Na última segunda-feira, dia 1 de outubro, faleceu o historiador inglês Eric
Hobsbawm. Intelectual marxista, foi responsável por vasta obra a respeito da
formação do capitalismo, do nascimento da classe operária, das culturas do mundo
contemporâneo, bem como das perspectivas para o pensamento de esquerda no século
XXI. Hobsbawm, com uma obra dotada de rigor, criatividade e profundo
conhecimento empírico dos temas que tratava, formou gerações de intelectuais. Ao
lado de E. P. Thompson e Christopher Hill liderou a geração de historiadores
marxistas ingleses que superaram o doutrinarismo e a ortodoxia dominantes quando
do apogeu do stalinismo. Deu voz aos homens e mulheres que sequer sabiam
escrever. Que sequer imaginavam que, em suas greves, motins ou mesmo festas que
organizavam, estavam a fazer História. Entendeu assim, o cotidiano e as
estratégias de vida daqueles milhares que viveram as agruras do desenvolvimento
capitalista. Mas Hobsbawm não foi apenas um "acadêmico", no sentido de reduzir
sua ação aos limites da sala de aula ou da pesquisa documental. Fiel à tradição
do "intelectual" como divulgador de opiniões, desde Émile Zola, Hobsbawm
defendeu teses, assinou manifestos e escolheu um lado. Empenhou-se desta forma
por um mundo que considerava mais justo, mais democrático e mais humano. Claro
está que, autor de obra tão diversa, nem sempre se concordará com suas
afirmações, suas teses ou perspectivas de futuro. Esse é o desiderato de todo
homem formulador de ideias. Como disse Hegel, a importância de um homem deve ser
medida pela importância por ele adquirida no tempo em que viveu. E não há
duvidas que, eivado de contradições, Hobsbawm é um dos homens mais importantes
do século XX.
Eis que, no entanto, a Revista Veja reduz o
historiador à condição de "idiota moral" (cf. o texto "A imperdoável cegueira
ideológica da Hobsbawm", publicado em www.veja.abril.com.br). Trata-se de um julgamento barato e
despropositado a respeito de um dos maiores intelectuais do século XX.
Veja desconsidera a contradição que é inerente aos homens. E se
esquece do compromisso de Hobsbawm com a democracia, inclusive quando da queda
dos regimes soviéticos, de sua preocupação com a paz e com o pluralismo. A
Associação Nacional de História (ANPUH-Brasil)
repudia veementemente o tratamento desrespeitoso, irresponsável e, sim,
ideológico, deste cada vez mais desacreditado veículo de informação. O
tratamento desrespeitoso é dado logo no início do texto "historiador
esquerdista", dito de forma pejorativa e completamente destituído de conteúdo. E
é assim em toda a "análise" acerca do falecido historiador. Nós, historiadores,
sabemos que os homens são lembrados com suas contradições, seus erros e seus
acertos. Seguramente Hobsbawm será, inclusive, criticado por muitos de nós. E
defendido por outros tantos. E ainda existirão aqueles que o verão como exemplo
de um tempo dotado de ambiguidades, de certezas e dúvidas que se entrelaçam.
Como historiador e como cidadão do mundo. Talvez Veja, tão
empobrecida em sua análise, imagine o mundo separado em coerências absolutas: o
bem e o mal. E se assim for, poderá ser ela, Veja, lembrada
como de fato é: medíocre, pequena e mal intencionada.
São Paulo, 05 de outubro de 2012
Diretoria da Associação Nacional de História
ANPUH-Brasil
Gestão 2011-2013
Nenhum comentário:
Postar um comentário