pub-5238575981085443 CONTEXTO POLÍTICO. : Dilma, a Petrobras e o "Jogo da Direita"
Powered By Blogger

segunda-feira, 29 de fevereiro de 2016

Dilma, a Petrobras e o "Jogo da Direita"


Mais do que o 'jogo da direita', Dilma optou pelo caminho da entrega do patrimônio público, do desmonte do Estado e do desperdício de nossas riquezas.


Gilberto Bercovici
Marcelo Camargo / Agência Brasil
No último dia 24 de fevereiro de 2016, os brasileiros assistiram estupefatos a inexplicável omissão e, logo depois, a atuação decisiva da Presidente Dilma Rousseff na aprovação do Projeto de Lei do Senado (PLS) nº 131/2015, de autoria do Senador José Serra (PSDB-SP), promovendo a retirada da Petrobrás como operadora única do pré-sal.
 
Não tardaram a aparecer as mais variadas e esfarrapadas justificativas, desde a eterna tecla do “governo de coalizão” à realpolitik de botequim de que a Presidente necessitaria agradar o Presidente do Senado, Renan Calheiros, para barrar o processo de impeachment. Em todas as enfáticas defesas da atitude presidencial, um argumento sempre presente: aqueles que ousarem criticar a Presidente Dilma Rousseff estarão, na realidade, “fazendo o jogo da direita”. Quem não entende as circunstâncias do exercício do poder presidencial, no assim chamado “presidencialismo de coalizão”, promove o “quanto pior, melhor” e irá beneficiar apenas os setores interessados no impeachment ou derrubada da Presidente Dilma.
 
O argumento do “jogo da direita”, repetido ad nauseam, nada mais é que a atualização do terrorismo eleitoral das duas últimas eleições presidenciais, em 2010 e 2014: ou a candidata presidencial apoiada pelo PT ou o caos da volta dos tucanos e neoliberais. Esses argumentos se esgotaram, assim como se esgotou nossa paciência com um governo fraco, medíocre, pusilânime e que faz, este sim, o “jogo da direita” com maestria e crueldade.
 
Ao contrário do que foi amplamente prometido durante as campanhas eleitorais de 2010 e 2014, a Presidente Dilma Rousseff não promoveu um governo que representasse os anseios da maioria de nossa população. No momento imediatamente posterior à proclamação dos resultados eleitorais, a matriz da política econômica foi radicalmente alterada, com a adoção do programa econômico dos adversários derrotados no pleito presidencial. Quem faz o “jogo da direita”?

 
Ao invés de inclusão, crescimento e ampliação de direitos, o governo federal promoveu deliberadamente um ajuste fiscal de viés marcadamente neoliberal que destruiu a economia do país, gerando retração econômica, a maior recessão dos últimos tempos, de cerca de 10% e com mais de 1 milhão de desempregados, e o ataque indiscriminado aos direitos sociais, trabalhistas e previdenciários. Quem faz o “jogo da direita”?
 
A Presidente Dilma Rousseff parece acreditar que a culpa da crise e dos desajustes da economia é dos pobres deste país, omitindo-se ou promovendo diretamente uma sucessão de medidas de restrição de direitos sociais básicos, como as restrições ao seguro-desemprego, a proposta de limitar os gastos do governo inclusive com a suspensão do reajuste do salário mínimo, a reforma da Previdência voltada contra os mais humildes e dependentes dos auxílios, nunca contra as aposentadorias excessivas de setores privilegiados do funcionalismo público, notadamente no Poder Judiciário e no Ministério Público. Quem faz o “jogo da direita”?
 
A Presidente Dilma Rousseff hoje governa não para os que a elegeram, mas para os bancos e os rentistas da dívida pública. A taxa de juros foi elevada a níveis que inviabilizam a atividade econômica produtiva. O país está de joelhos, preso em uma espiral de juros sobre juros que não termina nunca e que enriquece cada vez mais os poucos privilegiados de sempre. Aproximadamente 500 bilhões de reais do orçamento da União estão destinados ao pagamento dos juros da dívida pública. Os banqueiros se refastelam sobre a miséria do povo. Quem faz o “jogo da direita”?
 
A Presidente Dilma Rousseff foi omissa e seu silêncio foi eloquente quando a principal empresa do país, responsável por 10% dos investimentos e cerca de 18% do PIB, a Petrobrás, se tornou vítima, além da corrupção, de um articulado e gigantesco ataque especulativo, judicial e midiático. O Governo Federal não moveu um músculo em defesa da Petrobrás, seja para recomprar suas ações, cuja queda foi provocada deliberadamente no mercado de capitais, seja para mostrar ao povo brasileiro que a Petrobrás é uma empresa saudável, capaz de cumprir seus compromissos e essencial ao desenvolvimento do país. A resposta à maciça campanha de desmoralização e destruição da Petrobrás é o silêncio. Quem faz o “jogo da direita”?
 
A Presidente Dilma Rousseff e o seu governo não promovem a efetiva defesa da Petrobrás junto à justiça norte-americana. A lei anticorrupção dos Estados Unidos não se estende a governos estrangeiros. A Petrobrás é um órgão do governo, uma empresa estatal, uma sociedade de economia mista integrante da Administração Pública Indireta federal, vítima de um esquema de corrupção. Em relação aos processos nos Estados Unidos, cujo resultado pode ser a condenação indevida da Petrobrás em bilhões de dólares, a atitude do Governo Federal foi novamente a omissão e a desídia, como se esta questão não fosse de seu interesse. Quem faz o “jogo da direita”?
 
A Presidente Dilma Rousseff nomeou duas diretorias distintas para a Petrobrás, ambas com o mesmo objetivo: o desmonte parcial da empresa, sua “privatização branca”. A venda de ativos da estatal não é uma novidade de Ademir Bendine, já era promovida por Graça Foster. A atual diretoria da Petrobrás, nomeada pela Presidente Dilma Rousseff, portanto, com o seu aval e beneplácito, apenas aprofundou o processo, ao determinar em seu Plano de Gestão e Negócios (2015/2019) os cortes de cerca de 76 bilhões de dólares em investimentos e a venda de cerca de 57 bilhões de dólares em ativos, como participações na BR Distribuidora, no setor de gás e na petroquímica. Quem faz o “jogo da direita”?
 
A garantia da Petrobrás como operadora única do pré-sal faz com que o ritmo de investimento e de produção de todos os projetos do pré-sal, bem como a decisão sobre eventuais associações e com quem se associar, permaneçam nas mãos da União. Isso para não mencionar as funções de controle sobre o impacto ambiental e apuração correta da vazão e da quantidade de petróleo extraída, todas exercidas pela Petrobrás. Ao abrir mão dessa política, apoiando a aprovação do Projeto de Lei do Senado (PLS) nº 131/2015, de José Serra, quem faz o “jogo da direita”?
 
Os apoiadores do Projeto do Senador Serra e os defensores acríticos do Governo Federal cantam loas ao grande avanço que a Presidente Dilma Rousseff teria conseguido em suas inexplicáveis negociações. Ao invés de se retirar formalmente a Petrobrás da condição de operadora única do pré-sal, ela teria uma espécie de “direito de preferência”, ou seja, escolheria primeiro se teria interesse na exploração daquela área do pré-sal, não sendo obrigada a atuar em todo o pré-sal. Essa proposta “light” do Projeto Serra nada mais é do que trocar seis por meia dúzia. A entrega do pré-sal para as petroleiras internacionais continua intacta, apenas disfarçada pela “esperteza” e pusilanimidade de integrantes de um governo que se comprometeu publicamente, em duas eleições seguidas, a manter o controle nacional sobre o pré-sal. Quem faz o “jogo da direita”?
 
Sem a Petrobrás como operadora única do pré-sal também se torna inviável estimular a indústria nacional, por meio das políticas de conteúdo nacional. Políticas estas que geram empregos aqui no Brasil e estimulam o desenvolvimento de nossa capacidade industrial. A política de incentivo à inovação tecnológica, que gerou toda a vanguarda da Petrobrás na exploração de petróleo em águas profundas fica também prejudicada se a estatal deixar de ser a operadora única do pré-sal. Ao ameaçar toda a cadeia produtiva do petróleo e parcela da nossa indústria nacional, que geram milhões de empregos no Brasil, quem faz o “jogo da direita”?
 
A Petrobrás descobriu as jazidas do pré-sal a partir de suas próprias pesquisas e com a utilização de sua própria tecnologia de exploração em águas profundas, sem nenhuma colaboração ou auxílio externo. E as jazidas do pré-sal apresentam risco exploratório próximo de zero, ou seja, praticamente não há possibilidade de se furar um poço e não encontrar petróleo. Nenhuma empresa petrolífera do mundo, estatal ou não, abriria mão dessas reservas. Não há sentido algum em determinar que a Petrobrás perca o controle sobre as jazidas que ela mesma descobriu e desenvolveu tecnologia própria para explorá-las, em nome do Estado brasileiro. Que país do mundo seria capaz de abrir mão do controle sobre esses recursos? Que governo permitiria a perda do controle nacional sobre as reservas petrolíferas e admitiria ter sua exploração ditada a partir dos interesses privados das grandes petroleiras internacionais? Infelizmente, foi isso o que a Presidente Dilma Rousseff promoveu no último dia 24 de fevereiro de 2016. Quem faz o “jogo da direita”?
 
Sejam quais forem os motivos da capitulação do Governo Federal na discussão do PLS nº 131/2015, nenhum deles justifica a traição a milhões de cidadãos que confiaram na candidata Dilma Rousseff quando esta prometeu por duas vezes, em 2010 e em 2014, que não abriria mão do controle estatal sobre o pré-sal, atendendo aos interesses estratégicos brasileiros. Ao trair seus eleitores e sua base de apoio na sociedade em troca de uma improvável e cada vez mais cara “governabilidade”, quem faz “o jogo da direita”?
 
Mais do que o “jogo da direita”, a Presidente Dilma Rousseff optou pelo caminho da entrega do patrimônio público nacional, do desmonte do Estado, do desperdício de nossas riquezas estratégicas. Neste caminho ela certamente pode contar com os entreguistas, aduladores e venais de sempre.
 
Justamente por não fazermos ou compactuarmos com o “jogo da direita”, este não é, nunca foi e não será jamais o nosso caminho. Nós trilhamos um caminho absolutamente distinto. Trilhamos hoje, como ontem, o caminho da soberania nacional e da contínua e árdua defesa dos interesses do povo brasileiro. A soberania nacional não se negocia com ninguém, não é e não pode ser jamais admitida como moeda de troca pela sobrevivência precária de um governo sem rumo.
 
 
*Professor Titular de Direito Econômico e Economia Política da Faculdade de Direito da USP
(Publicado originalmente no Portal Carta Maior)

Nenhum comentário:

Postar um comentário