pub-5238575981085443 CONTEXTO POLÍTICO: Editorial: A elite do atraso
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sábado, 28 de outubro de 2017

Editorial: A elite do atraso

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O novo livro do sociólogo Jessé Souza é daqueles que se ler de um fôlego só. A Elite do Atraso é um ponto de inflexão nos trabalhos que tentam "explica o Brasil" ou, para ser mais modesto, entender o problema crônico das desigualdades entre nós, assim como a sua banalização, traduzida no não reconhecimento do outro "desigual".  É um livro que traz para o centro do debate o legado das políticas inclusivas da era petista, responsável direta pela sua defenestração do poder e posterior criminalização de suas principais lideranças, inclusive o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. O PT ousou. E ousou onde não deveria ousar, ou seja, mexer nos vis interesses dos senhores da Casa Grande. Falando-se assim, parece que estamos tratando de lugares comuns, clichês prontos, tentando justificar o injustificável, mas não é. A tese de que o PT foi apeado do poder em razão de corrupção é a mais estapafúrdia possível, uma vez que, logo em seguida, sob o beneplácito dessa elite, foi guindada ao poder uma verdadeira quadrilha. Somente os "coxinhas", formado por essa classe média guardiã dos interesses da elite, acreditaram nessa balela.

O problema do país, de acordo com o autor, não está relacionado à nossa corrupção crônica, possivelmente de matriz portuguesa, como sugere autores como o historiador Sérgio Buarque de Holanda. De acordo com Jessé, seria necessário buscar outras raízes para explicar nossa "vocação" histórica para manter um apartheid social que nunca foi rompido. Acredita o autor que a tese do "patrimonialismo", na realidade, além de "furada", assenta-se numa construção discursiva que reforça, no fundo, a manutenção dos privilégios de uma elite e a "banalização" da desigualdade, que traz, em essência, uma espécie de "despersonalização" do outro, aquele pobre, negro, excluído. Embora tenha presidido o IPEA durante os anos de 2015 e 2016, não se entenda nessa empreitada acadêmica de Jessé uma tentativa de defesa do legado petista. Trata-se de um estudo de quem, de fato, está preocupado em entender porque no, Brasil, os recursos são tão concentrados.

Infelizmente, no Brasil, já caímos no pântano da mediocridade do debate. Isso é típico de regimes fechados e autoritários. Ontem, através de editorial, lamentávamos que o debate sobre educação esteja interditado por movimentos como O MBL, Escola Sem Partido e por um ator conhecido, de filmes pornôs. Assim, é impossível levar alguma discussão a sério. Assim como Jessé, também sempre tive essa preocupação de entender esse "fenômeno" das profundas desigualdades entre nós. Reformas que interferem nos interesses da elite, por exemplo, jamais avançaram no país. Os militares estão sempre ali, dispostos a atenderem seus chamados quando eles se sentem contrariados de alguma forma. O Brasil é um arremedo de democracia representativa que sobrevive, capengamente, sobre a estufa de enclaves e dispositivos autoritários que são acionados com uma frequência inusitada.

É uma observação que ainda não encontrei no livro de Jessé, mas ele possivelmente ele irá concordar que, estabelecida as regras de continuidade desse pacto, estamos condenados ao autoritarismo, com ligeiros intervalos de funcionamento de uma democracia formal, ainda assim sob o codinome de democracia delegada, bem afeita ao conceito do cientista político argentino Guillerme O'Donnell. Ainda ancorado numa matriz de colonização portuguesa, o historiador Sérgio Buarque de Holanda observava que a democracia entre nós seria um grande mal entendido. Jessé talvez concorde com ele, mas, possivelmente, por outros motivos.

Ali pelo final da década de 30, escritores como José Lins do Rego e Gilberto Freyre, relatavam suas lamúrias em relação ao final do ciclo da economia concentrada na cana de açúcar. Amigos, Gilberto chegou a realizar uma espécie de viagem da saudade pelos engenhos da família de José do Lins do Rego, localizados em cidades da zona rural do Estado da Paraíba. Do que eles sentiam saudades mesmo? das licenciosidades sexuais entre senhores de engenho e escravas, dos grandes latifúndios; dos partidos de cana a perder de vista; do regime de trabalho escravo. De acordo com Jessé, pouca coisa mudou deste então. Somos uma sociedade escravocrata e aí sem encontra a matriz de nossa intermitente desigualdade. Não deve ser por acaso que os ruralistas ocupam um espaço tão relevante no conjunto de forças políticas que estiveram por traz das urdiduras que culminaram no golpe institucional de 2016. 

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