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segunda-feira, 19 de dezembro de 2016

Poesia concreta completa 60 anos com reverberações em outros campos artísticos


Exposição que abre nesta quinta na Casa das Rosas explica o concretismo desde a sua criação até suas interlocuções com a música popular e o cinema
Entrada da exposição (Divulgação)
Entrada da exposição “As ideias concretas” (Foto: Divulgação)
Paulo Henrique Pompermaier
Durante três meses a Casa das Rosas – Espaço Haroldo de Campos de Poesia e Literatura irá homenagear o poeta que dá título ao espaço cultural e seus companheiros concretistas na exposição “As ideias concretas – Poesia 60 anos adiante”, que abre nesta quinta (1º). A ideia, segundo o curador Julio Mendonça, não é se fixar no aspecto histórico da poesia concreta, mas “acompanhar a trajetória do desenvolvimento de suas ideias na obra posterior dos criadores do movimento, e a repercussão nas obras de outros poetas.”
A mostra é composta por 44 poemas, além de publicações e documentos dos principais nomes do movimento literário. Estão lá o início do grupo Noigandres, suas principais criações, a repercussão mundial do concretismo e seus desdobramentos contemporâneos. Para Reynaldo Damazio, que também integra a curadoria, a principal dificuldade em montar a exposição foi estética: “Respeitar as experiências de linguagem propostas pelos poetas e tentar expressar toda a riqueza inventiva dos poemas e objetos no espaço limitado do museu”, diz.
O original do poema ZEN, de Pedro Xisto, serigrafias de poemas de Augusto de Campos e Décio Pignatari e objetos raros como a caixa preta de Augusto e Julio Plaza também estão na exposição. A abertura, nesta quinta (1º), contará com um pequeno show de Cid Campos e Felipe Ávila, às 19h, em que os músicos apresentam algumas composições feitas com base em poemas concretistas.

Poema Contemporâneos (Mallarmé), Augusto de Campos, 2009 (Divulgação)
Poema Contemporâneos (Mallarmé), de Augusto de Campos, 2009 (Divulgação)
Invertendo o fluxo de influências
Movimento artístico internacional, o concretismo se iniciou no Brasil na década de 1950 e teve no grupo Noigandres, composto por Augusto e Haroldo de Campos, Décio Pignatari, Ronaldo Azeredo e José Lino Grunewald, seu principal representante e precursor. Segundo Omar Khouri, poeta e doutor em Comunicação e Semiótica pela PUC-SP, o Brasil foi capaz de “inverter o fluxo de influências” no âmbito da poesia concreta, tamanha a importância do Noigandres.
Para o poeta André Vallias, que expõe alguns poemas na mostra, o concretismo brasileiro “representa no meio literário o que a bossa nova foi para o meio musical”. Em vida, João Cabral de Melo Neto já dizia que o gênero podia ser considerado um legado mais importante que o deixado pela Semana de Arte Moderna de 1922. Vallias diz que essa importância tão grande assumida pelo concretismo no Brasil é fruto de suas “interlocuções com a música popular, com o movimento da Tropicália e com o cinema de invenção”.
O curador Reynaldo Damazio afirma que “a poesia concreta transformou a integração entre forma e conteúdo num procedimento estratégico para a realização de poemas e chamou atenção para o compromisso com a linguagem e com o rigor”. Por isso, em sua opinião, o concretismo já nasceu multimídia: “Na formação dos poetas que fundaram o movimento estavam presentes as artes plásticas, música, cinema, arquitetura, publicidade e semiótica. A disposição gráfica, o movimento, a tridimensionalidade, o uso de cores fazem parte de poemas realizados entre as décadas de 1950 e 1960”, comenta.
Apesar disso, o reconhecimento da criação concretista chegou tarde ao Brasil, na opinião de Omar Khouri, ao passo que em outros países já era celebrada ostensivamente desde a década de 1960.

Poema Runas, André Vallias, 2013 (Divulgação)
Poema Runas, de André Vallias, 2013 (Divulgação)
Da serigrafia à internet
A poesia concreta mudou a forma como se percebe a literatura ao tratar o fazer poético como um fenômeno criativo que engloba a literatura apenas como uma de suas facetas. Dessa forma, para o poeta André Vallias, os concretistas “prepararam as bases, instáveis e moventes, para todos aqueles atuam criativamente em meios tecnológicos em constante revolução.”
Essa poesia “intermídia”, que hoje ocupa todo horizonte da revolução criativa eletrônica, na opinião do curador Julio Mendonça, é um dos principais desdobramentos do concretismo apreendidos pela exposição. “A ‘tensão de palavras-coisas no espaço-tempo’, como propunha o Plano-piloto para poesia concreta [manifesto do grupo Noigandres], em 1958, parece muito mais congenial a uma época como a nossa, em que os meios digitais oferecem as condições técnicas para criações em que essa tensão pode, ainda, contar com a possibilidade do movimento, da cor, da criação de novas formas tipológicas das fontes, da transparência, das fusões.” Uma inquietação experimental mantida pelos novos poetas e transmitida pela tradição concretista, “tensionada entre a fidelidade àquelas ideias e a abertura a novas possibilidades”, nas palavras do curador.
Segundo Khouri, alguns dos elementos herdados pelos novos poetas concretistas são a “incorporação da visualidade nos poemas, trânsito nas várias mídias, interesse pela reflexão sobre o fazer artístico e até mesmo sobre o território da tradução, tanto da interlingual como da intersemiótica”. A influência do concretismo foi tão grande, principalmente no Brasil, que o pesquisador gosta de dividir a produção literária do país entre “o antes e o depois da poesia concreta”.
Trafegando entre palavras, música, artes plásticas e design, a produção poética contemporânea tem no concretismo, tanto teórico como prático, uma de suas grandes inspirações para romper as barreiras da arte, na opinião de Vallias. Dão forma àquilo que a geração de 1950 denominou de “verbivocovisual”, ou seja, a integração de palavra, voz e imagem.
As ideias concretas – Poesia 60 anos adianteQuando: de 1º de dezembro até 28 de fevereiro de 2017
Quanto: Gratuito
Onde: Casa das Rosas, Av. Paulista, 37 – Paraíso, São Paulo – SP, 01311-000

(Publicado originalmente no site da Revista Cult)

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