Os advogados do senhor Michel Temer, atual ocupante da cadeira presidencial, deveriam passar em revista os conceitos do Direito Penal e refletir muito sobre eles, para não usá-los indevidamente ou injustamente contra ninguém. Comecemos pela vocábulo "Golpe". O que constitui um movimento golpista ou uma tentativa golpista? - Para o bom entendedor da teoria política ou do direito constitucional, trata-se de uma interrupção ou uma ruptura com a legalidade institucional, um atentado à Constituição da República ou a destituição dos governantes legitimamente eleitos pelo povo. Agora vejamos se procede a acusação da defesa de que a segunda denúncia contra Temer não passa de um golpe político contra ele.Quando houve um afastamento da Presidente Dilma pelo Congresso, sob a alegação de crime de "responsabilidade" pelas chamadas "pedaladas fiscais"- num processo eminentemente político - ninguém se pronunciou para falar de golpe, de ruptura institucional, ou atentado à Constituição.
Pagou-se a uma advogada evangélica para a elaboração da denúncia e do pedido de Impeachment e comprou-se, no grosso e no varejo, os votos dos deputados para que votassem a favor do pedido. Depois veio a revelação,em ligações telefônicas, de que o objetivo da empreitada era outro: estancar a operação Lava-Jato e manter na impunidade uma série de parlamentares corruptos. De nada adiantou o então Advogado-geral da União, em peça muito bem fundamentada, argumentar que não havia crime de responsabilidade nenhum e o que estava em curso era um "golpe parlamentar", sob a justificativa da ingovernabilidade política. Agora, trata-se de um processo CRIMINAL, não político. Michel Temer e seus auxiliares mais próximos (Jucá, Moreira Franco e Eliseu Padilha) são acusados pelo PGR/STF de formação de quadrilha e obstrução da Justiça, baseado em provas testemunhais, gravações e documentos. Ora, quem é que deu o golpe: Temer e sua camarilha ou o ex-procurador da República?
Uma das acusações mais sérias e incontestáveis é aquela da obstrução da Justiça. Desde a primeira denúncia, se observa como o denunciado e seu colegas se valem do cargo que ilegitimamente ocupam para corromper, aliciar, cooptar, comprar ilicitamente - com dinheiro público - o apoio de deputados venais para rejeitar a denúncia contra ele. Está certíssimo o procurador Janot quando imputa a temer o crime de obstrução, porque é exatamente o que vem sendo feito nas barbas da lei, de forma escancarada. Promessas de emendas, cargos, recursos, nomeações, tudo vale para impedir que a denúncia seja apreciada e acatada, primeiro, no Conselho de Ética da Câmara dos Deputados, depois, no Plenário, onde serão necessários mais de 300 votos para que ela prossiga. Há sim, obstrução.
O correto e ético seria o afastamento puro e simples dos denunciados de seus cargos, para que eles não fossem usados imprudentemente para evitar que as acusações sejam cabalmente apurados e acatadas, se julgadas procedentes.Pior ainda, colocar sob suspeição do acusador e pedir seu afastamento. Quem deveria ser afastado, nesse momento, são os denunciados, pois o histórico de ilicitudes não permite sequer a presunção de inocência. Finalmente, a parte mais séria: a acusação de recebimento de propinas (fala-se na cifra de mais de 500 milhões), e formação de quadrilha. Aí, nem se trata de procedimento. Trata-se de uma gravíssima acusação, apoiada em uma variedade de provas, que por si só já seria suficiente para o afastamento preventivo dos denunciados.
Em qualquer país decente, uma acusação como essa traz consigo uma condenação moral que desabilita os acusados de exerceram função ou cargo público. Mas aqui o processo de obstrução, auxiliado pela permanência no cargo, faz dos indigitados coitadinhos, perseguidos, vítimas inocentes da perseguição cega de um membro do MP desatinado, monomaníaco e compulsivo. Nessa troca de acusações, ainda sobra o impasse institucional entre o STF e o Senado. Será que ninguém ver que esse cabo de guerra só pode reforçar a convicção daqueles que só esperam mais um pretexto para estimular mais um golpe de Estado no Brasil? - Aí, quando isso acontecer, não tem para mais ninguém. Todos perdem. Todos viram culpados perante uma Justiça de exceção. Vão voltar a estudar a Constituição e pedir a redemocratização do país, quando ajudaram a enterrar a frágil democracia que nós temos.
Michel Zaidan Filho é filósofo, historiador, cientista político, professor titular da Universidade Federal de Pernambuco e coordenador do Núcleo de Estudos Eleitorais, Partidários e da Democracia - NEEPD-UFPE
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