Jornal GGN - Não cabe ao juiz federal Sergio Moro definir quem é jornalista ou não. É o que diz Helena Chagas em artigo publicado nesta quarta (22), defendendo que o magistrado reconheça o erro de ter ordenado a condução coercitiva do blogueiro Eduardo Guimarães (Blog da Cidadania) e peça desculpas por ter violado um direito fundamental de profissionais de mídia: manter a fonte em sigilo.
Na manhã de terça, Guimarães foi levado coercitivamente à Superintendência da Polícia Federal em São Paulo para prestar esclarecimentos sobre um furo jornalístico: a notícia de que o Instituto Lula seria alvo de busca e apreensão e o próprio ex-presidente, de condução coercitiva, tudo na Lava Jato. A força-tarefa de Curitiba descobriu não só a fonte do vazamento dessa informação como quer apurar quem mais estava envolvido em sua divulgação.
Criticado pela imprensa por ter atuado contra a liberdade de informação, Moro emitiu nota argumentando que Guimarães não e jornalista e que seu blog não é informativo, é uma "propaganda política".
Por Helena Chagas
Em Os Divergentes
A liberdade de expressão e de imprensa é um assunto extremamente sensível para jornalistas, veículos de comunicação, dirigentes e proprietários de órgãos da imprensa. Não é surpresa nenhuma, portanto, ver em altos de página de grandes jornais a notícia da condução coercitiva de Eduardo Guimarães, do Blog da Cidadania. Atitudes desse tipo são sempre consideradas ameaças ao princípio da liberdade de informação, e se há algo que une o sempre disperso establishment midiático é isso – mesmo quando atingem um blogueiro de campo ideológico oposto ao deles.
O juiz Sergio Moro tem sido sempre hábil na relação com a mídia, alimentando-a de informação e tendo nela um dos principais sustentáculos do sucesso da Lava Jato. Graças a isso, conquistou o apoio que ainda tem hoje da maior parte da sociedade. Mas não há dúvidas de que pisou na bola ao determinar a condução coercitiva de Guimarães e, principalmente, com a nota da Justiça Federal justificando o episódio poucas horas depois.
Não cabe à Justiça, nas circunstâncias, dizer se a informação postada num blog é jornalística ou não, e se o sujeito, que faz o Blog há mais de dez anos, é jornalista ou não. Muito menos qualificar o tipo de blog que ele faz. Depois que o Supremo Tribunal Federal decretou que não é necessário o diploma de jornalismo para exercer a profissão, ficou tudo muito fluido no nosso mercado.
O certo é que Guimarães, como tantos outros fazem todos os dias, deu uma informação que se comprovou correta, a de que o ex-presidente Lula seria levado em condução coercitiva. E, assim como tantos outros que antecipam informações, não pode ser criminalizado por isso. Ao ir em cima do blogueiro, que divulgou uma informação incômoda, e deixar todos os demais vazamento impunes, Curitiba passa a impressão de que age com dois pesos e duas medidas, e de que quer controlar não só a informação, mas a imprensa.
O melhor caminho para o juiz, agora, seria reconhecer o erro e pedir desculpas.
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Leia a íntegra da nota da Justiça Federal do Paraná:
"O senhor Carlos Eduardo Cairo Guimarães é um dos alvos de investigação de quebra de sigilo de investigação criminal no âmbito da Operação Lava Jato, ocorrida antes mesmo de buscas e apreensões.
Neste contexto, apura-se a conduta de agente público e das pessoas que supostamente teriam divulgado informações sigilosas e que poderiam ter colocado investigações em risco. Eduardo Guimarães não foi preso, mas conduzido coercitivamente para prestar declarações e já foi liberado.
Pelas informações disponíveis, o Blog da Cidadania é veículo de propaganda política, ilustrado pela informação em destaque de que o titular seria candidato a vereador pelo PCdoB pela a cidade de São Paulo. Juntos aos cadastros disponíveis, como ao TSE, o próprio investigado se autoqualifica como comerciante e não como jornalista.
As diligências foram autorizadas com base em requerimento da autoridade policial e do MPF de que Carlos Eduardo Cairo Guimarães não é jornalista, independentemente da questão do diploma, e que seu blog destina-se apenas a permitir o exercício de sua própria liberdade de expressão e a veicular propaganda político partidária.
Não é necessário diploma para ser jornalista, mas também não é suficiente ter um blog para sê-lo. A proteção constitucional ao sigilo de fonte protege apenas quem exerce a profissão de jornalista, com ou sem diploma. A investigação, por ora, segue em sigilo, a fim de melhor elucidar os fatos."
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Leia a íntegra da nota da defesa de Eduardo Guimarães:
"A Defesa repudia a nota oficial da Justiça Federal do Paraná, que, de maneira autoritária e contrariando o posicionamento do STF, pretende definir quem é ou não jornalista de acordo com juízos de valor sobre as informações e opiniões veiculadas em determinado meio de comunicação.
Condicionar a qualificação de 'informação jornalística' ao conteúdo das manifestações não tem outro nome: é censura.
No mais, é inquestionável que o fato em apuração (divulgação pública de uma informação) foi praticado no exercício de atividade jornalística. Pouco importa se ele também exerce a profissão de comerciante, é óbvio que ao divulgar publicamente estava se praticando atividade jornalística.
Mais do que um direito individual do cidadão Eduardo, viola-se a garantia de acesso à informação de toda a sociedade, essencial ao Estado Democrático de Direito."
(Publicado originalmente no Jornal GGN)
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