Exposição que abre nesta quinta na Casa das Rosas explica o concretismo desde a sua criação até suas interlocuções com a música popular e o cinema
Paulo Henrique Pompermaier
Durante três meses a Casa das Rosas – Espaço Haroldo de Campos de Poesia e Literatura irá homenagear o poeta que dá título ao espaço cultural e seus companheiros concretistas na exposição “As ideias concretas – Poesia 60 anos adiante”, que abre nesta quinta (1º). A ideia, segundo o curador Julio Mendonça, não é se fixar no aspecto histórico da poesia concreta, mas “acompanhar a trajetória do desenvolvimento de suas ideias na obra posterior dos criadores do movimento, e a repercussão nas obras de outros poetas.”
A mostra é composta por 44 poemas, além de publicações e documentos dos principais nomes do movimento literário. Estão lá o início do grupo Noigandres, suas principais criações, a repercussão mundial do concretismo e seus desdobramentos contemporâneos. Para Reynaldo Damazio, que também integra a curadoria, a principal dificuldade em montar a exposição foi estética: “Respeitar as experiências de linguagem propostas pelos poetas e tentar expressar toda a riqueza inventiva dos poemas e objetos no espaço limitado do museu”, diz.
O original do poema ZEN, de Pedro Xisto, serigrafias de poemas de Augusto de Campos e Décio Pignatari e objetos raros como a caixa preta de Augusto e Julio Plaza também estão na exposição. A abertura, nesta quinta (1º), contará com um pequeno show de Cid Campos e Felipe Ávila, às 19h, em que os músicos apresentam algumas composições feitas com base em poemas concretistas.
Invertendo o fluxo de influências
Movimento artístico internacional, o concretismo se iniciou no Brasil na década de 1950 e teve no grupo Noigandres, composto por Augusto e Haroldo de Campos, Décio Pignatari, Ronaldo Azeredo e José Lino Grunewald, seu principal representante e precursor. Segundo Omar Khouri, poeta e doutor em Comunicação e Semiótica pela PUC-SP, o Brasil foi capaz de “inverter o fluxo de influências” no âmbito da poesia concreta, tamanha a importância do Noigandres.
Para o poeta André Vallias, que expõe alguns poemas na mostra, o concretismo brasileiro “representa no meio literário o que a bossa nova foi para o meio musical”. Em vida, João Cabral de Melo Neto já dizia que o gênero podia ser considerado um legado mais importante que o deixado pela Semana de Arte Moderna de 1922. Vallias diz que essa importância tão grande assumida pelo concretismo no Brasil é fruto de suas “interlocuções com a música popular, com o movimento da Tropicália e com o cinema de invenção”.
O curador Reynaldo Damazio afirma que “a poesia concreta transformou a integração entre forma e conteúdo num procedimento estratégico para a realização de poemas e chamou atenção para o compromisso com a linguagem e com o rigor”. Por isso, em sua opinião, o concretismo já nasceu multimídia: “Na formação dos poetas que fundaram o movimento estavam presentes as artes plásticas, música, cinema, arquitetura, publicidade e semiótica. A disposição gráfica, o movimento, a tridimensionalidade, o uso de cores fazem parte de poemas realizados entre as décadas de 1950 e 1960”, comenta.
Apesar disso, o reconhecimento da criação concretista chegou tarde ao Brasil, na opinião de Omar Khouri, ao passo que em outros países já era celebrada ostensivamente desde a década de 1960.
Da serigrafia à internet
A poesia concreta mudou a forma como se percebe a literatura ao tratar o fazer poético como um fenômeno criativo que engloba a literatura apenas como uma de suas facetas. Dessa forma, para o poeta André Vallias, os concretistas “prepararam as bases, instáveis e moventes, para todos aqueles atuam criativamente em meios tecnológicos em constante revolução.”
Essa poesia “intermídia”, que hoje ocupa todo horizonte da revolução criativa eletrônica, na opinião do curador Julio Mendonça, é um dos principais desdobramentos do concretismo apreendidos pela exposição. “A ‘tensão de palavras-coisas no espaço-tempo’, como propunha o Plano-piloto para poesia concreta [manifesto do grupo Noigandres], em 1958, parece muito mais congenial a uma época como a nossa, em que os meios digitais oferecem as condições técnicas para criações em que essa tensão pode, ainda, contar com a possibilidade do movimento, da cor, da criação de novas formas tipológicas das fontes, da transparência, das fusões.” Uma inquietação experimental mantida pelos novos poetas e transmitida pela tradição concretista, “tensionada entre a fidelidade àquelas ideias e a abertura a novas possibilidades”, nas palavras do curador.
Segundo Khouri, alguns dos elementos herdados pelos novos poetas concretistas são a “incorporação da visualidade nos poemas, trânsito nas várias mídias, interesse pela reflexão sobre o fazer artístico e até mesmo sobre o território da tradução, tanto da interlingual como da intersemiótica”. A influência do concretismo foi tão grande, principalmente no Brasil, que o pesquisador gosta de dividir a produção literária do país entre “o antes e o depois da poesia concreta”.
Trafegando entre palavras, música, artes plásticas e design, a produção poética contemporânea tem no concretismo, tanto teórico como prático, uma de suas grandes inspirações para romper as barreiras da arte, na opinião de Vallias. Dão forma àquilo que a geração de 1950 denominou de “verbivocovisual”, ou seja, a integração de palavra, voz e imagem.
As ideias concretas – Poesia 60 anos adianteQuando: de 1º de dezembro até 28 de fevereiro de 2017
Quanto: Gratuito
Onde: Casa das Rosas, Av. Paulista, 37 – Paraíso, São Paulo – SP, 01311-000
Quanto: Gratuito
Onde: Casa das Rosas, Av. Paulista, 37 – Paraíso, São Paulo – SP, 01311-000
(Publicado originalmente no site da Revista Cult)
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