pub-5238575981085443 CONTEXTO POLÍTICO: Diálogo apartidário
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domingo, 7 de julho de 2013

Diálogo apartidário

Apesar de reivindicações difusas, os protestos das últimas semanas demonstram uma crise em comum: a representatividade política dos modelos atuais

Marcello Scarrone
25/6/2013
 
  • Um dos dados mais interessantes e significativos das atuais manifestações populares nas ruas brasileiras é o descolamento dos protestos da ação e orientação dos partidos políticos. Quando não expressamente hostilizados ou rejeitados, os militantes, os representantes e os porta-vozes oficiais das várias siglas e entidades partidárias têm que colocar entre parênteses sua filiação ou sua ideologia para ganhar o direito de participação, mesmo assim, ao mesmo nível de todo mundo, sem qualquer diferenciação.
    Num planeta que nos fala de primavera árabe ou turca, de mobilizações sociais de praças e cidades em diferentes continentes, há indícios de que estamos na presença de um fenômeno novo, cujo futuro é difícil de se prever, mas cujo presente nos diz algo muito interessante. Não só no Brasil, mas em várias partes do mundo, a mobilização política das pessoas passa por novos canais, alheios aos esquemas ou aos pertencimentos de partido.
    Num país como o Brasil, é verdade, as siglas quase sempre significaram pouco para os cidadãos, mesmo quando eles se transformavam em eleitores. Dos partidos da época imperial, simples recipientes diferentes de um conteúdo praticamente idêntico, aos da primeira República, máquinas de conservação e administração do domínio dos setores mais abastados da sociedade, a substância do jogo político continua nas mãos dos mesmos poucos, e a maioria da população na janela, olhando.
    Com Vargas, os partidos se tornam instrumentos de organização do consenso. Depois da guerra, ainda continua grande o abismo entre as siglas partidárias e os conteúdos ideais, as visões políticas presentes na mente dos brasileiros. Até a profunda divisão da sociedade brasileira no começo da década de 1960 foi fruto de diferentes visões do presente e futuro do país que mergulhavam mais em experiências e articulações da própria sociedade do que em identificações partidárias tout court. Se havia uma identificação, era mais com o líder do que com o partido.
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    Após as décadas da ditadura, o processo de redemocratização assiste ao ressurgimento de siglas ou ao nascimento de novas, numa aparente retomada de importância do partido, mas os eventos destes dias estão confirmando que a estação dos partidos talvez já esteja encaminhada rumo ao seu ocaso. 
    Claramente os partidos da esquerda clássica foram e são os que mais mostraram e mostram uma identificação com seus militantes ou eleitores. Partidos socialistas, comunistas e afins, na história nacional e mundial, se tornaram bandeiras, símbolos de ideais compartilhados e levados para frente, geralmente contra as injustiças sociais e econômicas. Nesse caso, a identificação era e é mais forte, mas, além do perigo, presente como em outras representações, de se cristalizar em formas burocráticas de organização política, não fugiram nem fogem do perigo de perder a capacidade de ouvir a “voz das ruas”.
    Quando a sociedade, ou uma parte dela, se mobiliza em nome de um ideal ou de uma proposta, em nome de uma vontade de protesto ou de um desejo de mudança, não há partido ou regime que fique de pé. Não só de Bastilhas queremos falar aqui, mas também da Índia de Gandhi, ou da Polônia de Walesa, ou da Europa Oriental inteira, em 1989. Em todos os lugares, mais do que partidos, havia por trás o sentimento compartilhado de uma vontade profunda de renovação e mudança.
    Se se trata hoje de um fenômeno totalmente novo, não sei. Um dado é evidente: que também em países onde o empenho político passa tradicionalmente pela mediação dos partidos, como na Europa, o novo urge e tende a se manifestar. Para falar só do caso italiano, que conheço mais de perto, após a longa temporada ditatorial do fascismo e a guerra, partidos se reconstituem ou nascem em nome de precisas idealidades e identidades: os católicos, os comunistas, os socialistas, os socialdemocratas, etc. Até a direita é representada e por décadas a luta política tem no instrumento partidário seu sustentáculo e sua maior expressão. Por anos e anos, até o menor município italiano se divide entre moderados e radicais, comunistas e católicos, com batalhas de palavras e votos.  Mas as investigações de corrupção da década de 1990 e o fim do comunismo no Leste europeu derrubaram quase todas as siglas, de forma horizontal: vários partidos morrem, outros, como o partido comunista, tem que se reciclar, até no nome e no programa. Nasce fenômenos partidários novos, até em virtude da força da imagem televisiva e seu poder de agregação, e hoje a democracia política do país é de certa forma posta em cheque por uma agremiação política que não nasceu exatamente como um partido, mas como um movimento de opinião na internet, o “Movimento 5 Stelle”.
    Crise da representatividade dos partidos, crise do próprio conceito de representação política? Talvez sim. De qualquer modo estamos diante de um modo novo de fazer e pensar a política. E disso os partidos estabelecidos e consagrados pela história devem se conscientizar, reinventando formas e modalidades outras de dialogo com a sociedade.

    (Revista de História da Biblioteca Nacional)

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