
domingo, 25 de dezembro de 2016
E os DAS, prefeito? Para onde foram? Para as "Assessorias Especiais"?

O prefeito do Recife, Geraldo Júlio(PSB) anunciou uma reforma administrativa com o propósito de cortar despesas da máquina municipal. Anuncia que, das atuais 24 secretarias, apenas 15 serão mantidas, numa expectativa de que algo em torno de 81 milhões possam ser economizadas, por ano, com o custeio da máquina. Já se tinha uma expectativa de que algo precisava ser feito, uma vez que ocorreu, nos últimos anos, uma espécie de "inchaço" na administração municipal, fruto, em alguns casos, de acomodações políticas. A princípio, uma medida saneadora e salutar, sobretudo se considerarmos a conjuntura econômica que o país vem atravessando. O problema, como observa a Deputada Estadual Priscila Krause(DEM), é quando se faz essas contas. Tira-se daqui, mexe-se ali, extingue-se tais e quais secretarias, mas criam-se novas nomenclaturas de assessorias especiais que, no final, cumprem o exclusivo papel das inevitáveis "acomodações" políticas.
Difícil entender, conforme observa a Deputada, que essa reestruturação administrativa do organograma da Prefeitura da Cidade do Recife não apareça, concretamente, na extinção dos famosos DAS, ou seja, os cargos de Direção de Assessoramento Superior. É curiosa essas composições de "Assessorias Especiais". De tão especiais, elas estão se tornando comuns, em razão de sua banalização pelos gestores públicos, que as utilizam apenas, como disse antes, para as "acomodações" políticas de ocasião. São ex-prefeitos, lideranças políticas regionais, políticos em fim de carreira. Ninguém com este perfil assim, digamos, "tão especial". O ex-governador Eduardo Campos, naqueles tempos, teria pensado esse grupo como uma espécie de elite da gestão pública. Gente jovem, com currículos brilhantes, capazes de conceber, monitorar e concretizar políticas públicas de impacto na máquina, com reflexos positivos para a sociedade. Mas, logo, em função das injunções políticas, essa ideia inicial foi sendo descaracterizada.
Feita as contas, como bem observa a atuante Deputada Priscila Krause, no mínimo, seria de bom alvitre que essa possível economia que seria produzida na máquina pública municipal apresentasse um "indicador" mais objetivo, sob pena de parecer apenas uma maquiagem contábil, sem maiores consequências. Como a extinção de nove secretarias não se refletem, concretamente, na redução drásticas dos famosos DAS? Curioso isso, não? Muito pertinente, portanto, os questionamentos formulados pela Deputada Priscila Krause. Priscila integra um partido, o DEM, que hoje se coloca como de oposição à gestão municipal, mas faz uma oposição substantiva, consistente e consequente.
sábado, 24 de dezembro de 2016
Projeto transporta dialética hegeliana para HQ
Com referências que vão de ‘Clube da Luta’ a canções de Gilberto Gil, ‘Dialeticomix’ quer aproximar o público mais jovem do filósofo

Capa do Dialeticomix
Paulo Henrique Pompermaier
“A dialética é incrível porque abarca o oposto dela, explica o oposto, contempla o oposto. É um raciocínio absurdamente necessário nos dias de hoje”. Dessa forma Gláucia Angélica Campregher, professora de economia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), explica a importância que atribui ao pensamento dialético nos dias de hoje. Foi essa relevância que a levou a criar, junto com o desenhista Carlos Ferreira, o livro Dialeticomix, que transforma o pensamento dialético de Hegel em história em quadrinhos.
A escolha da HQ como formato para traduzir o conceito filosófico, deu-se porque Campregher quer alcançar um público que, segundo ela, talvez não tenha interesse no assunto de outro modo: jovens, principalmente os que não são da área de Ciências Sociais. “As pessoas não têm o hábito de conversar. O que eu fiz foi falar com a gurizada, ouvir as músicas que eles escutam, ver os filmes, ler os livros, HQs, frequentar os mesmo lugares”, comenta.
Foi a partir dessa vivência que Angélica moldou a HQ. Os personagens principais são dois universitários que, ao longo da narrativa vivenciam romances, discussões familiares, brigas por discordâncias ideológicas, fugas da polícia em manifestações de rua. Ao longo da trama, o pensamento dialético vai sendo tecido e explicado, por exemplo, durante uma discussão entre os protagonistas, que têm ideias opostas, mas vão penetrando no pensando um do outro e se identificando por meio de ideias a princípio opostas. Referências a filmes como Clube da Luta, Jango e músicas de Gilberto Gil e Lulu Santos ajudam a dar uma cara mais pop à história.
Uma das principais dificuldades de Campregher foi colocar tamanha densidade filosófica em situações ilustradas. “Eu não queria fazer um texto ilustrado, então cada cena teve que ser pensada com o ilustrador. Mas foi interessante explorar o diálogo, típico da HQ, e que nasceu com a dialética”, diz. A importância dos diálogos é também um dos motivos da escolha de personagens jovens como protagonistas. “Quando você fica velho, fica menos disponível, menos disposto a dialogar.”
Para a professora, a incapacidade de “pensar dialeticamente” é um dos motivos da polarização política “burra” vivenciada no Brasil hoje. “Nós precisamos criar sínteses positivas que nos coloquem como participantes do processo, em vez de ficar do lado de uma ideia ou de outra.” O projeto atualmente está em fase de financiamento coletivo no Catarse. Campregher considera que uma das coisas “mais bonitas e interessantes” do pensamento dialético é perceber que “os opostos não são diferentes, eles estão um no outro. Quanto mais contrário você se por a alguma ideia, mais idêntico a ela você é”.
(Publicado originalmente no site da revista Cult)
Le Monde: A cultura do medo imposta por policiais
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A polícia jamaicana não está apenas matando pessoas em números alarmantes, mas usa um longo catálogo de “táticas de terror” para garantir que ninguém faça perguntas ou busque justiça
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por Louise Tillotson |
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![]() O irmão dela, Nakiea, tinha acabado de preparar os pedidos para o almoço e tirar o lixo quando foi executado pela polícia, que acreditava que um roubo tinha acontecido ali perto e estava perseguindo um homem de “aparência Rastafári”. Nakiea encaixava-se na descrição. Nos dois anos que se passaram desde que ele foi morto, a polícia patrulhou a comunidade várias vezes, sempre coincidindo com os dias em que o tribunal ouviria o caso dele. Uma consulta preliminar foi dispensada depois que uma testemunha assustada não apareceu no tribunal. Quando a comunidade protestou contra a dispensa do caso em julho, carros da polícia apareceram. Em sua busca pública por justiça, as irmãs e o irmão de Nakiea sofrem intimidações e assédios frequentes por parte da polícia. Infelizmente, essa não é uma história incomum na Jamaica. Na última década, a polícia do país caribenho matou mais de 2 mil pessoas – até recentemente, uma média de quatro pessoas por semana, a maioria homens jovens em comunidades urbanas marginalizadas. Porém, por mais que sejam assustadores, esses números contam apenas parte da história. Como revela nosso novo relatório, “Esperando em vão, Jamaica: homicídios ilegais cometidos pela polícia e a longa luta dos parentes por justiça”, a polícia jamaicana não está apenas matando pessoas em números alarmantes, mas usa um longo catálogo de “táticas de terror” para garantir que ninguém faça perguntas ou busque justiça. As evidências apontam fortemente para as execuções extrajudiciais como estratégia sancionada pelo Estado para “se livrar dos criminosos”. Outros mortos são testemunhas, pessoas sob custódia da polícia ou apenas aqueles que estavam no lugar errado, na hora errada. Após os tiroteios policiais, os oficiais mexem na cena do crime, deixam as vítimas sangrarem até a morte ou as levam para outro lugar para “dar fim a elas”. Quando os parentes procuram a justiça, enfrentam assédio intenso por parte da polícia em várias áreas de suas vidas. A maior parte das pessoas com quem falamos durante vários meses pediu para contar suas histórias de forma anônima, pois vivem com muito medo de represália. Vários familiares, incluindo crianças, viram seus parentes sendo mortos na frente deles. Muitos ainda encontram os policiais supostamente responsáveis em seus bairros. É comum que a polícia apareça na casa deles, em alguns casos para prender de maneira ilegal e maltratar os parentes da vítima. Eles também aparecem nos hospitais e até nos funerais das vítimas, tudo para intimidar e silenciar. Enquanto isso, as famílias ficam esperando, dependentes de um sistema judiciário extremamente lento. Há 13 anos, Claudette Johnson tem esperado que o Tribunal Especial determine a causa da morte do filho dela, supostamente assassinado pelas mãos da polícia. O tribunal tem um orçamento magro e um acúmulo de pelo menos trezentos casos, mas esse é apenas o primeiro passo no esforço dela. Se o inquérito concluir que houve uma execução extrajudicial, pode levar outra década até que o caso seja julgado. Em um contexto de enorme impunidade e sem representação legal desde que a Jamaicans for Justice, uma ONG de direitos humanos que a assistia, perdeu o financiamento para tal trabalho em 2014, Claudette muitas vezes sente que está esperando em vão. As autoridades jamaicanas vão argumentar que estão fazendo algo certo, já que o número de assassinatos policiais diminuiu bastante nos últimos anos. Os números podem ter diminuído, mas pouco mudou na maneira como as forças policiais lidam com os problemas institucionais chocantes que permitem aos oficiais se safar sem punição. Até junho deste ano, um mecanismo de supervisão policial independente (Indecom) estabelecido em 2010 iniciou processos contra a polícia em cem casos, mas apenas alguns foram a julgamento por causa de atrasos no sistema judiciário. Até onde sabemos, poucos policiais foram condenados desde 2000 pelos mais de 3 mil assassinatos cometidos por eles no mesmo período. Quando perguntamos, o diretor do Ministério Público jamaicano não forneceu dados sobre o número de acusações apresentadas contra oficiais ou o número de condenações feitas nos últimos dez anos. O Indecom mudou a resposta da Jamaica em relação às décadas de epidemia de execuções extrajudiciais. Mas não importa sua eficácia, ele não tem varinha mágica e não pode ser o único responsável pela melhora da responsabilização dentro das forças policiais jamaicanas. Levar os policiais jamaicanos a julgamento requer uma liderança política forte e o desejo genuíno de reformar um sistema que deixa a polícia se safar. Não significa reinventar a roda, mas fortalecer as instituições que podem construir um forte sistema de responsabilização. O Tribunal Especial precisa urgentemente de reforma e de recursos para operar de maneira eficaz e ter um papel na prevenção de assassinatos futuros. No último mês de junho, uma comissão de inquérito para as violações dos direitos humanos durante uma operação conjunta policial-militar em 2010 que deixou 69 mortos fez recomendações claras para a reforma da polícia. Os níveis mais altos do Estado devem prestar atenção e agir com base nessas recomendações. A reforma atual do sistema judiciário também deve incluir medidas práticas que protejam as testemunhas e garantir um acesso mais rápido e igualitário à justiça para os parentes daqueles supostamente mortos por agentes do Estado. A história mostra que a maneira como a polícia opera e mata não resolve a criminalidade, e sim aterroriza as famílias e leva as comunidades ao silêncio. Essa situação não pode continuar. Chega de esperar em vão: é hora de justiça.
Louise Tillotson
Pesquisadora de Caribe na Anistia Internacional.(Publicado originalmente no site do jornal Le Monde Diplomatique Brasil) |
quinta-feira, 22 de dezembro de 2016
Le Monde: A devastação do trabalho na contrarrevolução de Temer
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O objetivo do atual governo, no universo das relações de trabalho, é corroer a CLT – que a classe trabalhadora compreende como sendo sua “verdadeira Constituição do trabalho” – e dar cumprimento à “exigência” do empresariado, cujo objetivo não é outro senão instalar imediatamente uma “sociedade da terceirização total”
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por Ricardo Antunes | |||||||||
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![]() Em que mundo do trabalho estamos inseridos? Depois de um período aparentemente estável do pós-guerra, o ano de 1968 chacoalhou a “calmaria” que parecia vigorar no mundo do welfare state: os levantes em Paris, que se espalharam por tantas partes do globo, estampavam o novo fracasso do capitalismo. Os operários, os estudantes, as mulheres, a juventude, os negros, os ambientalistas, as periferias e as comunidades indígenas chamavam atenção para um novo e duplo fracasso. De um lado, cansaram de se exaurir no trabalho, sonhando com um paraíso que nunca encontravam. O capitalismo do Norte ocidental procurava fazê-los “esquecer” a luta por um mundo novo, alardeando um aqui e agora que lhes escapava dia após dia. De outro lado, o chamado “bloco socialista”, originado em uma revolução socialista que abriu novos horizontes em 1917, havia se convertido, desde a contrarrevolução do camarada Stalin, em uma ditadura do terror especialmente contra a classe operária que, em vez de se emancipar, se exauria em um trabalho infernal em que o sonho cotidiano principal era praticar o absenteísmo no trabalho. O ano que abalou o mundo foi duramente derrotado pelas poderosas forças repressivas que sempre se aglutinam quando a ditadura do capital é questionada. Das revoltas na França ao massacre dos estudantes no México e a repressão às greves do Brasil. Do autunno caldo (outono quente) da Itália ao Cordobazo na Argentina, os aparatos repressivos da ordem conseguiram estancar a era das rebeliões, impedindo-as de se converterem em uma época de revoluções. Adentrávamos, então, no início da década de 1970, em uma profunda crise estrutural: o sistema de dominação do capital chafurdava emtodos os níveis: econômico, social, político, ideológico, valorativo, obrigando-o a desenhar uma nova engenharia da dominação. Foi nesse contexto que se começou a gestar uma trípode profundamente destrutivo. Esparramaram-se, como praga da pior espécie, a pragmática neoliberal e a reestruturaçãoprodutiva global, ambos sob o comando hegemônico do mundo das finanças. E é bom recordar que essa hegemonia significou não somente e expansão do capital fictício, mas também uma complexa simbiose entre o capital diretamente produtivo e o bancário, criando um monstrengo de novo tipo, uma espécie de frankenstein horripilante e desprovido de qualquer sentimento minimamente anímico. As principais resultantes desse processo foram desde logo evidenciadas: deu-se uma ampliação descomunal de novas (e velhas) modalidades de (super)exploração do trabalho, desigualmente impostas e globalmente combinadas pela nova divisão internacional do trabalho na era dos impérios. Para tanto, foi preciso que a contrarrevolução burguesa deamplitude global exercitasse sua outra finalidade precípua, qual seja, a de tentar destruir a medula da classe trabalhadora, seus laços de solidariedade e consciência de classe, procurando recompor sua nova dominação, em todas as suas esferas da vida societal. Nasceu, então, um novo dicionário empresarial no mundo do trabalho, que não para de crescer. “Sociedade do conhecimento”, “capital humano”, “trabalho em equipe”, “times ou células de produção”, “salários flexíveis, “envolvimento participativo”, “trabalho polivalente”, “colaboradores”, “PJ” (pessoa jurídica, denominação falsamente apresentada como “trabalho autônomo”). E mais: “empreendedor”, “economia digital”, “trabalho digital”, “trabalho on-line” etc. Todos impulsionados por “metas” e “competências”, esse novo cronômetro da era digital que corrói cotidianamente a vida no trabalho. Na contraface desse ideário apologético e mistificador, afloraram as consequências reais no mundo do trabalho: terceirização nos mais diversos setores, informalidade crescente; flexibilidade ampla (que arrebenta as jornadas de trabalho, as férias, os salários); precarização, subemprego, desemprego estrutural, assédios, acidentes, mortes e suicídios. Exemplos se ampliam em todos os espaços, como nos serviços comoditizados ou mercadorizados. Um novo precariado aflora nos trabalhos de call centers, telemarketing, hipermercados, hotéis, restaurantes, fast-foods etc., onde vicejam a alta rotatividade, a menor qualificação e a pior remuneração. Turbinados pela lógica das finanças, em que técnica, tempo e espaço se convulsionaram, a corrosão dos direitos do trabalho tornou-se a exigência inegociável das grandes corporações, apesar de seus ideários apregoarem mistificadoramente “responsabilidade social”, “sustentabilidade ambiental” (a Samarco e a Vale que o digam), “colaboração”, “parceria” etc. Na esfera basal da produção, prolifera o vilipêndio social e, no topo, domina o mundo financial. Dinheiro gerando mais dinheiro na ponta fictícia do sistema e uma miríade interminável de formas precárias de trabalho que se esparramam nas cadeias globais produtivas de valor. Dos Estados Unidos à Índia, da Europa “Unida” ao México, da China à África do Sul, em todos os cantos do mundo se expande essa pragmática letal ao trabalho e seus direitos. E esse vilipêndio só é estancado quando há resistência sindical, luta social e rebelião popular, como na França de hoje e no Chile de ontem. Ressuscitam-se formas de trabalho escravo e degradam-se além do limite os trabalhos dos imigrantes. Isso sem falar do engodo do “trabalho voluntário”, frequentemente impostoe compulsório, pois ninguém consegue um emprego se não estampar em seu curriculumvitae a realização de “trabalho voluntário”. Ou seja, uma atividade originalmente volitiva se transmuda em sua caricatura, convertendo-se em uma nova forma “moderna” de exploração compulsiva. Na Feira Internacional de Milão, em 2015, e nas Olimpíadas de 2016, no Rio de Janeiro, só para dar dois exemplos, a mistificação se acentua exatamente onde lucros incalculáveis são obtidos por grandes corporações do “entretenimento”. E o Brasil não poderia ficar fora dessa. O governo Temer, a nova fase da contrarrevolução neoliberal e o desmonte da legislação social do trabalho Sabemos que o neoliberalismo vem se efetivando por meio de um movimento pendular, quer por governos neoliberais “puros”, quer pela ação de governos mais próximos do social-liberalismo; em ambos os casos, os pressupostos fundamentais do neoliberalismo se mantêm essencialmente preservados. Desde quando começou a ser efetivamente introduzida no Brasil, a partir da década de 1990, a pragmática neoliberal teve claras consequências: aumento da concentração de riqueza, avanço dos lucros e ganhos do capital, incrementados com a privatização de empresas públicas, além de deslanchar a desregulamentação dos direitos do trabalho. Foi assim com Collor e FHC. Os governos do PT foram exemplos exitosos da segunda variante, ao introduzir uma política policlassista fortemente conciliadora, preservando e ampliando os grandesinteresses das frações burguesas. Mas havia um ponto de diferenciação, dado pela inclusão de programas sociais, como o Bolsa Família, voltado para os setores mais empobrecidos, além da introdução de uma política de valorização do salário mínimo limitada, mas real, apesar dos níveis de salário mínimo no país serem absurdamente rebaixados. Basta compará-lo ao salário mínimo indicado pelo Dieese. Enquanto o cenário econômico era favorável, o país parecia estar em um círculo virtuoso. Com o agravamento da crise econômica global (que teve como epicentro os países capitalistas do Norte e aqui se intensificou posteriormente), porém, esse mito começou a evaporar. As rebeliões de junho de 2013 foram os sinais mais evidentes do enorme fracasso que se avizinhava, mas foram olimpicamente desconsideradas pelo governo Dilma. Esse quadro crítico se acentuou durante as eleições de outubro de 2014, quando começou a se verificar uma retração crescente do apoio das frações dominantes, uma vez que a intensificação da crise econômica indicava que esses setores que até então respaldavam (e ganhavam muito com) os governos do PT começaram a exigir um ajuste fiscal que acabou por ter uma dupla e trágica consequência. Por um lado, levou à crise terminal do governo Dilma e, por outro, ao desalento de inúmeros de seus eleitores nas classes populares, que a viram realizar o que dizia recusar na campanha eleitoral. De lá para cá, a história é de todos conhecida. Consolidou-se a “alternativa ideal” das frações burguesas, agora em aberta dissensão: impossibilitada de ganhar pelas urnas, chegava a hora de deflagrar um golpe que teve no Parlamento seu lócus decisivo. Aqui vale um breve parêntese. Marx disse que o Parlamento francês, em meados do século XIX, vivenciou uma “degradação do poder” que lhe retirou “o derradeiro resquício de respeito aos olhos do público”.1 O que dizer, então, do Parlamento brasileiro recente, no qual viceja um enorme núcleo que exercita solenemente sua forma pantanosa? Assim, nossa transição pelo alto desencadeou uma nova variante de golpe (já experimentada em Honduras e no Paraguai, para ficarmos na América Latina), que precisava “arranjar” algum respaldo legal. E o fez recorrendo tanto à judicialização dapolítica quanto à politização da justiça. Sempre com o apoio das grandes corporações midiáticas e com a ação, nas sombras, comandada pelo vice Temer e pela batuta indigente de Cunha na Câmara, ambos aliados do PT na época de lua de mel com o PMDB. Tudo isso parece conferir plausibilidade a algumas formulações de Agamben,2 uma vez que toda essa ação está perigosamente nos aproximando a uma forma (contraditória?) de “estado de direito de exceção”. E o golpe parlamentar que levou à deposição de Dilma, sem provas cabais – e ao mesmo tempo a isentou de perda dos direitos políticos (em mais uma flagrante incongruência jurídica) –, reiterou a farsa ao condenar uma presidenta por um crime que o mesmo Parlamento reconhece que ela não cometeu. Tudo isso para que o governo golpista siga à risca a pauta que lhe foi imposta, uma vez que os capitais exigem, neste momento de profunda crise, que se realize a demolição completa dos direitos do trabalho no Brasil.3 Dado que essa programática não consegue ter respaldo eleitoral, o golpe foi seu truque. Talvez por isso possamos denominá-lo, irônica e tragicamente, de um verdadeiro governo terceirizado. Iniciou-se, então, uma nova fase da contrarrevolução preventiva, para recordar novamente Florestan Fernandes,4 agora de tipo ultraneoliberal. Sua principal finalidade: privatizar tudo que ainda restar de empresa estatal, preservar os grandes interesses dominantes e destroçar os direitos do trabalho. Em seu conhecido documento inspirador, Uma ponte para o futuro, cujo abismo social resultante não para de se intensificar, está estampado a trípode destrutiva a ser colocada em prática nos trópicos: privatizar o que ainda não o foi (em que o pré-sal se destaca como vital); impor o negociado sobre o legislado nas relações de trabalho, em um período em que a classe trabalhadora tem apontada uma espada no coração e um punhal nas costas, pelo flagelo do desemprego que não para de crescer; e, por fim, introduzir a flexibilização total das relações de trabalho, começando pela aprovação da terceirização total (conforme consta do PLC 30/2015). E, para que a devastação seja completa, é preciso aviltar a Constituição de 1988, o que não é tarefa nada difícil para o Parlamento no qual o pântano é movediçamente oscilante. Basta um bom movimento negocial. O objetivo perfilado pelo atual governo de Michel Miguel, no universo das relações de trabalho, é corroer a CLT (Consolidação das Leis do Trabalho) – que a classe trabalhadora compreende como sendo sua “verdadeira Constituição do trabalho” – e dar cumprimento à “exigência” do empresariado (CNI, Febraban e assemelhados), cujo objetivo não é outro senão instalar imediatamente o que denominei como “sociedade da terceirização total”.5 Não é outro o significado do PLC 30/2015. Depois de obter, anos atrás, a terceirização das atividades-meio, chegou a hora do outro golpe. Terceirizar tudo, com o encobrimento falacioso e perverso de que o dito PLC quer conferir direitos aos terceirizados. Mas ficam algumas perguntas centrais. Primeira: se o empresariado, tempos atrás, justificava a terceirização das atividades-meio para se manter qualificado e focado nas atividades-fim, o que mudou agora? A resposta é direta: o embuste agora é outro e o mal dito vira desdito. Segunda: se o empresariado quer garantir direitos aos terceirizados, por que exatamente nessas empresas de terceirização a burla e a fraude são mais a regra do que a exceção? Terceira: os empresários dizem que a terceirização cria empregos. Mas, como os terceirizados têm em média jornadas diárias ainda mais longas, pode-se concluir, por exemplo, que mais terceirizados podem fazer o trabalho de menos celetistas. Evidencia-se, então, que não há aumento de empregos, e sim maior desemprego, uma vez que de fato a terceirização é uma forma de redução de custos e de trabalho regulamentado. Quarta: se os empregos terceirizados são assim tão bons, por que é exatamente nesse setor que os acidentes, os assédios, as lesões e as mortes no trabalho são muito mais intensas? Quinta: por que nesse universo do trabalho, no qual é intensa a presença feminina, são ampliados os abismos decorrentes da divisão sexual do trabalho, em que as mulheres recebem menos, têm menos direitos e ainda exercem uma dupla (quando não tripla) jornada de trabalho? Sexta: a quem interessa fragmentar ainda mais a classe trabalhadora, ampliando as diferenciações intra-assalariados e dificultando ainda mais sua organização sindical? A lista de perguntas seria quase interminável e o espaço já foi ultra- -passado. Aqui reside o segredo de Polichinelo: para garantir a alta remuneração dos capitais, vale devastar toda a população trabalhadora, começando pela destruição completa do que resta de seus direitos do trabalho, da previdência, da saúde e da educação públicas. Nem uma palavra sobre redução dos juros, tributação dos bancos, dos capitais e das grandes fortunas. Nada. Para isso deu-se a assunção do governo terceirizado. Só as lutas sociais poderão fazê-lo submergir.
Ricardo Antunes
Ricardo Antunes é professor e sociologo da UnicampIlustração: Fabio Rodrigues Pozzebom/Agência Brasil 1 Karl Marx, 18 de Brumário de Luís Bonaparte, Paz e Terra, Rio de Janeiro, 1974, p.39. 2 Giorgio Agamben, Estado de exceção, Boitempo, São Paulo, 2004. 3 Era chegada a hora de os capitais terem um governo-de-tipo-abertamente-gendarme, independentemente de quão úteis para as classes dominantes foram os governos do PT. Ver Ricardo Antunes, “Fenomenologia da crise brasileira”, Revista Lutas Sociais, v.19, n.35, dez. 2015. Disponível em: http://revistas.pucsp.br/index.php/ls/article/view/26672/pdf. 4 Florestan Fernandes, A revolução burguesa no Brasil, Zahar, São Paulo, 1975. 5 Ver Ricardo Antunes, “A sociedade da terceirização total”, Revista da ABET, v.14, n.1, jan.-jun. 2015. Disponível em: http://periodicos.ufpb.br/ojs/index.php/abet/article/view/25698/13874. | |||||||||
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03 de Outubro de 2016 | |||||||||
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Palavras chave: direitos, trabalhistas, golpe, desemprego, pobreza, Temer, flexibilização, trabalho | |||||||||
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Editorial:Os sinais das narrativas discursivas dos políticos.

Convém aos analistas ficarem muito atento ao discurso dos atores políticos. Primeiro, porque se trata de um discurso eivado de sofismas, quase sempre não representando o que, de fato, eles pensam. Depois, porque pode sinalizar posições políticas definidoras de suas estratégias no jogo. Quando Eduardo Campos ainda era vivo e movimenta-se para pavimentar sua candidatura ao Palácio do Planalto, reaproximou-se do hoje Deputado Federal Jarbas Vasconcelos(PMDB). Como bem defini à época, as suas ambições políticas estavam acima de qualquer rusga localizada. Até então, Jarbas Vasconcelos mantinha uma indisposição antiga com o grupo político ligado ao ex-governador Miguel Arraes, padrinho político de Eduardo Campos. O primeiro encontro entre ambos teria ocorrido em Aldeia e, logo em seguida, nas manhãs de domingo, nos famosos cozidos oferecidos por Jarbas Vasconcelos em sua residência de praia, no bairro do Janga, aqui em Paulista.
Em todos esses encontros, no discurso de Jarbas Vasconcelos, ficava claro que, se Eduardo Campos desejasse mesmo viabilizar-se politicamente teria que se afastar do PT. Eduardo Campos morreu num acidente aéreo, mas não tenho qualquer dúvida de que, certamente, seguiria o conselho do novo amigo. Uma outra conclusão possível é a de que a montagem das urdiduras em torno do afastamento da presidente Dilma Rousseff do poder começaram bem mais antes do que se possa imaginar. O plano de desmoralização política do PT e dos seus líderes, por aquela época, então, já estava sendo articulado. Não seria exagero concluir que, em alguns momentos, em sua fala com a imprensa, o hoje Deputado Federal chegou a "pautar" o discurso do então pretendente ao Palácio do Planalto.
Aqui na província, assim como em todo o país, estamos naqueles momentos de confraternizações políticas de final de ano. Até recentemente, o senador Armando Monteiro, através do seu PTB, reuniu seus correligionários, amigos, profissionais de imprensa e políticos para a sua confraternização de final de ano. Costura-se, aqui, uma nova conformação de força política visando as eleições majoritárias de 2018, possivelmente liderada pelo próprio senador, que seria candidato ao Palácio do Campo das Princesas. Essa conformação de forças ficaria nítida na reta final da disputa política em Caruaru, vencida por Raquel Lyra, filha do ex-governador João Lyra. Lá estiveram presentes próceres atores políticos tucanos e democratas, todos irmanados na vitória de Raquel. Pois bem. Essas mesmas forças estiveram presentes na última confraternização do PTB, que contou, inclusive, com lideranças do Partido dos Trabalhadores, a exemplo do senador Humberto Costa, Teresa Leitão, João Paulo.
Mesmo considerando o fato de que, no Brasil, a formação de alianças na quadra local não refletem, necessariamente, o conjunto de alianças celebradas nacionalmente, é muito improvável que uma aliança do PTB com o DEM e o PSDB possa incluir o PT.Pontualmente, o senador Armando Monteiro já vem afinando o seu discurso neste sentido, emitindo sinais de que seu alinhamento com o PT foi político e não ideológico. Por acaso alguém tem alguma dúvida de que o senador Armando Monteiro é um ator político organicamente vinculado ao capital? Outro que também emite sinais de que já teria dado sua cota de contribuição ao PT é o ex-líder do governo de coalizão petista na Câmara dos Deputados, Sílvio Costa, hoje filiado ao PTdoB, que, em suas posições sobre a PEC 55 amplia o fosso com os antigos aliados.
São discursos de reposicionamento, diante dos novos cenários e correlação de forças que se apresentam. De olho nas eleições presidenciais de 2018, o governador Geraldo Alckmin(PSDB), de São Paulo, se arranja como pode no ninho tucano, mas sabe que as circunstâncias políticas poderiam compeli-lo para fora do partido. Raposa bem felpuda da política, diante de uma circunstância como esta, já teria um outro ninho à sua disposição, mesmo que tenha que dividi-lo com as pombinhas do PSB. Suas últimas falas foram de críticas ao teor da PEC 55, a PEC do teto dos gastos públicos, aprovada recentemente. Observou que não seria possível estipular os gastos de cobertura apenas aos índices inflacionários, uma vez que a saúde pública é dolarizada, a população envelhece, os custos aumentam. Nada mais óbvio na fala de um oposicionista, mas trata-se de um tucano de voz rouca. E assim, consoante as conveniências de ocasião, os políticos vão reformulando seus discursos. No caso deles, aplica-se bem a máxima de que o que ontem ainda é hoje, amanhã poderá não ser anteontem.
Aliás, por falar no governador Geraldo Alckmin, um bom exercício é ficar atento às suas falas sobre o Governo Michel Temer. Temer, como se sabe, anda um pouco na corda bamba, fustigado pelas aves tucanas que desejam montar um ninho no seu quintal; as fissuras observadas em sua base aliada no legislativo; o país na maior crise institucional e econômica de sua história. O líder tucano no Senado Federal, o senador pelo Estado da Paraíba, Cássio Cunha Lima, em entrevista recente, aventou a possibilidade de interrupção abrupta do mandato do presidente Michel Temer, muito antes de 2018. Neste caso, creio que analisando a situação do ponto de vista da linha sucessória natural, o senador lembrou o nome da presidente do Supremo Tribunal Federal, Cármen Lúcia. É a dinâmica da realpolitik, meus amigos. Quando eles se juntaram para solapar o governo da coalizão petista, o jogo era um. Pouco empo depois, as nuvens políticas já se apresentam de uma outra forma, como enfatizava a raposa Magalhães Pinto.
Feliz Natal! - mas só para quem não é servidor público estadual
Helena Borges
ESPERAR O 13º bater na conta, em alguns estados brasileiros, tornou-se sinônimo de acreditar em Papai Noel. Pelo menos seis estados já comunicaram que terão problemas para pagar o abono, segundo levantamento feito pelo site G1. Entre eles, o governo do Amazonas mandou avisar que seus servidores passarão o Natal sem o salário de dezembro, que deveria ter sido pago no início do mês. No Rio de Janeiro, o salário de novembro ainda segue atrasado.
Revoltados, servidores se manifestam em diversos estados. Como resposta, o presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ), adiou o recesso de fim de ano da Casa para votar o mais rápido o possível o Projeto de Lei Complementar 257/2016, que renegocia a dívida dos estados.
Tentando amenizar a crise financeira, os deputados querem que a União postergue o pagamento das dívidas estaduais por mais 20 anos. A quantia devida já ultrapassa os R$ 427 bilhões. Os governadores, por sua vez, chegaram a pedir um novo aporte de mais R$ 178 bilhões da União, que foi negado.
O ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, chegou a oferecer uma proposta de recuperação aos estados endividados que incluía a desejada suspensão temporária dos pagamentos das dívidas com a União. Em contrapartida, no entanto, os governos estaduais teriam que cumprir algumas medidas austeras, como congelar a folha de pagamento, subir o custo das contribuições previdenciárias até o limite de 14% e dificultar o acesso a pensões. A meio caminho das eleições de 2018, os governadores não acharam o pacto atraente.
Servidores públicos do Rio de Janeiro manifestam-se em frente à Assembleia Legislativa do estado.
Foto: Erick Dau
Um acordo feito entre as lideranças da Câmara retirou do texto aprovado a limitação de reajuste salarial, o congelamento de vagas e outras compensações exigidas pelo ministro, que haviam sido incluídas pelo Senado.
“A Câmara dos Deputados é um poder independente e nós vamos votar essa matéria. Se vai ser aprovada, essa é uma decisão de cada deputado, agora. Nós não precisamos do aval, nós precisamos do diálogo com o ministro da Fazenda”, revoltou-se Maia.
Em uma tentativa de controle da situação, o líder do governo, André Moura (PSC-SE) andou pelo plenário conversando individualmente com os parlamentares. Ele pedia para que seus colegas se ausentassem ou não votassem, de forma a não haver parlamentares o suficiente para aprovar a medida. Irritado, Maia chamou sua atenção na frente de todos: “Se a decisão do governo é não votar, que venha ao microfone e informe ao plenário.”
A proposta foi aprovada sem as compensações, na tarde dessa terça-feira, dia 20, representando uma derrota para a equipe econômica do governo. O texto ainda precisa passar pela sanção do presidente.
A mesma Câmara que mandou congelar os gastos públicos por 20 anos, agora quer prolongar as dívidas dos estados com a União pelos mesmos 20 anos. Com isso, segundo os cálculos, a esfera federal deixará de receber aproximadamente R$50 bilhões nos próximos dois anos. Aprovar o prolongamento da dívida vai contra o ajuste econômico proposto por Meirelles. E o ajuste foi justamente a missão que o alçou ao cargo.
Se votaram pelo congelamento dos gastos — e, portanto, demonstraram apoiar a agenda de austeridade —, com essa nova atitude, os deputados federais demonstram não ter entendido quais seriam suas aplicações práticas: medidas impopulares de corte em investimentos e de vagas de trabalho. Ou fizeram-se de desentendidos.

(da esq. para dir.) O presidente da Câmara Federal, Rodrigo Maia, o presidente do Senado, Renan Calheiros, e o ministro da Fazenda, Henrique Meirelles durante o anúncio das medidas para estímulo da economia, no dia 15 de dezembro.
Foto: AFP/Getty Images
MAS NÃO ERA ISTO que os congressistas queriam quando votaram pelo impeachment, alguém que conduzisse a economia com maisresponsabilidade?
Agora, que a tão pedida economia de gastos está se concretizando em medidas duras e impopulares, como Meirelles já avisava que seriam, os parlamentares lembram-se que austeridade é cortar na carne. E cortar na carne atinge cargos comissionados, a moeda de troca dos políticos, e não atrai votos, já que corta garantias sociais.
Na votação que retirou as contrapartidas exigidas pelo governo, os deputados federais demonstraram que, na realidade, não querem tanto assim um ajuste de contas. E não é a primeira vez que isso acontece. A última vez, inclusive, parece ter acontecido em outro século, mas não tem muito tempo.
“Estão fingindo que cortam.”
A frase é de Eduardo Cunha (PMDB-RJ) e foi proferida durante uma entrevista à Folha de S.Paulo, em outubro de 2015. Naquele tempo, o então ministro da Fazenda, Joaquim Levy, que compunha a equipe de Dilma Rousseff, tentava propor medidas de ajuste fiscal que encontraram resistência no Congresso. Sua principal barreira foi o então presidente da Câmara, padrinho político do atual.
A diferença está no que Levy oferecia em 2015 e no que Meirelles oferece hoje. Entre as propostas do ministro de Dilma estavam o aumento na cobrança de imposto de renda mais altos para as camadas mais ricas da população. “Ainda é muito diminuta a quantidade de gente que paga impostos em renda declarada de R$ 50 mil mensais”, provocava.
Já Meirelles defende o teto de gastos públicos, que afeta diretamente áreas como saúde e educação, e a reforma da previdência, subestimando o fato de que alguns brasileiros poderiam, literalmente, trabalhar até a idade que coincide com sua expectativa de vida.
Levy também defendia o aumento de impostos sobre produtos industrializados e operações financeiras. O economista provocou a ira dos industriais que, três meses depois de sua demissão, seriam os principais patrocinadores da campanha pelo impeachment. Depois de seguidas derrotas — por 11 meses Levy tentou fazer a reforma fiscal passar pelo Congresso — o ministro pediu demissão em dezembro de 2015, mês em que Cunha acolheu o pedido de abertura do processo de impeachment.

(da esq. para dir.) Henrique Meirelles e Michel Temer durante o anúncio das medidas de estímulo da economia nacional, dia 15 de dezembro.
Foto: Andressa Anholete/AFP/Getty Images
A FALTA DE DIÁLOGO (e de votos) do governo, no Congresso, foi chamada defalta de governabilidade: um dos argumentos apresentados para derrubar a ex-presidente Dilma Rousseff do posto. Durante meses, economistas clamaram para que o impeachment fosse logo resolvido, para que a pauta econômica voltasse a ser prioridade e a economia voltasse a andar como os investidores pediam.
Agora que a pauta econômica é prioridade, os parlamentares a colocam nos trilhos, mas na direção contrária à que a equipe econômica queria. Prova de que o problema não estava sentado na cadeira da presidência, mas nas do plenário.
Uma vez que a PEC do Teto foi aprovada e a agenda econômica de austeridade foi estabelecida, a conta precisa fechar. O próprio Temer veio a público no mesmo dia da aprovação da lei, por meio da conta do Planalto no YouTubeexplicar que não há plano B, as contrapartidas serão dadas:
“Hoje, ainda, a Câmara Federal aprovou um projeto. E lá havia — no projeto de lei agora aprovado definitivamente — essas contrapartidas, que foram retiradas embora se mantivesse a tese e o preceito da recuperação fiscal. Mas isso não significa, volto a dizer, que a União, quando firmar o contrato de recuperação fiscal com esses estados, se solicitada por eles, não irá exigir essas contrapartidas. Elas são indispensáveis para que se viabilize a recuperação fiscal prevista na lei que hoje foi aprovada.”[ênfase adicionado]
Enquanto isso, as temidas contrapartidas foram empurradas pelo presidente da Câmara para a esfera estadual: “As contrapartidas podem estar no contrato entre o governo federal e os governos estaduais. Não precisa estar na lei obrigatoriamente”. Com isso, o presidente da Câmara Federal não quer dizer que as contrapartidas, que nada mais são do que cortes profundos e impopulares, serão evitadas, mas que não ficarão na conta dele ou de seus colegas deputados federais.
Policiais lançam bomba de gás contra servidores públicos que se manifestavam em frente à Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro, no dia 6 de dezembro
Foto: Erick Dau
Dessa forma, cada estado terá de negociar suas próprias contrapartidasdiretamente com o governo federal, explicou Meirelles nesta quarta-feira, 21. Os cortes, que são impopulares e com certeza irritarão o eleitorado, deverão ser decididos nas assembleias legislativas estaduais, responsáveis pelas votações dos orçamentos de seus estados.
Na aparência, Maia concedeu uma ajuda aos governadores, porque foi responsável pelo lado bom do pacote. Na prática, ele aproveitou o Natal para entregar um belo presente de grego aos seus colegas deputados estaduais.
Eles estão sendo foco de protestos por conta de projetos de lei que tentavam cortar investimentos antes mesmo de surgirem as contrapartidas pedidas por Meirelles – os famosos pacotes de maldades. As contrapartidas exigidas pela União tornarão ainda mais duros os odiados pacotes que, por sua vez, serão repassados aos servidores estaduais. Significa que o tempo, que já está fechado, pode se tornar uma tempestade perfeita.
Com ou sem contrapartidas, a aprovação do projeto, no entanto, não muda a atual situação de salários atrasados, já que trata sobre os orçamentos dos próximos anos, apenas. Mesmo que ajude a pagar os atrasados, o socorro só viria no ano que vem.
(Publicado originalmente no site do Intercept Brasil)
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segunda-feira, 19 de dezembro de 2016
Poesia concreta completa 60 anos com reverberações em outros campos artísticos
Exposição que abre nesta quinta na Casa das Rosas explica o concretismo desde a sua criação até suas interlocuções com a música popular e o cinema

Entrada da exposição “As ideias concretas” (Foto: Divulgação)
Paulo Henrique Pompermaier
Durante três meses a Casa das Rosas – Espaço Haroldo de Campos de Poesia e Literatura irá homenagear o poeta que dá título ao espaço cultural e seus companheiros concretistas na exposição “As ideias concretas – Poesia 60 anos adiante”, que abre nesta quinta (1º). A ideia, segundo o curador Julio Mendonça, não é se fixar no aspecto histórico da poesia concreta, mas “acompanhar a trajetória do desenvolvimento de suas ideias na obra posterior dos criadores do movimento, e a repercussão nas obras de outros poetas.”
A mostra é composta por 44 poemas, além de publicações e documentos dos principais nomes do movimento literário. Estão lá o início do grupo Noigandres, suas principais criações, a repercussão mundial do concretismo e seus desdobramentos contemporâneos. Para Reynaldo Damazio, que também integra a curadoria, a principal dificuldade em montar a exposição foi estética: “Respeitar as experiências de linguagem propostas pelos poetas e tentar expressar toda a riqueza inventiva dos poemas e objetos no espaço limitado do museu”, diz.
O original do poema ZEN, de Pedro Xisto, serigrafias de poemas de Augusto de Campos e Décio Pignatari e objetos raros como a caixa preta de Augusto e Julio Plaza também estão na exposição. A abertura, nesta quinta (1º), contará com um pequeno show de Cid Campos e Felipe Ávila, às 19h, em que os músicos apresentam algumas composições feitas com base em poemas concretistas.

Poema Contemporâneos (Mallarmé), de Augusto de Campos, 2009 (Divulgação)
Invertendo o fluxo de influências
Movimento artístico internacional, o concretismo se iniciou no Brasil na década de 1950 e teve no grupo Noigandres, composto por Augusto e Haroldo de Campos, Décio Pignatari, Ronaldo Azeredo e José Lino Grunewald, seu principal representante e precursor. Segundo Omar Khouri, poeta e doutor em Comunicação e Semiótica pela PUC-SP, o Brasil foi capaz de “inverter o fluxo de influências” no âmbito da poesia concreta, tamanha a importância do Noigandres.
Para o poeta André Vallias, que expõe alguns poemas na mostra, o concretismo brasileiro “representa no meio literário o que a bossa nova foi para o meio musical”. Em vida, João Cabral de Melo Neto já dizia que o gênero podia ser considerado um legado mais importante que o deixado pela Semana de Arte Moderna de 1922. Vallias diz que essa importância tão grande assumida pelo concretismo no Brasil é fruto de suas “interlocuções com a música popular, com o movimento da Tropicália e com o cinema de invenção”.
O curador Reynaldo Damazio afirma que “a poesia concreta transformou a integração entre forma e conteúdo num procedimento estratégico para a realização de poemas e chamou atenção para o compromisso com a linguagem e com o rigor”. Por isso, em sua opinião, o concretismo já nasceu multimídia: “Na formação dos poetas que fundaram o movimento estavam presentes as artes plásticas, música, cinema, arquitetura, publicidade e semiótica. A disposição gráfica, o movimento, a tridimensionalidade, o uso de cores fazem parte de poemas realizados entre as décadas de 1950 e 1960”, comenta.
Apesar disso, o reconhecimento da criação concretista chegou tarde ao Brasil, na opinião de Omar Khouri, ao passo que em outros países já era celebrada ostensivamente desde a década de 1960.

Poema Runas, de André Vallias, 2013 (Divulgação)
Da serigrafia à internet
A poesia concreta mudou a forma como se percebe a literatura ao tratar o fazer poético como um fenômeno criativo que engloba a literatura apenas como uma de suas facetas. Dessa forma, para o poeta André Vallias, os concretistas “prepararam as bases, instáveis e moventes, para todos aqueles atuam criativamente em meios tecnológicos em constante revolução.”
Essa poesia “intermídia”, que hoje ocupa todo horizonte da revolução criativa eletrônica, na opinião do curador Julio Mendonça, é um dos principais desdobramentos do concretismo apreendidos pela exposição. “A ‘tensão de palavras-coisas no espaço-tempo’, como propunha o Plano-piloto para poesia concreta [manifesto do grupo Noigandres], em 1958, parece muito mais congenial a uma época como a nossa, em que os meios digitais oferecem as condições técnicas para criações em que essa tensão pode, ainda, contar com a possibilidade do movimento, da cor, da criação de novas formas tipológicas das fontes, da transparência, das fusões.” Uma inquietação experimental mantida pelos novos poetas e transmitida pela tradição concretista, “tensionada entre a fidelidade àquelas ideias e a abertura a novas possibilidades”, nas palavras do curador.
Segundo Khouri, alguns dos elementos herdados pelos novos poetas concretistas são a “incorporação da visualidade nos poemas, trânsito nas várias mídias, interesse pela reflexão sobre o fazer artístico e até mesmo sobre o território da tradução, tanto da interlingual como da intersemiótica”. A influência do concretismo foi tão grande, principalmente no Brasil, que o pesquisador gosta de dividir a produção literária do país entre “o antes e o depois da poesia concreta”.
Trafegando entre palavras, música, artes plásticas e design, a produção poética contemporânea tem no concretismo, tanto teórico como prático, uma de suas grandes inspirações para romper as barreiras da arte, na opinião de Vallias. Dão forma àquilo que a geração de 1950 denominou de “verbivocovisual”, ou seja, a integração de palavra, voz e imagem.
As ideias concretas – Poesia 60 anos adianteQuando: de 1º de dezembro até 28 de fevereiro de 2017
Quanto: Gratuito
Onde: Casa das Rosas, Av. Paulista, 37 – Paraíso, São Paulo – SP, 01311-000
Quanto: Gratuito
Onde: Casa das Rosas, Av. Paulista, 37 – Paraíso, São Paulo – SP, 01311-000
(Publicado originalmente no site da Revista Cult)
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