José Luiz Gomes escreve
Devo informa que tal expressão foi muito utilizada
pelo jornalista Elio Gaspari, ao se referir aos desafetos do ex-presidente
Lula, sobretudo depois da crise gerada com as denúncias do Mensalão. Segundo
consta, Lula teria uma cadernetinha onde esses nomes estavam devidamente
anotados. Esforçou-se pessoalmente para não permitir que esses desafetos fossem
eleitos para os executivos estaduais ou para o Legislativo Federal. Teve êxito
em alguns casos, noutros não. A lista é grande e, não raro, nos surpreendemos
com a inclusão de novos atores políticos nesse cipoal.
Zé
Ramalho, numa de suas canções, afirma que precisou transar com Deus e com o
Diabo para entender o jogo dos homens. Em política, não se pode dizer que se trata
de uma exceção essas manobras, traduzidas naquilo que poderíamos classificar
como uma verdadeira “gangorra ideológica’, movida ao sabor do peso das
conveniências. Há, entretanto, políticos que procuraram preservar um mínimo de
coerência em sua vida pública, como foi o caso de Luiz Carlos Prestes, Gregório
Bezerra, Miguel Arraes, Leonel Brizola. Este último muito lembrado por ocasião
das manifestações de rua recente.
Por
vezes, Dr. Miguel Arraes chegou a ser criticado por suas alianças políticas com
setores das oligarquias pernambucanas. No contexto da correlação de forças
políticas existente no Estado de Pernambuco, naquele momento, talvez fosse essa
a única possibilidade viável de sagrar-se vitorioso nas urnas, estratégia que
acabou sendo utilizada, pouco depois, pelo seu arquiinimigo, o senador Jarbas
Vasconcelos, quando candidatou-se ao Governo do Estado. Antigo presidente do
IAA, Arraes conhecia essas oligarquias como poucos. O professor Jorge Siqueira
costumava dizer que a presidência daquele órgão teria sido o maior capital
político de Dr. Arraes. Passou a conhecer todas as grandes cisões familiares
das oligarquias do Estado, usando-as em momentos oportunos.
Se
por um lado é verdade que chegou a celebrar algumas alianças táticas com essas
oligarquias, também é verdade que jamais renunciou aos seus princípios ou negociou
suas convicções políticas sobre as lutas populares. Numa entrevista concedida
ao editor, o vice-prefeito Luciano Siqueira – depois de questionado sobre essas
alianças – enfatizou que, em nenhum momento, por exemplo, Arraes abandonou os
comunistas.
Em
seu primeiro Governo, o governador Eduardo Campos ainda fazia alguma questão de
preservar alguns desses simbologismo herdados da sua convivência política com
Miguel Arraes, como a famosa visita à comunidade de Ilha de Deus, uma região
bastante empobrecida do Recife, que nunca recebera antes a visita de um
governante. Demorou muito pouco a estratégia de apresentar-se ao eleitorado,
simbolicamente, como o herdeiro do espólio político do Dr. Miguel Arraes,
naquilo que ele tinha de mais sagrado: uma profunda sensibilidade social. Uma
identidade com os segmentos sociais mais fragilizados.
Desde
que foi prefeito do Recife, Arraes nunca escondeu essa vocação, como pode ser
atestada através do trabalho do saudoso professor João Francisco, “Pedagogia
da Revolução”. Através de uma metodologia orientada pela análise de
discurso, João Francisco evidencia, claramente, a diferença de projetos
políticos entre Arraes e o então governador do Estado de Pernambuco, Cid
Sampaio.
O
neto, a princípio, esboçou uma plataforma política que procurava identificar-se
com os setores populares, mas, gradativamente, foi assimilando uma agenda de
orientação neo-socialista, seja lá o que isso signifique. A agenda do Governo
Eduardo Campos é tudo, menos socialista: crescimento expansionista sem
preocupações ambientais; meritocracia familiar; sustentada numa ampla
parafernália midiática, que nos coloca no melhor dos mundos, e a sua
popularidade nas alturas. É o governador mais bem-avaliado do país, embora o Estado
apresente problemas estruturais preocupantes em diversas áreas, como se pode
verificar nos últimos dados divulgados sobre o IDH.
Para
completar o enredo, depois dos acontecimentos de Julho, parece ter perdido o “tino”
e permitiu que sua Polícia Militar cometesse uma série de abusos de autoridade –
reprimindo com prisões as mobilizações de rua. Neste aspecto, aproximando-se
das teses do esloveno Slavoj Zizek sobre a tendência de uma gestão sempre mais
autoritária do poder político. Nisso, ele está muito bem acompanhado pelo
governador do Estado do Rio de Janeiro, Sérgio Cabral, que perdeu completamente
a cabeça e, com ela, a popularidade.
Numa
manobra política curiosa, à qual já classificamos de “equilíbrio instável”,
mantém-se atrelado ao Governo Federal, mas costura abertamente sua provável
candidatura presidencial com os setores mais atrasados e conservadores da
política brasileira. Neste aspecto, não repete o avô, mas capitula-se a uma
agenda nefasta engendrada pelo capital. Alia-se aos “urubus” voando de costa da
Era Lula. A fauna está completa: Agripino Maia, certo senador pernambucano,
Arthur Virgílio, Tasso Jereissati, Marconi Perillo, Jorge Bornhousen.
Recentemente,
Eduardo Campos manteve mais de um encontro com Lula. Comenta-se que teriam
conversado sobre as eleições presidenciais de 2014. É possível. Há quem
assegure que Lula o teria convidado para compor uma chapa com os petistas. Aliás,
quem sabe, encabeçar uma chapa, filiando-se ao Partido dos Trabalhadores. No
jogo estrito da competição eleitoral, não há dúvida, ele continua como uma
espécie de fiel da balança, sobretudo se considerarmos a fragilidade e os
percalços da relação entre o PT e o PMDB. Mas o “Moleque” dos jardins da
Fundação Joaquim Nabuco vem perdendo substância já faz algum tempo.
Até
onde sabemos, Lula vinha mantendo a relação em “banho Maria”, salvaguardando a
necessidade de preservar a presidente Dilma Rousseff. O fato de pleitear uma
candidatura presidencial não teria sido o problema maior da relação entre ambos.
O que teria deixado Lula profundamente magoado com Eduardo Campos foi essa
aliança com os “urubus” voando de costa, os desafetos do seu Governo. Assim
como outros analistas, também não enxergamos com otimismo a possibilidade de preservação
dessa aliança entre Eduardo Campos e o Planalto. Dentro do jogo pesado da
política ele é uma peça importante, mas já atua no tabuleiro dos adversários e
é assim que deve ser tratado daqui para frente. O caboclo já está no darkroom
com o Diabo.
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