre. Essa "indisposição" parece não ter resistido a um porre dos famosos licores de pitanga oferecidos por Gilberto ao uspiano, num encontro entre ambos aqui no Recife. Gilberto Freyre também teria sido convidado por Florestan para participar da banca de examinadores da tese de doutorado de Fernando Henrique Cardoso, convite que foi recusado.
Assim como ocorreu nos momentos que antecederam a derrubada da presidente Dilma Rousseff, quando escrevíamos uma média de um editorial por dia - além dos artigos - sobre os bastidores daquela trama, mantivemos o hábito depois que Michel Temer assumiu o poder. Creio que nem os ghost writers do Planalto são mais atenciosos nessa tarefa. Entre os artigos e editoriais publicados ou não, já se podem somar 1.458 páginas, o que daria alguns "tomos", nos quais estamos trabalhando.
Assim como ocorreu nos momentos que antecederam a derrubada da presidente Dilma Rousseff, quando escrevíamos uma média de um editorial por dia - além dos artigos - sobre os bastidores daquela trama, mantivemos o hábito depois que Michel Temer assumiu o poder. Creio que nem os ghost writers do Planalto são mais atenciosos nessa tarefa. Entre os artigos e editoriais publicados ou não, já se podem somar 1.458 páginas, o que daria alguns "tomos", nos quais estamos trabalhando.
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